Foto: Marco Schmidt/Wiki Commons

O que procurar no Outono: a salicórnia

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Com a ajuda de Carine Azevedo, fique a conhecer uma planta discreta que nasce ao longo da costa portuguesa e que pode ser usada como alternativa ao sal, considerada um produto gourmet noutros países da Europa.

 

É possível que já tenha ouvido falar do famoso “sal verde”, uma alternativa ao sal com inúmeras propriedades benéficas para a saúde.

O que talvez seja desconhecido para muitas pessoas é que a salicórnia (Salicornia ramosissima) cresce, anualmente e de forma espontânea, ao longo da costa portuguesa.

 

Amaranthaceae

A salicórnia é uma espécie da família Amaranthaceae, que compreende 197 géneros botânicos e aproximadamente 2.000 espécies, principalmente herbáceas e subarbustos, distribuídas um pouco por todo o mundo.

Várias espécies são importantes culturas alimentares, incluindo a beterraba (Beta vulgaris), o espinafre (Spinacia oleracea), a salicórnia (Salicornia ramosissima) e a quinoa (Chenopodium quinoa) e várias são cultivadas como ornamentais, como é o caso da perpétua-roxa (Gomphrena globosa), da crista-de-galo (Celosia cristata), da crista-plumosa (Celosia argentea), da coração-magoado (Iresine herbstii), entre outras. Muitas destas espécies são igualmente reconhecidas pelas suas propriedades medicinais.

Em Portugal, esta família está representada por quinze géneros botânicos e, aproximadamente, 40 espécies nativas, algumas das quais com estatuto especial de conservação, como é o caso da Atriplex glauca, da Halopeplis amplexicaulis e da Patellifolia patellaris, que constam da Lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. E segundo as categorias da União Internacional para a Conservação da Natureza, que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional, estão classificadas como espécies Criticamente em Perigo, no caso das duas primeiras, e Em Perigo, no caso da terceira espécie.

Halopeplis amplexicaulis. Foto: Luís Brás/Flora-On

Já a Beta patula é outra espécie da família, sendo endémica do arquipélago da Madeira, ou seja, que não existe em mais nenhuma parte do mundo. Encontra-se criticamente ameaçada, segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza.

Esta espécie de beterraba selvagem ocorre em dois ilhéus desabitados do arquipélago da Madeira, sendo a sua extensão de ocorrência de aproximadamente 70 km² e a sua área de ocupação inferior a 10 km². A população estimada desta espécie ronda os 2.500 indivíduos, embora o número de indivíduos maduros flutue bastante. 

 

O género Salicornia

O género Salicornia é um dos grupos de plantas taxonomicamente mais complicados. Tem uma distribuição cosmopolita pelo que há espécies nativas em todos os continentes, excepto nos pólos.

Atualmente, há registo de 29 Taxa e alguma controvérsia sobre o número exato de espécies existentes neste grupo, nomeadamente por ser complicada a distinção entre algumas. A elevada plasticidade fenotípica, que se traduz em características diferentes dentro da mesma espécie, é responsável pela complexidade dentro do género Salicornia. E também as características morfológicas deste género, como por exemplo a ausência de folhas aparentes, é responsável pelas dificuldades taxonómicas.

Além disso, alguns estudos confirmam uma proximidade ecológica e morfológica entre os género SalicorniaSarcocornia. No entanto, os dois géneros distinguem-se porque as espécies deste último possuem uma vida perene. 

 

A salicórnia

A salicórnia é também vulgarmente conhecida como sal-verde, espargo-do-mar e erva-salada. É uma planta herbácea que cresce até cerca de 40 centímetros de altura, que floresce e frutifica de julho a novembro, repetindo o ciclo anualmente.

Possui porte ereto, raras vezes decumbente, com caules carnudos, translúcidos, geralmente bastante ramificados e segmentados por articulações, aparentemente sem folhas. No entanto, tem folhas opostas, escamiformes e soldadas entre si e com o caule, formando um artículo carnudo.

Foto: Сергій Марков/Wiki Commons

Toda a planta é verde-escura, no entanto os seus ramos tornam-se vermelhos ou vermelho-púrpura no outono. Daí o seu nome comum em Inglaterra, “purple glasswort”.

As flores são imperceptíveis, hermafroditas (masculinas e femininas), verdes, com anteras amarelas e geralmente solitárias ou em grupos de três. Ocorrem em inflorescências espiciformes terminais, onde o artículo inferior é estéril e os restantes são férteis e compostos por dois conjuntos opostos de três flores cada. As flores dispõem-se em triângulo, ficando as duas laterais geralmente em contacto entre si, abaixo da flor do centro que é maior que as restantes.

Quanto à polinização é anemófila, ou seja, ocorre por intermédio do vento.

O fruto é pequeno e suculento e contém apenas uma única semente. As sementes são dimórficas, oblongas ou ovóides e de tamanho diferenciado.

 

Onde cresce a salicórnia?

A salicórnia é uma das plantas terrestres mais tolerantes ao sal (espécie halófita), crescendo preferencialmente no litoral costeiro, em estuários, sapais, salinas, bem como em arribas temporariamente encharcadas por água salgada ou salobra.

Foto: Lígia Lopes/Flora-On

A denominação científica da espécie está precisamente relacionada com esta característica particular, e também está associada a algumas características morfológicas.

O nome do género Salicornia tem origem no termo árabe salcoran. O nome em latim deriva da combinação dos termos sal- + –cornu que significam respetivamente “sal” e “chifre ou corno”, aludindo ao facto da planta crescer em ambientes com solos e águas salgadas ou salobras, e também por causa da aparência dos caules articulados, suculentos, em forma de corno.

O restritivo específico ramosissima reforça a caracterização morfológica desta espécie e significa “o mais ramificado”, pois os seus caules são bastante ramificados.

 

Espécie pioneira em zonas costeiras

A salicórnia é muitas vezes referida como uma planta pioneira em zonas costeiras do mar.

É uma planta nativa do litoral costeiro da Europa Ocidental, Mediterrâneo e Noroeste de África. Em Portugal ocorre um pouco por todo o Litoral continental, sendo a sua distribuição mais acentuada na Ria de Aveiro, Península de Setúbal, Ria Formosa e noutras regiões do Algarve.

Foto: Marco Vinicio Olla/Wiki Commons

Esta espécie desenvolve-se preferencialmente em locais com exposição solar plena, não ocupados por outras espécies halófitas, normalmente no limite superior da maré.

A nível edáfico, tem preferência por solos de textura arenosa a limosa, salinos, saturados em água ou em zonas temporariamente encharcadas do Litoral, isto é, sujeitas às marés; mas também pode ocorrer em lagunas salobras do Interior.

O seu crescimento é influenciado pela salinidade do meio.

 

O sal em forma de planta

A salicórnia foi, durante muito tempo, vista como uma praga das salinas; no entanto, nos últimos anos, esta planta tem sido alvo de inúmeros estudos que a revelam como uma alternativa natural ao sal. Embora ainda seja pouco conhecida e procurada em Portugal, é já considerada noutros países da Europa um produto gourmet.

Esta planta é caracterizada pela presença de elevadas concentrações de sais que lhe conferem um elevado valor nutricional. É capaz de absorver o sal dissolvido na água do mar ou do solo onde se desenvolve, apresentando por isso um sabor naturalmente salgado, embora possua menos sódio do que o sal marinho, sobretudo quando utilizada em fresco.

Além do elevado teor de sais (por exemplo ferro, cálcio, fósforo e potássio), a salicórnia é rica em ácidos gordos polinsaturados (ómega 3), fibras, proteínas e vitaminas A, B e C.

Contudo, a sua composição e valor nutricional dependem da época e do local de colheita, bem como da salinidade do meio onde se desenvolve.

A salicórnia é um alimento extremamente versátil, podendo ser consumida crua nas mais diversas saladas, mas também cozinhada ao vapor ou salteada, servindo de acompanhamento em pratos de peixe, marisco ou carne. Usa-se também em quiches, pratos com ovos, molhos, pratos de risoto ou massas. 

Como confere um sabor salgado aos alimentos e tem um baixo teor de sódio, pode ser consumida como especiaria para temperar alimentos, desidratada ou triturada, sendo uma alternativa saudável ao consumo excessivo de sal.

Por se tratar de uma planta rica em água, deve ser adicionada apenas no final da preparação dos pratos de modo a preservar ao máximo as suas propriedades nutricionais.

 

Um presente do mar

A salicórnia tem ainda propriedades cosméticas e farmacêuticas.

Na cosmética, o extrato desta planta favorece o armazenamento e transporte de água nas células da epiderme, além de aumentar a ação das enzimas envolvidas na produção de lípidos na pele. Estas duas ações oferecem a todos os tipos de pele um feito hidratante.

É uma planta diurética e medicinal que possui características imunoestimulantes, antioxidantes, anti-inflamatórias, anti-tumorais e antidiabéticas.

O benefício mais relevante da sua utilização é, sem dúvida, o facto de contribuir para a prevenção de problemas de hipertensão arterial, ajudando desta forma a combater também problemas cardiovasculares, embora o consumo de salicórnia deva ser igualmente reduzido.

Foto: Ruppia2000/Wiki Commons

Normalmente, não é cultivada em jardins, nem mesmo em vasos, mas pode ser uma alternativa interessante do ponto de vista ornamental, sobretudo pelas diferentes tonalidades que vai assumindo ao longo do ano, em especial em locais perto do litoral onde o solo é muito rico em sais. Também pode ser cultivada em vasos ou floreiras, bastandou para isso acertar nas quantidades certas de água, sal e humidade para a produzir.

Ficou curioso com esta planta? Então inclua-a na sua lista de espécies a procurar na natureza, e partilhe as suas fotografias nas redes sociais, com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa #àdescobertadasplantasnativas. Também já se encontra à venda em muitas lojas.

 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Taxon (no plural taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).

Plasticidade fenotípica – é a capacidade de um determinado ser vivo apresentar diferentes características (tais como: morfológica, fisiológica, comportamental e fenológica), em função das condições ambientais.

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Decumbente – ramos deitados sobre a terra, por onde se alastram e com a ponta levantada para cima.

Escamiforme – folha semelhante a uma escama.

Artículo – porção compreendida entre duas articulações consecutivas, as quais correspondem frequentemente a zonas de estrangulamento.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Antera – porção terminal do estame onde são produzidos os grãos de pólen.

Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.

Espiciforme – em forma de espiga.

Polinização anemófila – realizada pela ação do vento.

Dimórfica – tem duas formas = biforme.

Oblonga – semente com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.

Halófita – planta adaptada a viver próxima do mar, tolerante à salinidade.

 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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