Nesta época do ano aparecem às centenas, espalhados um pouco por toda a parte. No entanto, esta espécie passa metade do ano invisível, escondida debaixo da terra. Já viu algum capuz-de-frade este ano?
O capuz-de-frade ou candeias (Arisarum simorrhinum) é uma planta geófita, ou seja, é uma planta que tem um tubérculo subterrâneo a partir do qual se desenvolvem rizomas e raízes.
Mantém-se “adormecido”, durante os meses quentes de verão, mas basta que as temperaturas baixem e as primeiras chuvas caiam sobre os terrenos para que despertem rapidamente e se mantenham visíveis durante todo o inverno.
Família Araceae em Portugal
O capuz-de-frade pertence à família Araceae, que possui cerca de 140 géneros aceites em todo o mundo, dos quais sete estão representados em Portugal, com onze espécies nativas em Portugal Continental, duas no Arquipélago dos Açores e cinco no Arquipélago da Madeira.
As plantas mais populares e conhecidas desta família incluem o antúrio, o filodendro, o jarro-de-jardim, o inhame e a costela-de-adão.
Das espécies nativas presentes em Portugal destaca-se a conhecida lentilha-de-água (Wolffia arrhiza), a mais pequena planta vascular portuguesa, que ocorre muito pontualmente em lagoas, charcas e açudes com águas paradas ou de correntes lentas e eutróficas.
Esta planta está classificada como “Vulnerável” segundo a lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e da IUCN – International Union for Conservation of Nature (União Internacional para a Conservação da Natureza).
Outra espécie bem conhecida é o jarro-do-campo (Arum italicum subsp. italicum), que floresce durante a primavera e que está presente em todo território continental e em algumas das ilhas dos Açores. Encontramo-lo geralmente em locais húmidos, frescos, ensombrados e em solos nitrificados.
A lentilha-de-água-maior (Lemna gibba), a lentilha-de-água-menor (Lemna minor) e a lentilha-de-água (Spirodela polyrhiza), são plantas aquáticas que flutuam livremente sobre a superfície, em águas paradas ou de corrente lenta, espontâneas em Portugal Continental, e algumas também presentes nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
O Arum italicum subsp. canariense é uma subespécie nativa da região Macaronésia e em Portugal só pode ser visto no Arquipélago da Madeira.
Registos mais recentes apontam para a extinção, no Arquipélago da Madeira, do Dracunculus canariensis, espécie endémica da região Macaronésia e atualmente apenas presente nas Ilhas Canárias.
O capuz-de-frade
O capuz-de-frade é uma planta herbácea e vivaz que pode atingir 15 a 40 cm de altura. É formada por um tubérculo subterrâneo, mais ou menos ovóide, a partir do qual se desenvolvem rizomas e raízes. O seu caule não é visível à superfície, logo trata-se de uma planta acaule, cujas folhas surgem diretamente do solo.
As folhas, de forma sagitada ou cordada, são verdes, brilhantes e auriculadas e apresentam pecíolos compridos e delgados, esverdeados e por vezes preenchidos com numerosas manchas de cor púrpura. As folhas surgem antes das flores, entre setembro e outubro, e permanecem à superfície até meados da primavera.
As flores, que surgem entre outubro e abril, são muito pequenas e unissexuais, e dispõem-se em torno de uma inflorescência – o espadice curvo – de cor amarelada a acastanhada, envolvido por uma estrutura foliácea – a espata – que protege as flores masculinas e femininas que se “escondem” no seu interior. As flores femininas são geralmente sésseis e surgem na base do espadice. As flores masculinas surgem em maior número, acima das femininas e são pediceladas.
Ao curvar-se, a espata, em tom púrpura, tornando-se mais clara e pálida em direção à base, lembra o capuz de um frade, daí o nome comum desta planta – capuz-de-frade.
O outro nome comum – candeias – está associado ao espadice que, ao espreitar na parte superior do “capuz”, se assemelha a uma candeia com um pavio de fora.
Os frutos surgem na primavera, entre março e maio, dispostos em infrutescências compostas por 2 a 8 bagas, de cor esverdeada, pouco carnudas, as quais possuem 1 a 12 sementes no seu interior. As bagas não são comestíveis e são tóxicas.
Habitat
O capuz-de-frade é uma planta mediterrânica, sendo nativa em países como a Argélia, Marrocos, Baleares, Espanha e Portugal. No território nacional encontra-se disseminada de norte a sul do país e nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, tendo sido introduzida neste último.
É uma espécie ruderal, pouco exigente, podendo ocupar vários biótopos, ainda que tenha preferência por locais frescos e sombreados e solos bem drenados. É tolerante a períodos curtos de geada, desde que de baixa intensidade.
Ocorre em terrenos cultivados, em campos de pousio, pastagens, terrenos baldios, na margem de cursos de água, na berma e taludes de caminhos, em clareiras e orlas de matos e bosques e em fendas de afloramentos rochosos.
O capuz-de-frade passa metade do ano invisível, ficando apenas o seu tubérculo subterrâneo ativo e “escondido” nos meses mais quentes. No entanto, esta planta misteriosa e selvagem, apenas precisa que o outono apareça para que desperte e forme rapidamente colónias consideráveis. Primeiro surgem as folhas, que lembram miniaturas de folhas dos jarros-de-jardim e mais tarde, surgem das flores mais invulgares que podemos encontrar na natureza.
Por tudo isto, o capuz-de-frade é um elemento ornamental interessante em jardins e outros espaços verdes, podendo ser utilizado em maciços, junto a lagos ou para cobrir áreas sombreadas do jardim, formando tapetes verdes magníficos, pintalgados de flores púrpura, que permanecem visíveis durante o inverno e o princípio da primavera, até que voltam a desaparecer.
A polinização desta pequena e enigmática planta é realizada por pequenos insectos que são atraídos pelo odor e humidade do ápice do espadice e pela cor da espata, especialmente em dias secos. O espadice ligeiramente de fora da bráctea protetora (espata) permite atrair os polinizadores, que terão de fazer um pequena viagem até ao seu interior para recolher o néctar e consequentemente polinizar a planta.
Medicinal e tóxica
Além do interesse paisagístico e ornamental, o capuz-de-frade possui propriedades medicinais relevantes, ainda que tenha caído em desuso, pela presença de alcalóides tóxicos pirrolidinas, como a irníina e alcalóides neurotóxicos, como a coniina.
Durante o manuseamento desta planta é necessário muito cuidado, sobretudo com os tubérculos e os frutos, onde se encontram as maiores concentrações destes alcalóides.
As folhas frescas têm poder cicatrizante e são usadas como emoliente, sobre queimaduras e feridas na pele. O rizoma apresenta propriedades estimulantes e as raízes atuam como diurético, além de possuírem um efeito sedativo.
Antes de se iniciar qualquer tratamento com esta planta deverá ser consultado um médico, pois existe o risco elevado de intoxicação se for ultrapassada a dosagem recomendada.
Existem registos etnobotânicos de que esta planta também terá sido usada como planta tintureira, pela extração de um corante de cor púrpura das suas inflorescências. Em períodos de escassez, também terá sido usada como forragem.
A designação científica desta espécie deve-se, muito em particular, às características morfológicas dos seus órgãos reprodutores. O nome genérico Arisarum deriva da combinação de duas palavras do latim: arista, que significa espiga + arum, de anel, referindo-se respetivamente, ao espadice (a inflorescência) e à espata que circunda a inflorescência.
Outros autores apontam para que Arisarum deriva do grego arísaron, termo usado para designar uma pequena planta que se supõe tratar-se ser Arisarum vulgare.
O restritivo específico simorrhinum deriva dos termos latinos simios + rhino, que combinados significam nariz de macaco, supostamente devido à semelhança do espadice com o nariz de alguns macacos.
A forma invulgar e elegante desta planta convida a procurar por entre folhas verdes estes pequenos capuz-de-frade, que desabrocham nesta época do ano, com cores únicas e formas muito peculiares. Pelo menos, até que regresse a primavera e desapareçam novamente da superfície do solo, sem deixar rasto.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Geófita – planta que possui órgãos de reserva (bolbo, tubérculo, rizoma, etc.) onde são armazenados nutrientes que lhes permite sobreviver em condições climáticas adversas. Geralmente estas plantas, durante o período mais desfavorável ao seu desenvolvimento, secam todos os órgãos aéreos (folhas, flores, etc.), mantendo apenas o seu órgão subterrâneo de armazenamento ativo. As folhas, as flores e os restantes órgãos aéreos, voltam a surgir quando as condições de desenvolvimento forem novamente favoráveis.
Eutrófico – ambiente aquático (lago ou rio), cujas águas são ricas em nutrientes minerais e orgânicos.
Vivaz – planta que vive mais do que dois anos, renovando anualmente a parte aérea.
Acaule – planta aparentemente sem caule, ou cujo caule, curto ou subterrâneo, não é visível.
Sagitada – folha de limbo em forma de seta, isto é, em forma de triângulo agudo, prolongando-se na base em duas aurículas ou lóbulos agudos, dirigidos para baixo.
Cordada – folha de limbo arredondado que possui um chanfro (corte em ângulo ou de esguelha) na base e com a forma de um coração.
Auriculadas – provido de aurículas.
Aurícula – expansão semelhante à de uma pequena orelha, que se encontra na base de certos órgãos laminares, como folhas, sépalas, etc.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.
Espadice – espiga de flores nuas, geralmente pouco vistosas e unissexuais, dispostas num eixo espesso e carnudo, envolvido e protegido por uma bráctea (espata).
Espata – bráctea ou par de brácteas, que rodeia e protege certas inflorescências, geralmente vistosa para atrair os polinizadores (ex. parte branca das flores dos jarros-de-jardim).
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Sésseis – as flores não possuem pedicelo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.
Pediceladas – flores que possuem “pé” (haste de suporte).
Infrutescência – reunião de frutos provenientes de flores dispostas em inflorescências.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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