Carine Azevedo apresenta-nos duas bonitas plantas da família Caryophyllaceae que podemos encontrar em flor nestes dias mais quentes. Estão ambas ligadas a um famoso botânico português.
A cravina-brava (Dianthus lusitanus), também conhecida como craveiro-de-Portugal, cravo-rosado ou cravo-de-maio é uma espécie nativa portuguesa. Foi descrita pela primeira vez em 1805 pelo ilustre botânico e médico português Félix de Avelar Brotero (1744-1828).
Brotero foi responsável pela descrição de inúmeras espécies de plantas, tendo elaborado a primeira flora portuguesa – Flora lusitanica, escrita em latim e publicada em 1804. Tem até uma Dianthus com o seu nome, uma homenagem feita por dois botânicos admiradores da sua obra.
Caryophyllaceae
A cravina-brava é uma espécie da família Caryophyllaceae, conhecida geralmente como a família dos cravos, a que pertencem inúmeras plantas ornamentais de jardim, plantas para flor de corte e plantas silvestres, na sua maioria herbáceas anuais e perenes.
Esta família tem uma distribuição cosmopolita, embora seja mais comum nas regiões quentes e temperadas do hemisfério Norte, sendo mais dominante na região do Mediterrâneo.
A família Caryophyllaceae é constituída por 101 géneros botânicos e mais de 3000 espécies, algumas bem conhecidas, como a gipsofila (Gypsophila paniculata), muito utilizada em arranjos florais, o cravo-vermelho (Dianthus caryophyllus), símbolo do 25 de Abril, a neve-no-verão (Cerastium tomentosum), planta rasteira, ideal para cobertura de solo e o cravo-do-poeta (Dianthus barbatus), de flores pequenas e perfumadas, com uma ampla gama de cores do branco ao vermelho, muitas vezes em combinações bicolores.
O género Silene é mais representativo da família, com cerca de 900 espécies, no entanto, o género Dianthus, a que pertence a cravina-brava, é o mais valorizado economicamente, por a ele pertencerem inúmeras espécies de grande relevo ornamental, comumente cultivadas em jardins e outros espaços verdes, e para flor de corte e até para uso em perfumaria.
Em Portugal, a família Caryophyllaceae está representada por aproximadamente 150 taxa, distribuídos por 31 géneros botânicos.
Destes taxa, onze são endemismos portugueses, ou seja, exclusivos no nosso país, não existindo em qualquer outra parte do mundo:
Caryophyllaceae em Portugal:
– Silene longicilia
– Herniaria marítima
– Dianthus laricifolius subsp. marizii
– Dianthus cintranus subsp. cintranus
– Silene rothmaleri
– Herniaria algarvica
– Herniaria lusitanica subsp. berlengiana
– Silene cintrana
– Silene foetida subsp. foetida
– Arenaria querioides subsp. fontqueri
– Dianthus cintranussubsp. barbatus
Além dos endemismos portugueses, são inúmera os taxa desta família que constam da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e que, segundo as categorias da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza – que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional – são classificados como:
Vulnerável
– Dianthus cintranussubsp. barbatus
– Silene legionensis
– Bufonia macropetala subsp. willkommiana
– Dianthus laricifolius subsp. caespitosifolius
– Silene muscipula
– Gypsophila vaccaria
– Silene mellifera
Criticamente em Perigo
– Silene conica subsp. conica
– Scleranthus perennis
– Spergularia fimbriata (potencialmente Regionalmente Extinta)
Em Perigo
– Dianthus cintranus subsp. cintranus
– Herniaria algarvica
– Herniaria lusitanica subsp. berlengiana
– Silene foetida subsp. foetida
– Silene boryi var. duriensis
– Silene ciliata
– Sagina saginoides
– Lychnis flos-cuculi subsp. flos-cuculi
– Spergularia tangerina
Regionalmente extinta
– Rhodalsine geniculata
Oito destes taxa encontram-se também listados no Anexo II e Anexo IV da Directiva Habitats 92/43/CEE:
– Silene longicilia
– Herniaria marítima
– Dianthus laricifolius subsp. marizii
– Dianthus cintranus subsp. cintranus
– Silene rothmaleri
– Herniaria algarvica
– Herniaria lusitanica subsp. berlengiana
– Silene cintrana
Cravina-brava
A cravina-brava é uma planta herbácea, perene e cespitosa, ou seja, forma tufos densos de caules erectos, finos e lenhosos, e que podem crescer até 45 centímetros de altura. Ao longo dos caules formam-se nós espessos, de onde partem as folhas.
As folhas são ligeiramente carnudas, lineares, estreitas e não apresentam nervuras aparentes. São habitualmente glaucas, mucronadas, com margem inteira ou apenas serrilhada na base.
Esta planta floresce de maio a setembro, sendo a floração mais efusiva entre o final de maio e meados de julho.
As flores são hermafroditas, actinomórficas e surgem solitárias ou aos pares, na extremidade dos caules. Cada haste floral pode ter entre uma a oito flores. O cálice é muito atenuado no extremo superior e a corola possui aproximadamente dois centímetros de diâmetro e é pentâmera, ou seja, é composta por cinco pétalas intensamente rosadas, com pêlos na fauce e profundamente dentadas e com unha muito grande.
O fruto é uma cápsula deiscente, que no interior armazena inúmeras sementes oblongas ou ovais e apiculadas.
Da antiga Lusitânia
O nome do género Dianthus deriva da combinação de dois termos gregos: Dios– (deus, divino) e –anthos (flor) e significa “flor dos Deuses”, em homenagem à beleza e ao aroma das flores de algumas espécies do género.
O restritivo específico lusitanus é alusivo à antiga Lusitânia, província romana no oeste da Península Ibérica que ocupava a maior parte do atual Portugal, a sul do Douro e uma parte de Espanha, a região da Extremadura e a província de Salamanca.
O Dianthus lusitanus é um endemismo Ibero-Norte Africano. Na Península Ibérica é mais abundante na região Oeste, e em África ocorre em Marrocos e na Argélia.
Em Portugal, de todas as espécies nativas do género Dianthus, a cravina-brava é a que tem uma área de distribuição mais extensa. Ocorre um pouco por todo o território continental, embora seja mais comum nas regiões do interior, desde Trás-os-Montes até ao Alentejo, existindo alguns focos também na região do Douro Litoral e Minho.
Esta é uma planta que se desenvolve em habitats rupícolas, sendo muito comum em afloramentos rochosos graníticos e encostas xistosas, e por isso é frequente em zonas de montanha.
A cravina-brava é uma espécie muito resistente, com preferência por locais de exposição solar plena, terrenos ácidos, rochosos, pedregosos e áridos, podendo crescer em fendas de rochedos, escarpas, e depósitos ribeirinhos de cascalho.
A floração abundante da cravina-brava, torna-a numa alternativa ornamental bastante vistosa. É fácil de manter, é muito resistente e duradoura. É uma planta ideal para ser plantada em jardins rochosos e em terrenos cujos solos são ácidos e também pode ser utilizada para preencher a bordadura de canteiros ou simplesmente em vasos e floreiras.
Não são conhecidas outras utilizações desta planta, no entanto existem registos de que no passado os seus caules eram usados para fazer vassouras.
A cravina-brava é conhecida por atrair vida selvagem. Estas plantas são usadas como fonte alimentícia de larvas de algumas espécies de traças e borboletas, incluindo a borboleta-das-couves (Pieris brassicae), a “cankerworm” (Gymnoscelis rufifasciata), a Coleophora agenjoi e inúmeras espécies do género Hadena.
As suas flores são polinizadas por abelhas, borboletas e traças.
A cravina-brava é uma planta auto-fértil, ou seja, as suas flores produzem sementes como resultado da polinização pelo pólen da mesma flor ou de flores do mesmo indivíduo.
Um Dianthus de homenagem a Brotero
E se, em 1804, Félix de Avelar Brotero foi responsável pela primeira descrição do Dianthus lusitanus Brot., em 1852 foi a vez de Pierre Edmond Boissier (1810-1885) e George François Reuter (1805-1872), dois botânicos ilustres, nomearem uma espécie do mesmo género em sua homenagem – a Dianthus broteri Boiss. & Reut.
A Dianthus broteri é vulgarmente conhecida como cravinho-bravo e é morfologicamente muito semelhante ao Dianthus lusitanus.
É uma planta vivaz, cespitosa, de caules múltiplos que pode crescer até cerca de 50 centímetros de altura.
Possui folhas de comprimento variável, lineares, pontiagudas, ligeiramente rígidas, mais ou menos glaucas, com as nervuras centrais e marginais espessadas.
Esta planta floresce com maior intensidade, entre abril e agosto, podendo, no entanto, florir também no outono, entre outubro e dezembro.
As flores são grandes, com cerca de três centímetros de diâmetro, salvo raras exceções. São subsolitárias e surgem na extremidade dos caules. Cada haste floral pode ter entre uma a cinco flores, raramente até dez flores.
O cálice é muito atenuado na extremidade superior, embora um pouco ventrudo no interior. A corola é composta por cinco pétalas rosadas ou brancas, com ou sem máculas, com pêlos na fauce, profundamente dentadas e com unha grande.
Esta espécie distingue-se de outras espécies pelas pétalas, geralmente mais claras, quase brancas a rosadas e profundamente laciniadas (franjadas), daí serem conhecidas em Espanha como “clavelinas de pluma”.
O fruto é uma cápsula coroada por quatro dentes e deiscente. As sementes são compridas, apiculadas, com hilo central.
A Dianthus broteri é um endemismo Ibérico, que ocorre no sul de Espanha e nas regiões centro e sul de Portugal, mais próximo do litoral.
Esta planta cresce em dunas e em clareiras de matos xerofílicos, em locais pedregosos e secos, sobre calcários ou areias.
O Dianthus lusitanus e o Dianthus broteri são só dois dos onze taxa nativos deste género que ocorrem em Portugal Continental. Mas todos têm uma beleza particular que vale a pena descobrir.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.
Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Cespitosa – Planta que forma tufos densos de caules erectos que ocorrem muito juntos.
Linear – folha estreita e comprida (comprimento é 6 a 12 vezes mais do que a largura), com margens quase paralelas.
Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.
Mucronada – ápice da folha terminando numa ponta curta, por vezes aguda e rígida.
Serrilhada – a margem da folha é serrada, com dentes muito pequenos.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.
Cálice – conjunto das sépalas (peças florais geralmente verdes), que protegem externamente a flor.
Corola – conjunto das pétalas (peças florais geralmente coloridas ou brancas), que protege os órgãos reprodutores da planta (os estames e o pistilo).
Pentâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.
Fauce – Extremidade do tubo da corola, junto aos lábios desta, onde as peças florais se encontram soladas entre si.
Unha – parte inferior das pétalas, geralmente mais estreita e por onde se faz a sua inserção.
Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.
Oblonga – semente com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.
Apiculada – provida de apículo, ponta curta e aguda, não rígida, na extremidade da semente.
Rupícola – que cresce entre as rochas.
Auto-fértil – planta cujas flores produzem sementes como resultado da polinização pelo pólen da mesma flor ou de flores do mesmo indivíduo.
Vivaz – planta que vive mais do que dois anos, renovando anualmente a parte aérea.
Subsolitária – flor que ocorre de forma solitária, mas muito próxima das outras, do que resulta parecer flores agrupadas em feixes.
Ventrudo – dilatado, inchado.
Mácula – mancha colorida, geralmente mais escura do que a parte restante.
Laciniada – órgão que apresenta cortes profundos e estreitos, dando a ideia de franjado.
Hilo – região da semente semelhante a uma cicatriz, que corresponde ao ponto de inserção ao funículo – filamento que liga a semente à placenta no interior do ovário.
Xerofílico – planta adaptada aos climas secos, a períodos de seca mais ou menos prolongada. Que consegue viver com pequenas quantidades de águas.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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