Carine Azevedo apresenta-nos esta planta rara, considerada uma relíquia da floresta Laurissilva, que pode ser vista em Portugal. Saiba onde.
Portugal está localizado numa zona de transição climática, propícia à sua notável biodiversidade.
Segundo dados da União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN), publicados em 2013, existem cerca de 35.000 espécies de animais e plantas no nosso país. São cerca de 22% da totalidade de espécies descritas na Europa e pode representar perto de 2% das espécies do mundo.
De acordo com a mesma fonte, das 5.894 espécies até então avaliadas pela Lista Vermelha Europeia de Espécies Ameaçadas da IUCN, 1.323 estão presentes em Portugal.
O grupo mais representado são as plantas vasculares, com 591 espécies, que habitam maioritariamente zonas rochosas, florestas e zonas húmidas. Estes ecossistemas requerem especial atenção para que se mantenham como a casa destas espécies sensíveis, e também de outras.
O rododendro (Rhododendron ponticum subsp baeticum) é uma das espécies que também cresce nesses habitats. Esta planta, endémica do Sudoeste Ibérico, é considerada uma relíquia da floresta Laurissilva e, embora não conste ainda da lista de espécies ameaçadas, é particularmente rara.
A família Ericaceae
O rododendro, também vulgarmente conhecido como aldefeira, adelfa ou loendro, é uma espécie da família Ericaceae, que inclui inúmeras espécies nativas bem conhecidas, como o medronheiro (Arbutus unedo), a urze-roxa (Erica cinerea), a camarinha (Corema album), a torga (Calluna vulgaris), entre outras.
A família Ericaceae é composta por aproximadamente 4.440 espécies, distribuídas por 124 géneros botânicos.
Esta família está representada, em Portugal, por oito géneros botânicos e por cerca de três dezenas de espécies, distribuídas tanto pelo território continental, como pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, onde muitas das espécies presentes são endémicas.
As espécies endémicas da Região Autónoma dos Açores são a camarinha (Corema album subsp. azoricum), a queiró (Daboecia azorica), a urze (Erica azorica) e a uva-da-serra (Vaccinium cylindraceum).
Já as espécies endémicas do arquipélago da Madeira são a urze-rasteira (Erica maderensis), a urze-das-vassouras (Erica platycodon subsp. maderincola) e a uva-da-serra (Vaccinium padifolium).
Quanto ao género Rhododendron, inclui cerca de 1.070 espécies espalhadas por todo o globo, ainda que a maior diversidade ocorra na parte sudeste da cordilheira dos Himalaias.
Em Portugal, está unicamente representado pela subespécie Rhododendron ponticum subsp baeticum, que ocorre de forma natural apenas no território continental. As restantes espécies deste género, que ocorrem no continente e nos arquipélagos, são todas exóticas.
O rododendro
O rododendro é um arbusto ou uma pequena árvore perene, que pode crescer até aos três metros de altura, raramente mais.
Possui porte erecto, com um ou vários caules formados desde a base, casca lisa, cinzenta ou avermelhada, e forma uma copa densa, arredondada, por vezes irregular.
As folhas são persistentes, simples, glabras e grandes, podendo atingir entre sete a quinze centímetros de comprimento. Possuem uma forma elíptica-lanceolada, margens inteiras, pecíolo curto e são ligeiramente coriáceas, de cor verde-escura brilhante na página superior e de um verde menos intenso na inferior.
O rododendro floresce entre maio e julho, pontualmente também no outono. As flores surgem em grupos de 8 a 16 flores, e formam grandes corimbos multiflorais, que surgem na ponta dos raminhos.
As flores são hermafroditas e pediceladas e são formadas por uma corola pentâmera, campanulada, bastante afunilada, de cor violáceo-purpúrea.
Os frutos são cápsulas lenhosas, deiscentes, que abrem, durante o outono e o inverno, para libertar as numerosas e minúsculas sementes, lisas e aladas.
A designação científica desta espécie deve-se em particular à cor das flores de algumas das espécies do género e à sua origem.
O nome do género deriva da união de dois termos gregos rhòdon, que significa “rosa” + dendron = “árvore”, devido à cor das flores de muitas espécies deste género.
O atributo latino específico Ponticum deriva de Pontus, designação histórica para a região na costa meridional do mar Negro, que corresponde atualmente ao nordeste da Turquia, e onde a espécie terá sido identificada pela primeira vez.
Já a denominação da subespécie baeticum deriva do latim baeticus, que significa “de Bética” – uma antiga província espanhola conhecida atualmente como Andaluzia, onde aquela é endémica.
Endemismo Ibérico
O Rhododendron ponticum subsp baeticum é uma subespécie pouco abundante, com uma distribuição nativa muito localizada, restrita às regiões do Centro e Sul de Portugal e Sudoeste de Espanha.
Em Portugal ocorre quase exclusivamente nas serras de Monchique e do Caramulo.
Em Monchique ocorre com mais frequência nas encostas da Fóia e na Picota, e compõe orlas arbustivas próprias das linhas de água, em associação com o amieiro (Alnus glutinosa), o feto-real (Osmunda regalis), o samouco (Myrica faya) e a campainha-de-monchique (Campanula primulifolia).
Em Espanha só podemos encontrar esta subespécie no Parque Natural de Los Alcornocales, na Serra do Aljibe, em Cádiz.
Reserva Botânica de Cambarinho
A maior área natural desta subespécie em Portugal encontra-se na Reserva Botânica de Cambarinho, em Vouzela (Caramulo), com uma área de ocupação de aproximadamente 24 hectares. Os incêndios que ocorreram em outubro de 2017 afetaram significativamente esta população, que se encontra agora em fase de recuperação.
A Reserva Botânica de Cambarinho foi criada em 1971 e tem por objetivo a proteção do Rhododendron ponticum subsp. baeticum. Integra a Lista Nacional de Sítios da Rede Natura 2000, estando por isso protegida a nível europeu pela Directiva Habitats.
Também a espécie, apesar de não estar protegida por nenhuma legislação em particular, integra um habitat natural de interesse comunitário, cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação – Habitat 92BO – “Florestas-galerias junto aos cursos de água intermitentes mediterrânicos com Rhododendron ponticum, Salix e outras espécies”, do Anexo I da Directiva Habitats nº92/43/CEE.
Importante papel ambiental
O rododendro prospera tanto em locais de exposição solar plena como sombrios, embora a sombra possa retardar o seu crescimento. Prefere assim a orla ou o subcoberto de bosques caducifólios, ambientes húmidos e de meia-sombra. Também ocorre frequentemente próximo de linhas de água.
Do ponto de vista edáfico, tem preferência por solos soltos, frescos, bem drenados, ricos em matéria-orgânica, com pH entre 5,0 e 6,0.
É bastante resistente ao frio, tolerando temperaturas até – 10ºC. Não é tolerante ao calcário no solo e na água.
O rododendro presta serviços ambientais de elevada relevância, nomeadamente ao nível da proteção do solo, contribuindo para a formação deste e minimizando a erosão. É também um importante refúgio para outras espécies de flora e fauna, sendo uma planta hospedeira de várias espécies de borboletas.
A polinização desta planta é entomófila, sendo as abelhas os principais responsáveis pela polinização desta espécie, embora sejam inúmeros os insectos atraídos pelas suas flores.
Quanto à dispersão das sementes, ocorre essencialmente de forma natural, com o auxílio do vento – dispersão anemócorica.
Por outro lado, o rododendro é uma espécie ornamental de grande interesse estético e paisagístico, em particular pela abundante floração.
Destaca-se também pela sua estrutura, tamanho e folhagem persistente e brilhante, sendo uma das espécies do género mais cultivadas na Europa Ocidental. Além disso, é uma planta muito resistente à poluição.
É muito comum em jardins e outros espaços verdes públicos ou particulares, como elemento isolado, em sebes ou pequenos núcleos de plantas. Pode também ser cultivado como bonsai.
Serve frequentemente de porta-enxerto para obtenção de outros rododendros com características especiais.
Planta invasora e tóxica
No Reino Unido e na Irlanda, onde foi introduzido e plantado como ornamental em meados do século XVIII, o rododendro transformou-se numa espécie com carácter invasor.
As condições edafo-climáticas dessas regiões favoreceram a espécie, que rapidamente se naturalizou e se transformou num problema ambiental, com efeito dramático na biodiversidade nativa dessas regiões.
Esta é uma planta muito tóxica para o Homem e também para a maioria dos animais, especialmente os herbívoros. Toda a planta contém alcalóides potencialmente tóxicos, que afetam o sistema cardiovascular e respiratório.
As graianotoxinas podem ser encontradas nas folhas e nas flores, especialmente no pólen e no néctar, pelo que é preciso algum cuidado com o mel produzido pelas abelhas que visitam estas flores.
A ingestão de qualquer parte da planta pode provocar sintomas de vómitos e dores de estômago, pressão arterial muito reduzida e náuseas. Também pode levar à perda de coordenação e fraqueza nos músculos.
Ainda que seja uma espécie invasora noutras paragens, o rododendro é sem dúvida uma espécie antiga e rara em Portugal, que deve ser preservada.
A preservação do seu habitat natural, bem como o de qualquer outra espécie, é fundamental para a conservação da biodiversidade global do planeta.
A perda de uma espécie de um determinado local causa grandes impactos no ecossistema, uma vez que as espécies interagem entre si e também com o ambiente em que vivem.
Já tem mais um motivo para explorar a natureza!
Dicionário informal do mundo vegetal:
Glabra – sem pelos.
Elíptica-lanceolada – folha com forma que lembra uma elipse, longa e relativamente estreita, semelhante à ponta de uma lança.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.
Corimbo – inflorescência em que as flores se elevam mais ao menos ao mesmo plano, ainda que os seus “pés” possam ter tamanhos diferentes.
Multifloral – que tem ou produz muitas flores.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Pedicelada – flor ou inflorescência que possui “pé” (haste de suporte).
Corola – conjunto das pétalas, que protegem os órgãos reprodutores da planta (os estames e o pistilo).
Pentâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.
Campanulada – em forma de sino invertido.
Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.
Polinização entomófica – realizada por insetos.
Dispersão anemócorica ou Anemocoria – dispersão realizada pelo vento.
Agora é a sua vez.
Aproveite esta altura do ano para dar um passeio de Primavera pela Reserva Botânica do Cambarinho, em Vouzela, e ver os rododendros que agora estão em flor.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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