Faz este mês um ano que começou um dos maiores projectos de conservação em curso em Portugal: restabelecer no país a população de águia-imperial-ibérica, espécie Criticamente em Perigo. Neste momento há oito águias que estão a ser seguidas por biólogos. Falámos com a equipa para lhe contar o que está a ser feito.
Os trabalhos começaram em Julho de 2014, com a marcação de três crias de águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) com emissores para seguimento remoto. Estes aparelhos permitem seguir o percurso das águias em tempo real, mas entretanto um deixou de funcionar por motivos técnicos.
Em Junho passado foram marcadas outras seis águias, todas com menos de dois meses de vida: uma no Tejo Internacional, duas em Castro Verde/Mértola e três (uma ninhada) em Moura/Barrancos.
A marcação de águias-imperiais-ibéricas com emissores é uma das acções do projecto LIFE Imperial, resultado de uma parceria entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Em vigor de Julho de 2014 a Dezembro de 2018, dedica-se à conservação da espécie em Portugal e é coordenado pela LPN.
A águia-imperial-ibérica ocorre apenas na Península Ibérica e voltou a nidificar em território português só em 2003, depois de ser dada como extinta em 1970. Apesar do aumento populacional nos últimos anos, em Portugal é ainda considerada Criticamente em Perigo.
É para ajudar a perceber melhor quais são as causas de morte em Portugal que a equipa tem vindo a colocar emissores nalguns indivíduos, para os poder seguir. É que esses dados são fundamentais para decidir sobre as medidas de conservação da espécie.
Mas as marcações com emissores são sempre “operações com algum risco, pelo que têm que ser muito bem preparadas para que nada falhe”, contou à Wilder Carlos Pacheco, biólogo e técnico no projecto LIFE Imperial.
Um dos cuidados que a equipa teve foi a idade das crias: têm de ser marcadas, de preferência, entre os 50 e os 55 dias de vida. É nessa idade que estão bem desenvolvidas para o emissor ficar ajustado, mas ainda não há risco de saltarem do ninho ao verem o técnico a aproximar-se.
A subida aos ninhos, um dos quais no cimo de uma árvore a 26 metros de altura (equivalente quase a um nono andar), foi feita com material próprio para arborismo e escalada, com “movimentos muito suaves” para não assustar as crias. Esse trabalho foi feito por Carlos Pacheco e por um técnico do Ministério do Meio Ambiente espanhol, entidade parceira do projecto, com o apoio de outros membros da equipa.
Ainda nos ninhos, a vista das crias foi tapada com um caparão (uma espécie de capacete usado nas aves de rapina), pois assim “ficam muito mais tranquilas”. Foram descidas uma a uma num saco de transporte preso a uma roldana.
Cá em baixo, avaliaram o estado de saúde e colocaram-lhes os emissores. As crias foram ainda anilhadas e voltaram então lá para cima, da mesma forma como tinham descido.
Primeiros voos
Nas contas de Carlos Pacheco, as seis crias que foram marcadas com emissores, em meados de Junho, têm agora cerca de 80 dias e estão a dar os primeiros voos. “Geralmente abandonam o ninho nesta idade, mas permanecem nas imediações durante cerca de duas semanas. À medida que vão ficando mais fortes e confiantes, começam a alargar a amplitude de movimentos e a fazer voos cada vez mais altos, longos e distantes.”
Se tudo correr bem, vai ser entre Setembro e Outubro que as águias agora marcadas partirão em busca dos seus próprios territórios, depois de “expulsas” pelos progenitores. Mas apesar de serem já autónomas, é apenas dentro de três a cinco anos que vão começar a reproduzir-se.
Os estudos já feitos com águias-imperiais ibéricas anilhadas indicam que estas podem viver mais de 30 anos, mas em média, vivem entre dez e pouco mais de 20 anos.
Quando são ainda inexperientes, nos primeiros anos de vida, é que morrem mais águias imperiais-ibéricas. Muitas acabam eletrocutadas em linhas eléctricas, especialmente nas de média tensão (desde 2003 registaram-se onze águias-imperiais ibéricas mortas por esta causa).
Outras morrem envenenadas, um acto ilegal mas que “continua a ser uma importante causa de mortalidade da população portuguesa, com vários casos suspeitos e alguns confirmados”, acrescenta o técnico da LPN. A falta de alimento é outra causa importante, devido à diminuição das populações de coelho-bravo, que é a principal presa desta espécie. O coelho-bravo tem sido afectado por uma nova estirpe de febre hemorrágica viral.
Em Portugal, há também indícios de que “está a ocorrer uma mortalidade não natural” elevada, atribuível a acções humanas, entre as águias-imperiais já em idade reprodutora. É para descortinar melhor “o porquê e onde morrem” que o projecto LIFE Imperial prevê também a marcação de aves imaturas (já voam mas ainda não se reproduzem) e de reprodutoras. Em Setembro, Carlos Pacheco e a restante equipa esperam estar a fazer esse trabalho, com a captura de águias para lhes colocarem emissores. E desta forma, saber afinal por onde andam a voar estas aves.