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Cardo-rolador. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

Passeios botânicos: Descubra as plantas fascinantes das Dunas de Tróia

20.05.2022

Na semana do Dia Internacional do Fascínio das Plantas , Maria Amélia Martins-Loução, presidente da SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia, sugere-nos um passeio por este seu sítio favorito, junto à Serra da Arrábida.

“Da Serra da Arrábida vê-se o mar e, ao fundo, uma língua de areia segue paralela à costa em direcção à Serra, parecendo estar ali para estabelecer os limites do estuário do Sado antes de este se verter no Atlântico”, desenha-nos com palavras Maria Amélia Martins-Loução, professora da SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia, sobre este “outro local paradisíaco” que faz par com outro dos seus sítios favoritos.

Vista geral de Tróia. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

Em viagem pela estrada, quem chega à Península pode deliciar-se com a paisagem: “em direcção ao sul, passados os empreendimentos de Tróia, logo nos primeiros oito a dez quilómetros deparamo-nos com um contínuo sistema de areias, imenso até perder de vista, onde a presença de manchas de vegetação natural e semi-natural constituem os últimos e melhor preservados ecossistemas dunares do litoral ibérico”, descreve a investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde é professora catedrática aposentada.

E há que ter atenção à realidade destes ecossistemas dunares, que têm um importante papel também para os habitantes locais. Tal como explica a presidente da SPECO, “são ecossistemas de transição, verdadeiramente adaptados à dinâmica de um conjunto de processos geomorfológicos, hídricos, eólicos e mesmo biológicos”, que devido à sua “posição de charneira” constroem “uma barreira resistente à acção das ondas e ventos e facilitam a infiltração das águas das chuvas que originam toalhas freáticas (massas de água no subsolo) exploradas pela população.”

Início de duna. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

Quem se decidir a deixar o carro e observar as dunas com mais atenção, aliás, vai perceber que “entre o mar e a estrada, que atravessa de norte a sul toda a Península, podemos encontrar um gradiente de habitats muito bem caracterizados”.

“É interessante ver os montículos de areia empilhados à volta de pequenos caules de feno-das-areias (Elymus fartus) que, teimosamente, saem por entre a areia que os cobre”, descreve. “Mais para dentro surge o estorno (Ammophila arenaria), com as suas moitas mais altas ajudam ao esforço de retenção das areias.”

Outros exemplos de plantas pioneiras:

– a morganheira-da-praia (Euphorbia paralias)

– o narciso-da-areia (Pancratium maritimum), “com uma raiz tão profunda capaz de ir buscar água à toalha freática, que surgem isoladas ainda na ante-duna mas que permitem a reunião de alguns montículos incipientes”

– o cardo rolador (Eryngium maritimum) que, “tal como o nome indica, para além de afastar os animais para evitar de ser comido, as suas sementes rolam facilmente pela areia aumentando assim a sua dispersão”

Como é que este sistema se forma? Tal como indica esta especialista, “as condições do meio são muito pouco favoráveis ao estabelecimento de plantas”, pois “a areia e a alta salinidade carreadas pelo vento funcionam como abrasivo pouco propício à vida”.

“Daí a importância das espécies pioneiras geralmente gramíneas halófitas (que sobrevivem mesmo em concentrações elevadas de sais) que possuem um rápido ciclo de vida. É o caso do feno-das-areias e do estorno, que com os seus estolhos dão início à acumulação da areia.”

Formação de duna. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

“Ao longo do seu crescimento, a duna vai acumulando matéria orgânica, nutrientes e humidade que permitem sustentar formas vegetais mais exigentes, arbustivas e arbóreas”, indica também a professora.

E se olharmos com atenção, podemos reparar que “na zona da estrada a duna fixa é constituída por um solo arenoso mais escuro – com matéria orgânica – sustentado por uma complexa fisionomia vegetal que combina formas rasteiras, arbustivas e arbóreas”.

“Neste ambiente agreste, as estratégias de sobrevivência das plantas passam também por uma forte adaptação evolutiva ao ambiente inóspito de forte exposição, falta de água e excesso de salmoura, onde insectos, répteis e aves podem ser parceiros e facilitadores de reprodução e dispersão, recebendo em troca, alimento, humidade e esconderijo”, nota Maria Amélia Martins-Loução.

Duna embrionária. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

“A leitura deste espaço natural, e a compreensão da sua resiliência, deviam servir para nos levar a respeitar e a preservar o sistema, impedindo a sua destruição. Já pensaram no bem que estas inúmeras espécies nos fazem ao protegerem-nos de ser chicoteados por partículas de areia?”


Ao longo desta semana em que se celebrou o Dia Internacional do Fascínio das Plantas, a Wilder ofereceu-lhe várias sugestões de locais de interesse botânico em Portugal. Conheça a Serra do Gerês, a Duna de Montalvo, na zona entre Alcácer do Sal e a Comporta, a Serra da Arrábida, e as encostas de Arruda dos Pisões, em Rio Maior.

Se quiser descobrir ainda mais locais botânicos fascinantes, consulte a obra “Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental” (Volume I e Volume II), da Sociedade Portuguesa de Botânica, disponível de forma gratuita através da editora Imprensa Nacional. E aproveite e conheça toda a Coleção Botânica em Português, de acesso gratuito.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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