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Crânios das baleias Fósseis. Foto: Rui Castanhinha e Rodrigo Figueiredo

Cientistas descrevem duas baleias que viveram no mar português há 11 milhões de anos

13.03.2024

Três fósseis encontrados no início do século XIX, na zona da Fonte da Telha, Costa da Caparica, foram agora redescritos para a Ciência por uma equipa europeia liderada por palentólogos portugueses, dando origem a um novo género científico e a duas novas espécies.

O novo género científico foi batizado de Adicetus e engloba duas espécies hoje extintas de baleias que terão vivido há 11 milhões de anos, Adicetus latus e Adicetus vandelli, descritas num artigo (de acesso aberto) publicado esta quarta-feira pela revista científica PLOS One.

O novo estudo foi feito a partir de três crânios de baleia guardados há cerca de 200 anos em Lisboa, que tinham sido encontrados no início do século XIX pelo barão von Eschwege e por Alexandre Vandelli. Ambos relataram essa descoberta feita numa exploração de ouro na arriba fóssil da Fonte da Telha, hoje completamente desativada, nas Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, publicadas em 1831. Os três espécimes estavam em sedimentos do Miocénico, uma época da história da Terra que teve lugar há cerca de 11 milhões de anos.

“Na altura, os fósseis ficaram guardados na Academia das Ciências e mais tarde passaram para o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)”, contou à Wilder Rui Castanhinha, co-autor do artigo onde são redescritos os crânios de baleia. “Ao longo de 200 anos foram sendo publicadas várias observações relativas a estes espécimes, mas todas indicando que era necessária uma análise mais aprofundada e realizada com mais tempo”, explicou o mesmo responsável, que é investigador no CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, da Universidade de Aveiro, e também no Museu da Lourinhã.

É verdade que em 1941, os três crânios foram descritos por Remington Kellog, que os considerou espécimes padrão (holótipos) de três novas espécies de baleia: Metopocetus vandelli, Aulocetus latus e Cephalotropis nectus. No entanto, mesmo essa descrição científica foi realizada à distância por este paleontólogo americano, a partir de fotografias a preto-e-branco que lhe terão sido enviadas por correio, indicou Rui Castanhinha. Além do mais, as imagens eram só de vistas dorsais e os fósseis não estavam tão bem limpos como agora.

Assim, passados cerca de 80 anos, estes crânios de baleia foram agora descritos novamente por uma equipa de quatro investigadores, que fizeram análises morfológicas detalhadas e chegaram à conclusão que dois dos crânios pertencem afinal a um novo género taxonómico: o género Adicetus.

“Estas análises, com recurso às mais recentes tecnologias, vêm resolver um enigma com quase dois séculos (o mais antigo na paleontologia de vertebrados portuguesa) relativo à sua afinidade evolutiva pois, muito embora estes fósseis tivessem sido várias vezes reportados por outros especialistas, a sua anatomia não tinha ainda sido descrita e comparada com detalhe agora possível”, sublinha um comunicado do MUHNAC.

Baleias-de-barbas

O nome do novo género agora batizado pela equipa, Adicetus, provém de Adiça – nome da praia da Fonte da Telha onde tinham sido inicialmente encontrados os crânios (também chamada de praia da NATO) – e também do termo grego cetus, sufixo utilizado quando se descrevem baleias fósseis. Dentro deste grupo, ficaram as antigas espécies Metopocetus vandelli e Aulocetus latus, agora rebatizadas como Adicetus vandelli e Adicetus latus. Já a espécie Cephalotropis nectus, que corresponde ao terceiro fóssil, mantém o nome que lhe tinha sido dado por Remington Kellog.

Rui Castanhinha explicou à Wilder que estas três espécies de baleias pertenceram a uma família taxonómica que hoje conserva apenas uma única espécie viva, pois todas as restantes já se extinguiram, a família Cetotheriidae.

“Estas baleias não seriam nem muito grandes nem muito pequenas, medindo entre quatro a seis metros”, descreveu também o paleontólogo, acrescentando que há 11 milhões de anos “já não seriam baleias muito primitivas“. Nesta altura já não tinham dedos como os primeiros cetáceos que habitaram o mar, mas sim barbatanas, exemplificou. Estas espécies agora redescritas faziam também parte do grupo hoje conhecido como baleias-de-barbas (misticetos), baleias filtradoras que se alimentam principalmente de krill e de outros pequenos crustáceos.

Além de Rui Castanhinha, o trabalho agora publicado foi conduzido por Rodrigo Figueiredo, também do CESAM e do Museu da Lourinhã. Mark Bosselapers, do Royal Belgian Institute of Natural Sciences (Bélgica) e da Royal Zeeland Scientifi Society (Países Baixos), e Liliana Póvoas, do MUHNAC (Universidade de Lisboa), foram também co-autores do artigo.


Saiba mais.

Gostava de conhecer os três crânios da baleia que deram origem a estas novas espécies? Estão em exposição no MUHNAC, podendo ser visitados de terça-feira a domingo, entre as 10h e as 17h.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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