Uma equipa internacional de investigadores, incluindo quatro biólogas da Universidade de Aveiro, realizou com sucesso uma expedição a um dos campos hidrotermais mais inacessíveis da Terra.
A expedição HACON 2021, como foi baptizada, “deu um grande passo na exploração do mar profundo ao amostrar e filmar um dos últimos ambientes verdadeiramente remotos e inacessíveis da Terra, bem abaixo da camada de gelo permanente no Oceano Ártico, a 82,5°N”, explica em comunicado a Universidade de Aveiro (UA), que nota que “esta é a primeira vez que fontes hidrotermais, também conhecidas como vulcões submarinos, foram investigadas com sucesso tão a Norte”.
O projeto HACON desenvolve trabalhos de investigação no campo hidrotermal Aurora – localizado a uma latitude de 82,5°N, dentro do Círculo Polar Ártico – e aí tem vindo a colher rochas, fluídos, sedimentos e fauna para estudos geológicos, geoquímicos, micropaleontológicos, microbianos, de meiofauna e macrofauna para compreender o funcionamento do Oceano Ártico profundo.
O objectivo é recolher informações antes do início previsto da actividade comercial no Ártico, como consequência do recuo da cobertura de gelo, explica a UA. Por exemplo, “a análise das amostras permitirá avaliar se a fauna evoluiu de forma isolada no Oceano Ártico ou se está ligada a outras bacias oceânicas”. Mas não só, pois com os dados obtidos os cientistas vão compreender melhor quando se formou a vida na Terra. Espera-se também que as novas informações conseguidas despertem “um grande interesse na exploração do espaço e na procura de vida extraterrestre no nosso sistema solar.”
Segundo a UA, a expedição HACON 2021 – realizada entre 28 de Setembro e 21 de Outubro – “foi a primeira a explorar e a amostrar em detalhe e com sucesso um ambiente tão único sob o gelo marinho polar permanente, abrindo o caminho para a futura exploração internacional da remota crista de Gakkel”. É nesta crista, localizada a 4.000 metros de profundidade, que se situa o campo hidrotermal Aurora. Considerado “um dos campos hidrotermais mais inacessíveis do planeta”, as fontes hidrotermais que aí estão situadas são chamadas de “fumarolas negras” devido ao líquido escuro superaquecido (acima de 300°C) e “semelhante a fumo” que é emitido por estruturas semelhantes a chaminés.
“Esta expedição mostrou que é possível explorar grandes profundidades de baixo de gelo, e abre as portas para futuras missões utilizando veículos subaquáticos”, aponta Ana Hilário, bióloga marinha e coordenadora da equipa do Centro de Estudo do Ambiente e do Mar (CESAM) da UA, que esteve nesta investigação.
A expedição realizou-se a bordo do navio quebra-gelo RV Kronprins Haakon e foi liderada pelo CAGE/UiT (The Arctic University of Norway) e pelo NIVA (Norwegian Institute for Water Research), reunindo uma equipa de 28 cientistas, engenheiros e especialistas de comunicação de diferentes países.
Respostas para questões antigas
“Em termos científicos esperamos resolver uma série de questões que foram identificadas há já vários anos, mas que por questões técnicas ou tecnológicas não tem sido possível responder”, acrescentou a investigadora portuguesa, citada no comunicado. Por exemplo, lembrou, “umas das grandes questões ecológicas em torno das fontes hidrotermais é se a fauna associada a estes sistemas no Oceano Ártico é única, ou se pelo contrário é semelhante à que existe mais a sul, na crista meso-Atlântica, ou até à de regiões do Oceano Pacífico”.
Para além da resposta a estas perguntas, “os nossos dados vão fornecer conhecimento de base sobre esta região, que talvez seja das menos impactadas por atividades humanas, algo que que provavelmente vai mudar devido à diminuição da cobertura de gelo.”
Na equipa do CESAM, para além de Ana Hilário, estiveram também no Ártico as investigadoras Sofia Ramalho e Lissette Victorero e a aluna de mestrado Carolina Costa.
O campo da fonte hidrotermal Aurora foi detectado pela primeira vez há 20 anos, quando material de rocha hidrotermal foi dragado do fundo oceânico, e permaneceu inexplorado até 2014. Foi nesse ano que se deu primeira confirmação visual de fumarolas negras activas, obtida durante um cruzeiro alemão liderado por uma professora do Alfred Wegener Institute, que se dedica à pesquisa polar e marinha.
A equipa do projeto HACON revisitou este mesmo local cinco anos depois, em 2019, fornecendo imagens adicionais de alta resolução das fontes hidrotermais obtidas com uma máquina capaz de captar imagens e vídeo. Todavia, nessa altura “não se conseguiu amostrar diretamente o local com um ROV (Veículo Operado Remoto) devido aos desafios técnicos de trabalhar sob uma camada de gelo espesso e flutuante”.
Mais de 100 amostras recolhidas
Desta vez, passados dois anos, a história que sai desta nova expedição é diferente: “Apesar da camada de gelo marinho espessa e altamente concentrada, o cruzeiro foi um sucesso em termos de observação e amostragem das fontes hidrotermais”, destaca a universidade portuguesa. “Um dos principais equipamentos usados foi um novo ROV, apropriadamente denominado “Aurora”, fornecido pela REV Ocean.”
O resultado do trabalho, que exigiu “uma coordenação estreita do capitão e dos oficiais do navio, da equipa científica, dos pilotos do ROV e da tripulação”, é o primeiro mapeamento e levantamento visual detalhado do campo hidrotermal Aurora. No total, os investigadores ligados ao projecto colheram mais de 100 amostras visuais, geológicas, geoquímicas e biológicas.
“As amostras colhidas a partir de fluidos de alta temperatura, das rochas das chaminés, dos sedimentos e da fauna serão agora analisadas em laboratórios dos institutos parceiros para um melhor conhecimento da composição e funcionamento destas fontes hidrotermais.” Prevê-se aliás que surjam novas descobertas, aliadas à publicação de novos artigos em revistas científicas, nos próximos anos.
Mais dados para o puzzle das fontes hidrotermais
“Quarenta anos depois da descoberta de fontes hidrotérmicas no oceano profundo, a expedição HACON21 possibilitou pela primeira vez a aquisição de material visual e de amostras físicas de fontes hidrotermais no Oceano Ártico e sob gelo”, sublinha também a UA, que acrescenta que os novos dados “ajudam a completar uma das peças que faltam no puzzle biogeográfico global das fontes”.
Um dos objetivos deste trabalho vai ser utilizar os resultados obtidos para a procura conjunta de soluções para os desafios relacionados com Ecossistemas Marinhos Vulneráveis e Áreas Marinhas Protegidas. O novo conhecimento será fornecido a iniciativas intergovernamentais, como a Conferência da ONU sobre a Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica Marinha em áreas além da jurisdição nacional, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica, e em particular o programa Challenger 150, coordenado em Portugal pelo CESAM da Universidade de Aveiro.
Nesta expedição, além das biólogas do CESAM/Universidade de Aveiro, participaram outros parceiros e colaboradores do projeto HACON ligados à CAGE-Universidade de Tromsø (Noruega), Norwegian Institute for Water Research (Noruega), Universidade de Bergen (Noruega), Institute of Marine Research (Noruega), Woods Hole Oceanographic Institution (USA), Alfred Wegner Institute (Alemanha), NASA-JPL (EUA), Memorial University (Canadá) e Universidade de Southampton (Reino Unido).