A natureza começa a dar os primeiros sinais da chegada da estação mais florida do ano.
As pequenas mudanças que já se sentem indicam que o inverno está quase a terminar e que a primavera está a dar os primeiros passos. Algumas plantas começam a formar os primeiros rebentos e as primeiras folhas, outras começam a brindar-nos com as suas flores.
O salgueiro-preto (Salix atrocinerea) é uma das espécies que começam agora a florir, ainda antes de formar as suas primeiras folhas.
Salgueiro-preto
O salgueiro-preto, também conhecido como borrazeira-preta ou cinzeiro, é uma espécie nativa que pertence à família das Salicaceae, que engloba muitas outras espécies presentes em Portugal, tais como o choupo-negro, o choupo-branco, ou o salgueiro-branco.
É uma pequena árvore de folha caduca, que raramente ultrapassa os 10 metros de altura. A copa destas árvores é pouco densa e a casca do tronco é cinzenta e lisa e vai-se tornando mais fendida e acastanhada, com a idade.
As folhas são simples, ligeiramente lanceoladas, com a forma da ponta de uma lança, e um pouco mais largas na zona do ápice, ou seja, na sua extremidade. São verdes na página superior e esbranquiçadas na página inferior, o que se deve à presença de pelos brancos, compridos e macios, misturados com algum indumento avermelhado.
Quanto às estípulas, são bem pronunciadas. Trata-se de estruturas semelhantes a pequenas folhas, geralmente aos pares, que se encontram na base do pecíolo (haste que prende a folha ao caule ou ao ramo) ou do limbo (parte principal da folha), e que têm como função a proteção dessas zonas.
A floração ocorre entre janeiro e abril e as flores podem apresentar tons verdes, brancos ou amarelados. É uma espécie de floração dióica – com flores masculinas e femininas, que ocorrem em indivíduos diferentes – e que se encontram agrupadas em inflorescências. As flores muito pequenas surgem em espigas longas e verticais – chamadas amentilhos – antes das folhas que se abrem da base para o topo. As flores são desprovidas de pétalas e são cobertas de pelos longos e macios.
Já o fruto do salgueiro-preto é uma cápsula pilosa, também ela coberta de pelos, e que abre em duas valvas ou metades. A sua maturação ocorre entre abril e maio.
Espécie ribeirinha
O salgueiro-preto é uma espécie nativa da Europa atlântica e norte de África. Em Portugal pode encontrar-se em todo o território nacional, particularmente junto às margens de linhas de água e em locais húmidos e alagados. Forma, em associação com outras espécies, como o amieiro e outros salgueiros, bosques característicos das zonas ribeirinhas, as chamadas galerias ripícolas.
É uma espécie de luz, com necessidade permanente de humidade no solo. Tem preferência por solos ácidos, é pouco tolerante a temperaturas extremas, mas suporta bem ventos fortes. É uma árvore muito resistente à poluição urbana.
O habitat preferencial desta espécie e algumas características morfológicas muito particulares são responsáveis pela sua designação científica. O nome do género Salix deriva do celta Sal-, que significa “próximo”, e -lis de “água”, ou seja, “próximo da água”, locais permanentemente húmidos. O restritivo específico atrocinerea deriva do latim, do prefixo atro-, que significa “escuro” e de –cinereus, que significa “cinza”, em referência ao aveludado acinzentado que cobre as suas folhas e ramos jovens.
Botanicorum crux et scandalum
O género Salix compreende cerca de 500 espécies, a maioria das quais apenas com desenvolvimento arbustivo. Em Portugal, constitui o principal elemento da flora ripícola, não só pela sua frequência nestes ecossistemas mas sobretudo pelo número elevado de espécies que o compõem, além da enorme capacidade que tem de hibridar com outras espécies do mesmo género.
Este é considerado um dos géneros mais complexos da Flora, sendo apelidado por muitos botânicos de botanicorum crux et scandalum, que significa “o botânico cruza o obstáculo”. Apesar da inúmera bibliografia especializada sobre o género e mesmo com a evolução do conhecimento científico, da botânica em particular, dos estudos moleculares e genéticos, a sua correta identificação e determinação continua a ser um problema.
Esta pequena árvore tem múltiplas aplicações. É uma planta melífera, importante pela sua floração precoce, e devido ao seu extenso e profundo sistema radicular é muito utilizada para estabilizar terrenos e para combater a erosão. Tem assim um papel importante na engenharia biofísica, na recuperação e estabilização de margens ribeirinhas, e constitui também uma boa barreira contra o vento.
Os seus ramos, por terem muito nós, são utilizados em cestaria, enquanto que a sua madeira clara é utilizada em marcenaria. As suas folhas são um óptimo alimento para os animais.
Do ponto de vista medicinal, sendo uma espécie do género Salix, sabe-se que o salgueiro-preto contém salicina, substância extraída da casca do tronco, a partir da qual se obtém o ácido acetilsalicílico, utilizado no tratamento de febre, dores de cabeça, diarreia, etc. É a substância base da Aspirina, comercializada desde 1899, e é considerada uma das cem mais importantes descobertas do século XX.
Nos últimos anos, esta planta tem sido experimentalmente utilizada no tratamento de águas poluídas, devido à sua capacidade de absorção e de transformação de substâncias poluentes em matéria orgânica.
Por outro lado, a este género Salix são atribuídas algumas características mágicas e feitiçarias. Um exemplo disso é a palavra inglesa “witch”, que significa bruxa e que provém da designação dos salgueiros em inglês “willow”, por se acreditar que era debaixo destas árvores que as bruxas faziam as suas magias e feitiçarias.
Na mitologia romana, o salgueiro também teve um importante papel. Era uma árvore consagrada à deusa Juno, rainha dos Deuses, e representava a união, a fidelidade e a proteção às mulheres. Tinha propriedades para deter hemorragias e para evitar o aborto.
Na China, onde é cultivado com a finalidade de criar barreiras contra o vento e proteger os campos agrícolas, é tradicionalmente símbolo de imortalidade.
Lembrem-se, a natureza está cheia de histórias por desvendar e as espécies nativas têm um papel importante nos nossos ecossistemas, pelo que temos de as preservar.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
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