O Banco de Gorringe é uma área marinha protegida no Sul de Portugal, 230 quilómetros a sudoeste do Cabo de São Vicente, que não escapa à poluição. Uma equipa internacional liderada por investigadores da Universidade de Aveiro, ajudada por dois veículos operados remotamente, descobriu que as artes de pesca são a principal fonte de lixo.
Os resultados deste estudo – publicado em Junho de 2015 na revista científica Journal of Sea Research – basearam-se na análise de mais de 4800 fotografias e 124 horas de vídeo captadas em Outubro de 2011, junto a dois montes submarinos que se destacam no Banco de Gorringe, o Gettysburge e o Ormonde.
As imagens foram obtidas durante 10 mergulhos efectuados por veículos operados remotamente, o Hercules e o Argus, no âmbito da expedição NA017 da Ocean Exploration Trust. Os dois veículos desceram a profundidades entre os 60 e os 3000 metros.
Nesses mergulhos, descreveram os investigadores, mais de metade dos itens observados eram equipamentos de pesca descartados ou perdidos. Seguiram-se garrafas de vidro, artigos de metal (latas) e plásticos.
Os equipamentos de pesca predominaram até aos 500 metros de profundidade, mas à medida que se descia foram sendo gradualmente substituídos por itens mais pesados, nomeadamente garrafas de vidro e artigos de metal.
De onde vem este lixo?
“A elevada frequência de cabos, linhas e redes observada coloca as actividades de pesca como principal fonte de lixo no banco de Gorringe, sugerindo uma alta pressão por pesca nestes montes submarinos”, alertaram os autores do estudo.
Tal não é surpreendente, tendo em conta a intensa atividade de pesca por palangre em redor e no Banco de Gorringe, como comprovam os dados fornecidos pela Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), analisados pelos investigadores. Em 2010, terão operado no local 31 barcos ao longo de 257 dias, capturando mais de 225 mil quilos de recursos pesqueiros.
Já em 2012, alguns meses depois da captação das imagens que serviram de base a este estudo, a actividade pesqueira no Banco de Gorringe foi praticamente abandonada. Isto estará associado a um menor rendimento da pesca, devido ao aumento do preço do combustível e à diminuição do valor de mercado do peixe desembarcado, indicaram os investigadores.
O lixo encontrado foi mais abundante junto ao cume dos dois montes submarinos. Entre os 125 e 250 metros de profundidade, os cientistas detectaram cerca de quatro itens por quilómetro, quantidade que decresceu para cerca de dois itens por quilómetro a profundidades maiores.
Apesar da densidade de lixo em bancos submarinos ser previsivelmente mais baixa do que em áreas costeiras, os autores do estudo consideraram alta a quantidade observada no Banco de Gorringe, tendo em conta o afastamento desta área marinha em relação à costa.
Uma das explicações que apontam é o Banco situar-se no cruzamento de importantes corredores de tráfego marítimo, o que pode explicar a diversidade e quantidade de itens encontrados.
“O vidro (maioritariamente garrafas) foi encontrado na vizinhança das áreas de pesca sugerindo que terá sido depositado no local”, esclarecem ainda os investigadores.
“A origem dos plásticos é mais difícil de determinar, uma vez que estes materiais podem ser facilmente transportados por longas distâncias a partir de fontes terrestres e marítimas.”
Vivem 862 espécies no Banco de Gorringe
O Banco de Gorringe cobre uma área exclusivamente marinha, com mais de 2.288 milhares de hectares, na qual se destacam os dois montes submarinos Gettysburg e Ormonde, que se elevam desde os 5000 metros até aos 28 metros e 48 metros de profundidade, respectivamente.
É considerado um ecossistema único com elevada produtividade primária e para o qual está registada a presença de 862 espécies, incluindo a tartaruga-comum (Caretta caretta) e o golfinho-roaz (Tursiops truncatus), ambos incluídos no anexo II da Diretiva Habitats. O número de espécies registadas na área foi o resultado de dois anos de trabalho no âmbito da tese de mestrado de Mónica Albuquerque, bióloga da Estrutura de Missão para a extensão da Plataforma Continental.
Esta é, desde Julho de 2015, uma área marinha protegida da Rede Natura 2000.
De acordo com o estudo, neste banco são capturadas mais de 60 espécies, nomeadamente congro, abrótea, cherne e moreia, peixes que vivem associados a fundos rochosos, onde o risco de perda de aparelhos de pesca é maior – o que, de acordo com os investigadores, justifica também os resultados deste trabalho científico.
“Os efeitos das artes de pesca perdidas e/ou descartadas nos ecossistemas bentónicos [situados próximo do fundo do oceano] são directos e imediatos (por exemplo, danificando corais e capturando espécies não-alvo), e persistentes temporalmente (por exemplo, pesca-fantasma)”, alerta Rui Pedro Vieira, do CESAM-Centre for Environmental and Marine Studies, da Universidade de Aveiro, actualmente estudante em doutoramento na Universidade de Southampton, Inglaterra.
“A degradação destes materiais promove a libertação de partículas potencialmente nocivas para o ambiente marinho, nomeadamente microplásticos, que podem ser ingeridos por organismos filtradores (como os corais) ou por pequenos crustáceos, mas também por predadores de topo nas cadeias tróficas ”.
Para minimizar este problema, Rui Pedro Vieira aponta a educação e sensibilização ambiental como principais medidas de mitigação, uma vez que “a deposição de lixo marinho e artes de pesca é difícil de detectar e o transporte passivo destes materiais torna impossível a identificação da origem, dificultando a implementação de outras medidas preventivas”.
As investigações sobre lixo marinho têm recebido uma atenção crescente por parte da comunidade científica. Isto tendo em conta os impactos ecológicos e económicos como os que foram verificados neste estudo.