Estamos nos jardins do Parque Tejo, junto ao rio, em Lisboa, com Maria Amélia Martins-Loução, bióloga e antiga directora do Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Entre a relva aparada nasceram inúmeras flores do campo. Brancas, amarelas, rosas, laranjas e lilases, rodeadas de abelhas e borboletas. Que flores silvestres da nossa flora podemos ver em relvados urbanos?
O relvado junto ao parque de estacionamento pulsa de vida nesta manhã de Primavera. Entre a relva, as árvores e os arbustos plantados de propósito, sai em conquista deste espaço urbano uma galáxia de plantas mais modestas, as nossas conhecidas “ervas daninhas”.
Dentes-de-leão, trevos-brancos, papoilas e morrião-dos-campos fazem as delícias de abelhas, abelhões azuis e borboletas amarelas e brancas. Na terra, por entre as folhas, aparecem e desaparecem pequenos bichos-de-conta.
Hoje viemos numa expedição botânica à procura das flores do campo que podemos ver nas cidades. São espécies que nascem em prados mas também em baldios, bermas de caminhos ou locais perturbados, entre as pedras da calçada ou nos espaços em redor dos troncos das árvores nos passeios. Quase nem damos por elas, mas são cruciais para a vida selvagem urbana.
O naturalista britânico Richard Mabey escreveu no seu livro Weeds (1996) que “a definição mais simples e conhecida de erva é ‘uma planta no lugar errado’, ou seja, uma planta que cresce onde preferíamos que outras plantas crescessem ou, muitas vezes, nenhuma”. É uma questão de ponto de vista. Para Ralph Waldo Emerson, uma erva é simplesmente “uma planta cujas virtudes ainda não foram descobertas”. Ou que já foram esquecidas.
“É extremamente importante olharmos para o que há nos relvados urbanos”, diz Maria Amélia Loução, enquanto caminha por entre a sombra dos pinheiros e das tílias. Uma zona de trevos-brancos chama-lhe a atenção. “Que maravilha! Todas estas espécies crescem em determinado local dependendo das condições específicas, como a sombra, a luz, o vento ou o pisoteio.”
As espécies silvestres são autênticos barómetros da qualidade do ambiente. “Podemos saber muito de um terreno se observarmos as plantas que lá crescem. E as que conseguem sobreviver em zonas muito perturbadas desenvolveram estratégias fantásticas.” Como as plantas no meio dos caminhos que, geralmente, crescem rente ao chão para evitarem danos maiores por causa do pisoteio.
Maria Amélia Martins-Loução, doutorada em Biologia pela Universidade de Lisboa e professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi directora do Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência entre 2003 e 2009. As plantas fazem parte da sua vida há muito.
A expedição botânica percorre o Parque Tejo, em direcção ao rio. Ao longo dos caminhos crescem trevos com minúsculas flores amarelas e outros com flores brancas, ou o morrião-dos-campos, com as pequenas flores laranja mas que também podem ser azuis. Os dentes-de-leão abundam com as suas flores amarelo vivo.
“Portugal fica numa zona muito rica, um hotspot de biodiversidade, por causa da confluência do clima mediterrânico e do atlântico. Além disso, a Península Ibérica tem redutos que ficaram ainda do período interglaciar.”
A esta hora da manhã, a um dia de semana, o Parque Tejo está vazio, à excepção de um ou outro corredor. À medida que nos aproximamos do rio, o chilrear de pardais, pintassilgos e melros dá lugar aos guinchos das gaivotas.
“Esta também é um espectáculo!”, diz Maria Amélia Loução, baixando-se para observar melhor as flores cor-de-rosa de uma Epilobium hirsutum.
Esta bióloga gostava de ver mais jardins urbanos com flores do campo. “Não há necessidade de estarmos sempre a cortar e a aparar os relvados, ou a aplicar herbicidas. A natureza não é aparada. Deixem ficar as plantas mediterrânicas que estão tão bem adaptadas a este clima.”
“Dar a oportunidade para aparecerem flores silvestres num relvado não quer dizer que este esteja ao abandono.” É só uma forma diferente de fazer as coisas. “Gostava que as pessoas percebessem que estes espaços também são delas. Não estão mal tratados, são apenas selvagens. Tem de haver afinidade e um contacto com a natureza nas cidades”. As flores silvestres são capazes dar uma preciosa ajuda.
[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.
Na nossa pequena expedição botânica encontrámos estas sete espécies. São tão fáceis de descobrir em qualquer relvado urbano que vai querer andar à procura delas.
Além disso, Maria Amélia Loução deixa-lhe uma dica para as suas expedições botânicas. Para identificar as espécies, procure observar pelo menos três coisas: a disposição das folhas junto ao caule (se são desencontradas, opostas ou oposto-cruzadas), o arranjo do cálice e a estrutura da flor: a cor, o número de pétalas, se as pétalas estão soltas ou unidas, a simetria por exemplo.
Dente-de-leão (Crepis capilaris)
Trevo-branco (Trifolium repens)
Trevo-amarelo (Trifolium dubium)
Papoila (Papaver rhoeas)
Rabo-de-lebre (Lagurus ovatus)
Erva-do-garrotilho ou morrião-dos-campos (Anagallis arvenses)
Cardo (Galactites tomentosus)