Na companhia de Albano Soares, a Wilder foi aprender mais sobre o projecto deste especialista em insectos para conhecer todas as abelhas que habitam num parque verde de Lisboa.
Albano Soares estica-se e “varre” por várias vezes, com uma rede de entomólogo, as folhas de hera que cobrem um velho muro junto à Mata de Alvalade, também conhecida por Parque José Gomes Ferreira, em Lisboa. Anda em busca de exemplares de uma espécie de abelha que recolhe néctar e pólen destas plantas trepadoras.
Mas apesar de capturar vários insectos com a rede, nenhuma Colletes hederae se deixa apanhar. É que para saírem para o ar livre, as abelhas preferem mais calor do que aquele que se faz sentir neste dia de Outubro. “Se fosse há 15 dias, encontraríamos um número muito maior”, comenta o entomólogo de 52 anos, ligado ao Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e à Lista Vermelha de Invertebrados.
Ainda assim, ali perto andam outras abelhas mais “aventureiras”. Numa clareira junto à mata, Albano analisa as as minúsculas flores do funcho e de outras plantas que florescem nesta época do ano. Numa flor amarela, abriga-se um pequeno insecto que logo reconhece: “É uma abelha do género Lasioglossum.” Momentos mais tarde encontra outra abelha, esta por identificar, que guarda num pequeno frasco para mais tarde fazer o registo fotográfico.
Desde que em 2018 um problema de saúde o obrigou a ficar alguns meses mais quieto e próximo de casa, Albano começou a percorrer os 11 hectares desta mata da freguesia de Alvalade sempre que podia. O desafio que entretanto tinha abraçado de aumentar o seu conhecimento científico sobre abelhas fez o resto: fotografou até agora mais de 120 espécies diferentes ali encontradas. Destas, até agora identificou 106.
Há cerca de 750 espécies de abelhas em Portugal
“Comecei a interessar-me mais por abelhas há três anos. Entretanto já sabia muitas coisas sobre as Odonata (libélulas e libelinhas), que são pouco mais de 60 espécies em Portugal. Em Lisboa, que não tem jardins com espelhos de água, ver libélulas é uma raridade, são sempre duas ou três espécies.”
Em comparação, as abelhas somam pelo menos 750 espécies diferentes no território português – muitas das mais recentes encontradas graças aos trabalhos da Lista Vermelha de Invertebrados – sinal de que “Portugal é um país com muita diversidade tendo em conta a dimensão”.
Mas provavelmente há muitas mais por encontrar. Uma lacuna que Albano Soares aponta no estudo destes insectos é que o registo científico – não só nas abelhas mas na entomologia em geral – continua muito dependente de especialistas estrangeiros. Por exemplo, muitos exemplares de abelhas têm de ser enviados para outros países europeus para serem devidamente identificados.
É verdade que esses cientistas também vêm a Portugal, mas normalmente nos meses em que se observam mais destes insectos, entre Março e Agosto. “Mas por exemplo, a floração do salgueiro acontece em fins de Janeiro ou Fevereiro”, nota o investigador. “Há espécies de abelhas especialistas nestas flores que provavelmente ainda não são conhecidas no nosso país porque não vêm especialistas a Portugal nesta altura do ano.”
Não às rapagens radicais
E se o desafio para estudar e identificar tantas espécies de abelhas é grande, o tempo investido não lhe fica atrás. “Estou a caminhar para conhecer mais sobre abelhas, mas é muito difícil, é um grupo muito grande, que obriga a uma grande dedicação. Todos os dias é preciso aproveitar algum tempo livre para apanhar novos exemplares e estudar ”, explica o entomólogo.
Aliás, uma das dificuldades é a falta de financiamento para projectos como este, que “vai ajudar a que se tenha uma ideia da diversidade deste grupo” noutros espaços verdes semelhantes. Albano explica que uma centena de espécies de abelhas “não é um número estranho” – mesmo num parque urbano como a Mata de Alvalade, que “não tem uma gestão perfeita para a biodiversidade”.
“É ‘rapado’ radicalmente, não tem diversidade florística, mas mesmo assim conseguimos ter mais de 100 espécies num parque urbano com tudo contra”, sublinha. Neste espaço onde “antigamente havia zonas de cultivo, olivais e montados de sobreiro” – ainda aqui se encontram muitas dessas árvores e também ruínas de construções antigas – não há também espelhos de água.
Apesar de tudo, esta área verde tem uma vantagem, “é que é vizinha de outra muito maior, o Parque da Bela Vista”, ressalva o investigador. “Não nos vamos esquecer de que as abelhas voam.”
Muitas generalistas, mas o resto?
O resultado da falta de diversidade botânica reflecte-se nos insectos desta mata lisboeta, “exemplo que se pode replicar para outros jardins.” “Quase todas as espécies de abelhas que vivem aqui são generalistas no que respeita às plantas onde vão buscar néctar e pólen, ou então espécies que se dedicam a plantas comuns”, nota o investigador. “São poucas as especialistas em plantas mais exigentes.”
Mas há medidas que se podem tomar para aumentar a biodiversidade: “Fazer uma gestão mais correcta a pensar nos polinizadores”, mas também “informar as pessoas sobre a importância desses insectos, criando por exemplo um mini-guia das espécies do local”, sugere.
Nestes dias de Outono, muitas abelhas que andam pela Mata de Alvalade sobrevivem graças ao alimento fornecido pelas flores do funcho e da tágueda (Dittrichia viscosa), plantas resistentes que florescem nesta estação do ano. Por sua vez, “as heras são uma fonte de néctar muito apreciada quando já não há mais nada, até Novembro”.
E é nas flores da hera que Albano encontra uma abelha-do-mel. “Em Portugal, estas abelhas estão por todo o lado”, comenta, lembrando que os cientistas acreditam que terão sido introduzida no país há muitos milhares de anos. Prova disso é que as colónias assilvestradas desta espécie têm pouco sucesso, ao contrário das mais de 100 espécies de abelhas selvagens já identificadas neste espaço verde de Lisboa.
Saber mais.
Curioso sobre as abelhas que habitam na Mata de Alvalade? Aprenda como são 10 das mais de 100 espécies de abelhas que ocorrem neste parque e em muitos outros espaços verdes urbanos.