Carine Azevedo dá-nos a conhecer esta “árvore de muitos nomes”, outra comum e que hoje em dia é cada vez mais rara, cuja protecção é tão importante.
O ulmeiro (Ulmus minor) é uma das mais belas e mais imponentes árvores de sombra da flora nativa.
Apesar de já ter sido muito comum nas nossas florestas, a sua área de distribuição natural em Portugal, bem como em todo o Hemisfério Norte, tem vindo a reduzir-se significativamente devido a uma doença conhecida como grafiose.
Capaz de atingir dimensões majestosas, o ulmeiro tem extrema importância como espécie ornamental e é também uma fornecedora de madeira de elevada qualidade.
A família Ulmaceae
O ulmeiro (Ulmus minor) é a única espécie nativa da família Ulmaceae que ocorre em Portugal continental, não havendo qualquer registo da presença natural desta ou de outras espécies da família nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
A família Ulmaceae compreende cerca de 60 espécies, distribuídas por sete géneros botânicos.
Muitas das espécies pertencentes a esta família são altamente valorizadas como ornamentais e são comuns em jardins e parques em Portugal, como por exemplo a zelkova-japonesa (Zelkova serrata), o ulmeiro-do-Cáucaso (Zelkova carpinifolia) e o Olmo-da-montanha (Ulmus glabra), mais em particular a variedade ‘pendula’ – ulmeiro-pendula (Ulmus glabra ‘pendula’).
Estas espécies são reconhecidas como árvores de paisagem. A sua casca e folhagem, com características únicas que as diferenciam de outras árvores, bem como o porte e contorno incomum, conferem-lhes um valor estético e uma beleza únicos.
Outras espécies desta família são reconhecidas como importantes produtoras de madeira de elevada qualidade:
– ulmeiro-inglês (Ulmus minor subsp. minor, anteriormente classificado como Ulmus procera), de madeira forte e durável e resistente à água;
– olmo-de-água (Planera aquatica), de madeira perfumada conhecida como false sandalwood (em português, falso sândalo).
Algumas espécies, como o “thorn-elm” (Hemiptelea davidii), em português olmo-espinhoso, o “indian elm” ou olmo-indiano (Holoptelea integrifolia) e o “Kekélé” (Holoptelea grandis) são reconhecidas localmente, nos habitats naturais, como importantes plantas medicinais.
O ulmeiro
O ulmeiro, também vulgarmente conhecido como olmo, negrilho, lamegueiro, mosqueiro, ulmeiro-das-folhas-lisas ou ulmo, é uma árvore elegante, caducifólia, que pode atingir até 30 metros de altura.
É uma espécie de crescimento rápido e de grande longevidade, que antes da chegada da grafiose podia facilmente viver até aos 600 anos de idade.
É uma árvore de copa muito variável, frequentemente oval ou arredondada ou, por vezes, algo irregular. O tronco é grosso, direito, um pouco sinuoso e escavado nas árvores mais velhas. Os raminhos mais jovens possuem uma casca lisa e cinza-clara, que se torna mais escura, áspera e gretada, às vezes suberosa (cortiça), com a idade.
As folhas são simples, caducas, alternas e ovais. São assimétricas na base, acuminadas na ponta e são curtamente pecioladas. Possuem um tom verde intenso, não têm pêlos, mas são ásperas ao toque, e duplamente dentadas ou serrilhadas na margem. A página inferior é mais clara e pubescente, onde também são bem visíveis as nervuras.
O ulmeiro é uma espécie monóica – as flores masculinas e femininas surgem na mesma planta, agrupadas em inflorescências densas. As flores são muito pequenas e discretas, surgem antes das folhas, no final do outono e no início da primavera. São bissexuais, esverdeadas ou vermelho-escuras e quase não possuem pedicelo.
Os frutos formam-se a amadurecem ainda na primavera, antes do surgimento das primeiras folhas. Surgem reunidos em grupos e parecem pequenas folhinhas. São secos, indeiscentes e monospérmicos e conhecidos como sâmaras.
As sâmaras são aladas, achatadas e orbiculares, com uma extensão membranosa em forma de asa, com cerca de sete a 20 milímetros de comprimento, inicialmente de cor verde-clara, por vezes rosada ou avermelhada ao centro, que na maturação se torna bege e transparente, e que circunda a semente que se localiza no terço superior do fruto. A semente também é achatada.
O ulmeiro emite, frequentemente, rebentos de raiz que podem ser transplantados.
Origem e ecologia
O nome do género Ulmus corresponde à designação latina dada pelos romanos às árvores do género e que possivelmente deriva do celta elm ou ulm = olmo.
O epíteto latino minor significa “menor”, em referência ao facto desta ser a espécie de Ulmus que apresenta as folhas de tamanho mais reduzido, comparativamente às suas congéneres europeias.
Esta árvore é uma espécie nativa da Europa, do oeste da Ásia e do noroeste de África.
Não é consensual que se trate de uma espécie autóctone em Portugal Continental, havendo alguns autores que defendem que é um arqueófito, introduzido na proto-história. No entanto, para muitos outros autores, esta é, sem dúvida, uma espécie nativa, que ocorre de forma natural um pouco por todo o território continental, sendo mais predominante a norte do Tejo.
É uma espécie de luz, que também se pode desenvolver em ambientes de meia-sombra. É bastante exigente em água, sendo comum próximo da margem de cursos de água, em locais frescos, solos húmidos e profundos, preferencialmente ricos em nutrientes, muitas vezes em associação com salgueiros, choupos e freixos.
Por outro lado, é uma árvore tolerante à poluição atmosférica, tolera todo o tipo de solos, adaptando-se bem, até em solos pobres, e é relativamente resistente ao frio e ao calor.
O ulmeiro constitui um recurso ecológico muito importante, já que atrai inúmeros insectos, especialmente lepidópteros, que dele se alimentam, como é o caso das larvas e lagartas jovens de “Lesser-spotted Pinion” (Cosmia affinis), de “Clouded Magpie” (Abraxas sylvata) e de “Light Brocade” (Lacanobia w-latinum), entre outras. Existem mais de 80 espécies de insetos associadas a esta árvore.
É também a árvore eleita pelas cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) para a construção de ninhos.
A polinização desta espécie é anemófila, ou seja, o pólen é transportado pelo vento e é auto-incompatível – incapaz de se autofecundar, logo tem de ocorrer uma polinização cruzada para que ocorra a fecundação. A dispersão das sementes também é feita pelo vento.
Madeira à prova de água e resistente ao apodrecimento
O ulmeiro é utilizado, desde o tempo dos romanos, como ornamental e como árvore de sombra, sendo comum ao longo de estradas, em parques e jardins urbanos. Estas árvores são também uma boa alternativa como “corta-ventos” ou como separadores de terrenos, em zonas rurais.
A madeira é de boa qualidade. Tem uma coloração clara e avermelhada, é fácil de trabalhar. É bastante resistente à deterioração da água, sendo por isso muito comum a sua utilização no fabrico de peças que tenham de estar submersas. É usada em carpintaria, marcenaria, construção naval, utensílios de cozinha, pavimentos e indústria.
As folhas jovens podem ser consumidas frescas ou cozinhadas como hortaliças, tanto em sopas como em saladas, ou usadas para chá. Os frutos, de sabor agradável e fresco, podem ser consumidos logo após a sua formação. Da casca pode obter-se farinha.
No passado as suas folhas serviram de alimento ao gado suíno e bovino, sobretudo na época de escassez de pasto ou na forma de forragem para o inverno.
Registos etnobotânicos apontam algumas virtudes e usos na medicina tradicional desta espécie.
A casca é rica em taninos e possui propriedades adstringentes e sudoríferas, e terá sido empregue no tratamento de solturas crónicas e inflamações intestinais e sob a forma de pomadas para lavagem e tratamento de feridas e ulcerações cutâneas e das mucosas.
O ulmeiro e a grafiose
Embora o ulmeiro seja tolerante a condições ambientais desfavoráveis, é uma árvore sensível a uma série de doenças causadas por vários agentes patogénicos.
A grafiose, também conhecida como Doença Holandesa do Ulmeiro (DED – Dutch Elm Disease, em inglês), por ter sido primeiramente detectada na Holanda, é uma dessas doenças, que tem afectado drasticamente as populações naturais, impedindo o seu cultivo, ameaçando esta e outras espécies do género de uma possível extinção.
Esta doença é provocada por fungos (Ophiostoma ulmi ou Ceratocystis ulmi) que são transportados por insetos escolitídeos, nomeadamente, larvas de escaravelhos do género Scolytus spp. (ex.: o “European elm bark beetle” (Scolytus multistriatus) e o “Large Elm Bark Beetle” (Scolytus scolytus)) que se alimentam da madeira destas árvores. O fungo desenvolve-se e coloniza os vasos xilémicos destas plantas, dificultando a ascensão da água e de sais minerais (seiva bruta), acabando por bloqueá-los na sua totalidade.
Quando completam o seu desenvolvimento, os insectos deslocam-se para outros ulmeiros, transportando consigo os esporos destes fungos que irão provocar novos ataques e afetar novas árvores.
Esta doença foi descrita pela primeira vez em 1919, e ao longo do século passado matou milhões destas árvores um pouco por todo o mundo.
Nos anos 20 do século passado, logo após a identificação da doença, iniciaram-se alguns programas de conservação do ulmeiro, quer na Europa como na América do Norte, de forma a preservar a maior variedade possível de ulmeiros nativos e obter indivíduos tolerantes e mais resistentes à doença.
A poesia e o ulmeiro
O ulmeiro é sem dúvidas uma árvore com significado no nosso país, marcou muitas gerações e inspirou muitos escritores. O poeta Miguel Torga, no seu poema “A um negrilho”, homenageou um antigo ulmeiro que existia em São Martinho de Anta, terra onde nasceu:
A um negrilho
Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
in « Antologia Poética », 5a ed., Dom Quixote, 1999.
O “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental” também fez a ligação entre Torga e o ulmeiro.”
O Nobel da literatura, José Saramago, faz, igualmente, referência a esta árvore no seu livro “A jangada de Pedra”, de 1986.
“Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar, lançando em pânico e terror os habitantes …”
[…] “Sabia que a vara era de negrilho, Eu de árvores conheço pouco, disseram-me depois que negrilho é o mesmo que ulmeiro, sendo ulmeiro o mesmo que olmo, nenhum deles com poderes sobrenaturais, mesmo variando os nomes, mas, para o caso, estou que um pau de fósforo teria causado o mesmo efeito,”…
Esta árvore de muitos nomes, outrora comum e que hoje em dia vai rareando, merece toda a nossa atenção e proteção, para que não acabe como uma memória em livros de ficção.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Caducifólia – espécie cuja folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.
Suberosa – que parece o súber – cortiça.
Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.
Peciolada – provida de pecíolo.
Dentada – folha provida de dentes mais ou menos perpendiculares à linha da margem.
Serrilhada – a margem da folha é serrada, com dentes muito pequenos.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Bissexual – hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Pedicelo – “pé” que sustenta a flor.
Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.
Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.
Sâmara – fruto seco, indeiscente e monospérmico, semelhante ao aquénio, mas com asa membranosa, alada.
Alada – apresenta uma estrutura específica – asa – que auxilia a dispersão pelo vento.
Orbicular – com formato ou contorno circular ou quase.
Autóctone – diz-se do taxon originário de uma determinada zona = espontâneo, indígena, nativo.
Taxon (no plural taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).
Arqueófito – espécie exótica cuja sua presença num determinado território depende da ação do homem, e que terá “chegado” em tempos remotos, pelo menos antes do ano 1500.
Proto-História – período intermédio, do desenvolvimento da humanidade, entre a Pré-História e a História.
Polinização anemófila – realizada pelo vento.
Auto-incompatível – incapaz de se autofecundar.
Polinização cruzada – fecundação de uma flor pelo pólen de outro indivíduo da mesma espécie ou de espécie diferente.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.