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Borboleta Euphydryas aurinia, uma das espécies protegidas na Europa e em Portugal. Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

Cientistas vão avaliar pela primeira vez situação de centenas de invertebrados em Portugal

18.01.2019

Meia centena de investigadores vão colaborar com primeiro projecto dedicado a fazer o retrato de grupos de invertebrados em Portugal Continental. A Wilder falou com Patrícia Garcia Pereira, uma das coordenadoras, que avisa que haverá muito trabalho pela frente.

 

A nova Lista Vermelha de grupos de Invertebrados Terrestres e de Água Doce quer observar “à lupa” a situação de centenas de insectos, moluscos, crustáceos, aranhas e outros invertebrados, ao longo de três anos. No terreno, vão colaborar cerca de 50 investigadores ligados ao estudo destes animais, das várias universidades portuguesas e também dos museus de História Natural de Lisboa, Coimbra e Porto.

Para cada uma das mais de 700 espécies que já foram definidas como espécies-alvo, vai ser preciso determinar o estatuto de conservação em Portugal Continental, ou seja, qual é o actual risco de extinção, de acordo com os critérios estabelecidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza.

 

Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

 

O objectivo é obter o máximo de informação disponível, incluindo a que tem sido recolhida ao longo de muitos anos. “Queremos alargar ao máximo as parcerias. Há muitas pessoas em Portugal com inventários de invertebrados, que desejamos que se associem ao projecto”, apela Patrícia Garcia Pereira, coordenadora para a parte dos artrópodes e investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Até porque uma das grandes ambições é construir uma rede que envolva os especialistas nesta área, agora e para o futuro. “Queremos unir as forças dos invertebrados”, sublinha, lembrando que este trabalho é pioneiro, ao contrário de outros projectos semelhantes com grupos de fauna que estão agora a decorrer e que são revisões do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado em 2005.

Iniciado em Agosto passado, o projecto vai continuar até Agosto de 2021. Nestes primeiros meses de trabalho, “estamos a organizar a rede [de especialistas], as bases, e já temos agendado um encontro geral em Fevereiro, na serra da Lousã”, indica a investigadora.

Com apenas três anos no horizonte e milhares de espécies em jogo, escolher as espécies-alvo desta Lista Vermelha deu um grande trabalho, confessa. Ponto assente foi a inclusão dos 15 invertebrados contemplados pela Directiva Habitats. “Estamos a falar de espécies ameaçadas tanto na Europa como em Portugal, pelo que é importante determinar qual é o seu estatuto.”

Em causa, enumera, estão “uma sanguessuga (anelídeo), dois bivalves, uma lesma, uma aranha, um louva-a-deus, três borboletas e outros insectos.”

 

O escaravelho vaca-loura é uma das espécies da Directiva Habitats. Foto: Andrew Butko/Wiki Commons

 

Quanto aos restantes, a equipa foi ver quais são os grupos de invertebrados “com mais trabalho produzido e em que fosse possível nestes três anos fazer um trabalho de avaliação das espécies.”

Um desses grupos é o das aranhas, no qual há registo de mais de 500 espécies em Portugal Continental. “Seria impossível analisarmos todas.” Escolheram avaliar o estatuto de 66 espécies endémicas, ou seja, que são exclusivas apenas deste território.

 

Quantas Listas Vermelhas fazem falta?

Muitos invertebrados vão ficar ainda fora deste projecto, sabe Patrícia Garcia Pereira que, por isso adverte: “Esta é uma primeira Lista Vermelha, mas vai ter de haver uma Lista Vermelha dois, uma Lista Vermelha três e uma Lista Vermelha quatro!”

No grupo dos insectos, com cerca de 30.000 espécies, “seria completamente impossível tratarmos as ordens todas.” Aqui, começaram por seleccionar “as ordens com mais investigadores: libélulas, louva-a-deus e gafanhotos”. “Como estão mais ou menos estudadas, vamos avaliar toda a biodiversidade destas ordens em Portugal Continental.” Ou seja, mais de 200 espécies.

 

Libélula-comum (Santa Maria da Feira). Foto: Albano Soares

 

Para outras ordens de insectos, os investigadores vão concentrar-se em determinadas famílias, com atenção especial às espécies raras, endémicas do território nacional, ou que são características de habitats prioritários.

Nas borboletas, por exemplo, estão referenciadas entre 2.500 a 2.600 espécies em território português (excluindo Madeira e Açores), mas o trabalho vai concentrar-se em 33 borboletas diurnas e 74 borboletas nocturnas. “Não há endemismos em Portugal e por isso optámos pelas espécies raras.”

Quanto às abelhas, há 600 espécies já registadas no país, mas os esforços vão concentrar-se em 40. “Escolheram-se cinco endemismos de Portugal e 35 endemismos da Península Ibérica.”

 

Pegar nos dados esquecidos em gavetas 

A primeira fase do projecto, que já está em curso, “passa pela recompilação de tudo o que existe [sobre as espécies-alvo], para trabalharmos juntos os dados que já estavam esquecidos em gavetas.” Exemplos? Análise das colecções de história natural de museus e de coleccionadores privados, de bases de dados, levantamento da informação bibliográfica que foi sendo produzida ao longo dos anos.

 

Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

 

Estes dados vão ajudar a produzir a informação base sobre as espécies-alvo do projecto, que vai ser completada pelo trabalho de campo. Os investigadores vão percorrer 61 sítios de importância comunitária (SICs), parte da Rede Natura 2000, além de outros pontos do território em busca de invertebrados muito raros, e avaliar o estatuto de ameaça de cada alvo do projecto. As conclusões vão ficar reunidas num Livro Vermelho que deverá estar disponível na fase final dos trabalhos, em 2021.

E será possível perceber até que ponto está a acontecer um colapso dos insectos, como se está a verificar noutras partes do mundo? “Estamos muito ansiosos por saber como está a situação em Portugal”, reconhece Patrícia Garcia Pereira. “Estamos muito atrasados nos invertebrados e por isso é que é tão necessário realizarmos este trabalho.”

Com financiamento de fundos comunitários do PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), comparticipados pelo Fundo Ambiental, vão ser investidos cerca de 450.000 euros. A beneficiária é a FCiências.ID – Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências, em parceria com o Instituto Nacional de Conservação da Natureza e das Florestas. A associação Tagis e a empresa Biota-Estudos e Divulgação em Ambiente vão ser coordenadoras, a primeira da parte dos artrópodes e a segunda dos restantes invertebrados: moluscos, crustáceos e uma sanguessuga (anelídeo).

O novo projecto vem juntar-se a outros de monitorização que estão já em curso, como a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e também o Livro Vermelho e Sistema Nacional de Informação dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Recorde a entrevista que Patrícia Garcia Pereira deu à Wilder, em Novembro de 2017.

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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