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um pequeno peixe seguro por uma mão
Caboz da espécie Lipophrys pholis. Foto: MARE ISPA

Há pequenos peixes que guardam os seus ninhos fora da água

19.03.2018

Nos meses de Inverno, e até meados da Primavera, as paredes rochosas das praias portuguesas podem revelar hóspedes surpreendentes. A Wilder falou com Frederico Almada, investigador do MARE-ISPA (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), e ajuda-o a descobrir uma espécie de pequenos peixes machos cuidadores de ninhos.

 

Fazem parte das duas dezenas de espécies de pequenos peixes que vivem na zona entre-marés de praias rochosas, geralmente apelidados como cabozes. Mas há três espécies em particular que têm uma característica curiosa: estão tão bem adaptadas ao ciclo das marés “que conseguem permanecer fora de água durante longos períodos”, explica Frederico Almada.

Com cerca de 11 a 13 centímetros de comprimento – alguns chegam aos 17 centímetros – o Lipophrys pholis, o mais estudado das três espécies, consegue mesmo ficar fora de água durante duas a três horas.

 

um pequeno peixe seguro por uma mão
Caboz da espécie Lipophrys pholis. Foto: MARE ISPA

 

É que este caboz fica de guarda ao ninho onde estão os pequenos ovos que fertilizou, até nascerem as crias. Os ninhos estão confinados a pequenos buracos e cavidades de paredes rochosas verticais da zona entre-marés. Ficam dentro da água quando a maré está cheia e fora da água quando fica maré vaza.

Mas dentro ou fora da água, os pequenos Lipophrys pholis não arredam pé da entrada dos ninhos, cada um no seu, e por isso é possível observá-los “entoucados em cavidades nas paredes rochosas” num passeio pela zona intertidal.

“Nesta altura do ano, ainda é possível observar os machos nos ninhos, mas com muito cuidado para não os perturbarmos. Os juvenis ainda não apareceram nas poças de praias rochosas onde vão viver até serem adultos”, adianta.

“Podem juntar-se várias centenas de ovos por ninho, depositados por mais do que uma fêmea, de acordo com o espaço disponível e com o tamanho do macho.” Este fica em média 21 dias de guarda ao local, pelo que deixa de conseguir alimentar-se até os ovos eclodirem, enquanto a fêmea vai à sua vida.

“No caso dos cabozes, nas costas rochosas portuguesas, é realmente impressionante o peso corporal e o estado físico em que os machos ficam no fim da época de reprodução”, comenta o investigador, que estudou o comportamento do Lipophrys pholis durante vários anos.

 

um Lipophrys pholis dentro de água
Lipophrys pholis. Foto: NUP/Wiki Commons

 

Ao longo de três anos, uma equipa de investigadores do MARE-ISPA, da qual Frederico Almada fez parte, monitorizou 70 ninhos e um total de 211 peixes desta espécie (dos quais 161 eram machos), marcados para os cientistas os poderem identificar, na área do Cabo Raso, concelho de Cascais.

Num artigo publicado pelo Journal of Fish Biology, em Outubro de 2016, concluíram que a maior parte dos machos regressam todos os anos aos mesmos ninhos para nidificar. Isto, quando fora da época de reprodução não costumam ser observados na mesma zona, o que mostra que têm também um sistema de navegação bem desenvolvido.

A equipa considerou também que o mais provável é cada caboz desta espécie reproduzir-se apenas uma vez por ano, devido aos custos de reprodução “extremamente elevados”.

 

Como conseguem sobreviver?

Mas como aguentam ficar fora da água? Por um lado, estes cabozes não se expõem ao sol, tarefa facilitada pela altura do ano em que se reproduzem, desde o início do Inverno até meados da Primavera.

Usam também um pequeno truque: os ninhos que guardam ficam em covas nas rochas onde há humidade, pelo que “aproveitam esse bocadinho de água e esguicham-no com as brânquias, conseguindo respirar desta forma”, indica Frederico Almada.

Em terceiro, como a pele destes peixes não tem escamas, o Lipophrys pholis “consegue realizar algumas trocas gasosas fora de água.”

Além do Lipophrys pholis, também outras duas espécies de cabozes que se encontram na costa portuguesa podem ficar algum tempo fora da água: o Lipophrys trigloides e o Coryphoblennius galerita. Este último é relativamente fácil de identificar porque tem uma crista na cabeça.

 

peixe trigado com pequena crista na cabeça
Caboz da espécie Coryphoblennius galbrita. Foto: Roberto Pillon/Wiki Commons

 

Estas três espécies são conhecidas por pseudo-anfíbios. Mas não se pense que por isso se podem apanhar, pois têm dentes fortes e “são muito ferozes”, alertam os cientistas. Além do mais, estão muito sensíveis na altura da reprodução.

 

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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