Chegou o verão, a estação do ano mais quente e com os dias mais longos. O Solstício de Verão marca a mudança de estação e o dia em que o Sol atinge a sua posição mais alta no céu, sendo portanto o dia com o maior período de luz, num total de 14 horas, 53 minutos e oito segundos de luz solar.
A maioria das plantas anuais plantadas na primavera está em plena floração e as plantas perenes continuam a crescer. A exuberância e a beleza das cores das flores continuam a brindar-nos todos os dias, assim como as demais características únicas de cada uma das espécies.
No meu primeiro passeio de verão já encontrei a urze-roxa (Erica cinerea) em flor, que assim se irá manter até ao final da estação.
A urze-roxa
A urze-roxa, também conhecida como negrela, carrasco e queiró, é um pequeno arbusto que raramente excede os 60 centímetros de altura. Pertence à família Ericaceae, que inclui inúmeras espécies arbustivas e pequenas árvores bem conhecidas, como o medronheiro, a torga, a urze-branca, entre outras. Em Portugal, esta família é representada por oito géneros, alguns dos quais com apenas uma espécie nativa no território nacional.
É uma planta perene, que forma pequenos arbustos rústicos, com caules jovens herbáceos e avermelhados que se tornam lenhosos e acastanhados com a idade. A casca é revestida de pelos, cuja cor clara lhe confere um aspeto acinzentado.
As folhas são finas, inteiras, semelhantes a agulhas com um comprimento de 4 a 8 milímetros e dispostas em espirais de três. Têm cor verde ou verde-glauca e pecíolos curtos.
A floração da urze-roxa inicia-se no final da primavera e mantém-se durante praticamente todo o verão. As flores são pequenas, têm uma textura seca e surgem solitárias ou em grupos de duas a três, reunidas na extremidade dos ramos.
A corola é persistente, simpétala e tem formato campanulado, de cor rosada, roxa a avermelhada, raramente branca. O cálice é glabro, com quatro sépalas livres, lanceoladas, de cor esverdeada ou ligeiramente púrpura-esverdeada, de aspeto semelhante às folhas.
O fruto é uma cápsula subglobosa, nua, com cerca de 2 mm de diâmetro que atinge a sua maturação entre o final do verão e o outono. As sementes são ovóides e muito pequenas.
A designação científica desta espécie é parcialmente comum a outras espécies do mesmo género. O termo Erica deriva do grego Ereíko, significa “charneca”, associado ao habitat característico da vegetação xerófila – terrenos áridos e pedregosos onde é comum encontrar espécies do género Erica. O restritivo específico cinerea, do latim cinereus, significa “cinza” ou “coberto de cinza”, pelo facto dos seus pequenos caules estarem cobertos por um indumento de pelos curtos que lhes dão um aspeto acinzentado.
Espécie nativa
A urze-roxa é uma espécie nativa do Norte, Centro e Sul da Europa e em Portugal Continental está presente um pouco por todo o território, sendo mais dominante no Litoral Norte e Centro e rara na região do Algarve. Também pode ser visto no Arquipélago da Madeira, região onde foi introduzida, mas é inexistente nos Açores.
O seu habitat preferencial passa por locais de clima temperado, exposição solar plena e solos bem drenados, relativamente secos, ácidos e pobres em nutrientes.
Surge habitualmente em associação com outras comunidades vegetais, tais como estevas, rosmaninhos, carquejas, entre outras, em matagais, ou no sob coberto e orla de pinhais, carvalhais e carrascais. Também pode encontrar-se em zonas de dunas costeiras.
Do ponto de vista ecológico é uma espécie que beneficia com a passagem do fogo e também consegue desenvolver-se em zonas de floresta degradada, ou em solos degradados e empobrecidos por práticas de pastoreio e agricultura intensivos, onde o desenvolvimento de outras espécies está comprometido.
É um excelente bioindicador de solos ácidos e é bastante tolerante à seca.
Resistente e pouco exigente
A urze-roxa é uma planta muito procurada como ornamental, por ser um arbusto perene, muito resistente e pouco exigente e que cria um tapete colorido de folhagem verde escura que fica profusamente coberto de flores durante um longo período de tempo. Ideal para jardins de pedra, revestimento de taludes e encostas, bordaduras, canteiros ou simplesmente em vasos e floreiras. Hoje em dia, já são inúmeros os cultivares, com uma ampla gama de cores das flores.
É uma planta rica em néctar e pólen, sendo muito atrativa para os polinizadores, sobretudo as abelhas. O mel de urze possui um sabor adstringente e marcante.
Segundo alguns estudos etnobotânicos, a urze-roxa, como outras plantas do género Erica, é usada na medicina popular como diurética, antisséptica, antirreumática, antibacteriana e adstringente. É útil no tratamento de inflamações da bexiga e no tratamento de diarreia. No uso externo pode atenuar inflamações da pele e da mucosa oral, acredita-se que seja capaz de promover a cicatrização de feridas.
Antigamente, era comum a utilização da urze-roxa para fazer a cama dos animais, para o fabrico de vassouras, palha para encher colchões, cobrir telhados e para queima como combustível.
O género Erica
O género Erica engloba as espécies vulgarmente conhecidas como urzes, arbustos ou pequenas árvores, bastante resistentes às adversidades, de folhagem fina e flores pequenas e abundantes.
É composto por mais de 800 espécies, das quais 14 estão presentes em Portugal, que se distribuem um pouco por todo o território, desde as dunas do litoral a regiões de maior altitude.
É importante ter em atenção que o mesmo nome comum pode corresponder a espécies diferentes, por isso é fundamental conhecer a sua designação científica, uma vez que é exclusiva de cada uma das espécies.
As principais características que permitem distinguir as diferentes espécies de Erica são sobretudo a altura que podem atingir, o tamanho e tom mais ou menos rosado das flores, algumas brancas e ainda a época de floração. No entanto, para garantir uma identificação exata é aconselhável o uso do método científico.
As espécies mais comuns e frequentes no território continental são:
– A urze-branca (E. arborea), também conhecida vulgarmente como urze-arbórea, betouro, queiroga, torga ou urze-molar. Possui flores brancas, que florescem entre fevereiro e julho;
– A urze-vermelha, chamiça, torga-vermelha ou urgueira (E. australis subsp. australis), que tem flores em tons de rosa forte a avermelhado, que ocorrem entre janeiro e maio;
– A queiró, queiroga ou torga (E. umbellata), vulgar em todo o país e com flores rosadas que ocorrem entre fevereiro e julho;
– A urze-das-vassouras (E. scoparia subsp. scoparia) que floresce entre abril e junho e tem uma distribuição mais acentuada na faixa litoral centro e sul;
– Já a Erica andevalensis é uma espécie endémica da Península Ibérica, com uma área de distribuição muito restrita em Portugal, confinada à região do Baixo Alentejo. Possui flores rosa que florescem nos meses de junho a novembro. Segunda a União Internacional para a Conservação da Natureza, esta espécie está na categoria de espécie “Vulnerável” em Portugal Continental;
– A lameirinha (E. ciliaris), conhecida como carapaça, cordões-de-freira ou urze-carapaça, possui flores rosadas que surgem entre maio e novembro e é mais comum na faixa litoral norte e centro do país;
– Por sua vez, a Erica erigena é uma espécie mais rara, de distribuição fragmentada principalmente ao longo do litoral centro e sul. Floresce nos meses de janeiro a abril e as flores são rosadas a brancas;
– A quiroga (E. lusitanica), também conhecida como urze-branca, urze-de-Portugal ou urze-lusitana, também é rara, sendo mais comum no centro e sul do país. É muitas vezes confundida com a E. arborea, no entanto, o facto de florescer mais cedo, possuir uma corola maior e de ser mais frequente em habitats húmidos pode ajudar a distinguir as duas espécies, embora seja necessário analisar outros detalhes;
– A margariça ou urze-peluda (E. tetralix) floresce de maio a novembro e também é bastante rara, estando mais restrita ao norte centro do país.
No arquipélago dos Açores existe apenas uma espécie do género, vulgarmente conhecida como urze ou vassoura (E. azorica). É uma espécie endémica do arquipélago e está presente em todas as ilhas, sendo frequente em falésias costeiras, em encostas e em bosques. Floresce de abril a junho.
Esta espécie encontra-se protegida pelo Anexo II da Diretiva Habitats (Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992), relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. As espécies constantes neste anexo apresentam-se como de interesse comunitário, cuja conservação requer a designação de zonas especiais de conservação.
Por sua vez, no Arquipélago da Madeira, além da urze-roxa (E. cinerea), espécie introduzida, existem três outras espécies, duas das quais endémicas deste arquipélago. A Erica maderensis que floresce entre maio e setembro e a Erica platycodon subsp. maderincola, cuja floração ocorre de abril a junho. A outra espécie nativa da região é a urze-branca (E. arborea).
O desafio será procurar estas espécies na natureza, mas agora é a urze-roxa (E. cinerea) que se encontra em floração exuberante. Explore e admire a sua beleza natural e não se esqueça: sem a colher e sem a cortar, preservando-a.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Simpétala – Corola cujas pétalas se encontram unidas (“soldadas”) entre si.
Lanceolada – Folha com forma de lança.
Xerófila – Planta adaptada aos climas secos, a períodos de seca mais ou menos prolongada. Que consegue viver com pequenas quantidades de águas.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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