A primavera é, por excelência, a época das flores. E nos campos, as flores das giestas estão no seu melhor em Maio e Junho, numa profusão de cor e exuberância, lembra a botânica Carine Azevedo.
Em algumas regiões, a paisagem é dominada pelos tons amarelos de muitas espécies. Algumas são invasoras, como por exemplo a acácia-mimosa (Acacia dealbata) ou acácia-de-espigas (Acacia longifolia), que causam graves problemas nos ecossistemas, afetando as espécies nativas da região, reduzindo a disponibilidade de água e competindo pelo espaço físico.
Mas, noutros locais, o amarelo que forra encostas, montes e vales é o de muitas espécies nativas que atingem nesta época a sua máxima exuberância.
As giestas ou maias (Cytisus striatus) são indiscutivelmente responsáveis, um pouco por todo o país, por uma paisagem singular, impossível de não reparar.
Curiosamente, quer as acácias invasoras como as giestas nativas pertencem à mesma família botânica, a Fabaceae.
Fabaceae
A família Fabaceae, também conhecida como a família das leguminosas, inclui algumas das plantas cultivadas com maior importância económica do mundo.
Os membros desta família são facilmente reconhecidos pela presença de frutos do tipo vagem e folhagem composta com estípulas bem desenvolvidas.
Algumas das espécies comerciais mais importantes para a produção de alimentos para o Homem incluem a soja (Glycine max), o feijão (Phaseolus vulgaris), a ervilha (Pisum sativum), a lentilha (Vicia lens) e o grão-de-bico (Cicer arietinum). Para a produção de forragem, por exemplo, destaca-se a luzerna (Medicago sativa).
A Fabaceae é uma família com uma distribuição cosmopolita, ocorrendo em quase todas as regiões do mundo, excepto nas regiões polares. É a terceira família botânica mais abundante da flora terrestre, antecedida apenas pelas famílias Asteraceae e Orquidaceae.
É composta por cerca de 770 géneros botânicos e por mais de 20 mil espécies.
Das espécies presentes em território nacional, cerca de 260 são nativas, distribuídas por 38 géneros botânicos. Das espécies nativas, 22 são endémicas, ou seja, exclusivas de Portugal e que não existem em mais nenhuma parte do mundo. Nove ocorrem apenas em Portugal Continental, uma é exclusiva das duas regiões autónomas, onze apenas do Arquipélago da Madeira e uma apenas do Arquipélago dos Açores.
Além disso, 30 das espécies nativas presentes em território continental constam da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que sinaliza as espécies ameaçadas de extinção em Portugal Continental.
Segundo as categorias da IUCN – International Union for Conservation of Nature, que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional, oito espécies foram avaliadas como Em Perigo, duas Criticamente Em Perigo, 17 Vulnerável e três espécies estão consideradas Regionalmente Extintas em Portugal Continental.
As espécies exóticas mais conhecidas, comuns em jardins e em arruamentos, são a olaia (Cercis siliquastrum), a albizia (Albizia julibrissin) e a glicínia (Wisteria sinensis). No entanto, outras espécies exóticas presentes em Portugal estão classificadas como espécies invasoras, como é o caso da acácia-mimosa (Acacia dealbata), da acácia-de-espigas (Acacia longifolia), da austrália (Acacia melanoxylon), da falsa-acácia (Robinia pseudoacacia), entre outras que tanto ameaçam a nossa biodiversidade.
Giesta-amarela
A giesta-amarela (Cytisus striatus) – também vulgarmente conhecida como maias, maios, giesta-das-serras, giesteira-das-serras, giesta-negral ou giesteira-negral – é uma espécie arbustiva, muito ramificada, que pode chegar até aos três metros de altura.
É formada por ramos flexíveis, cilíndricos, estriados e densamente pubescentes, proporcionando uma coloração verde-acinzentada ou glauca nos indivíduos mais jovens, que se tornam glabros e verdes quando adultos.
As folhas são caducas, estipuladas, pecioladas, pubescentes, encontram-se dispostas de forma alternada e são constituídas por um a três folíolos. As folhas superiores dos ramos jovens são unifoliadas, oblonga-lanceoladas e solitárias. As inferiores são trifoliadas, elípticas e surgem solitárias ou agrupadas.
As flores começam a aparecer em finais de março, estendendo-se a floração até julho. A maior profusão de flores ocorre nos meses de maio e junho. São solitárias ou surgem aos pares, raramente em grupos de três, nas axilas das folhas.
Possuem uma corola com simetria bilateral formada por cinco pétalas de cor amarela. O cálice é bilabiado, tem a forma de campânula e possui pêlos curtos.
O fruto é uma vagem de contorno rombóide, biconvexa, coberta por um denso indumento de pêlos brancos ou amarelados, com duas a oito sementes ovóides e pardas, no interior.
Etimologicamente, o nome do género Cytisus deriva do grego e foi o nome dado a várias leguminosas lenhosas, mais tarde adaptado para estas plantas da mesma família por possuir caules lenhosos. Cytisus poderá igualmente derivar do nome da ilha grega de Cythnos (Kythnos), onde terão sido descobertas as primeiras plantas deste género.
O restritivo específico striatus deriva do latim strio = “estriado”, muito provavelmente devido aos caules formados por estrias.
A giesta e os giestais
A giesta-amarela é uma espécie nativa da Península Ibérica e de Marrocos. Em Portugal, encontra-se por todo o território continental, sendo mais frequente nas regiões do Norte e Centro e rara a Sul. Cresce em zonas de matos e matagais, coloniza plantações florestais (pinhais, carvalhais, sobreirais), terrenos incultos e abandonados pela agricultura, encostas pedregosas, taludes e bermas de caminhos.
A giesta-amarela pode formar comunidades arbustivas altas e densas, vulgarmente denominadas de giestais. Estas formações vegetais são muitas vezes acompanhadas por outras espécies arbustivas nativas, sendo o estrato arbóreo inexistente ou pouco significativo. As espécies mais comuns que formam essas comunidades são o tojo-molar (Ulex minor), o tojo-arnal-do-litoral (Ulex europaeus subsp. latebracteatus), o tojo-arnal (Ulex europaeus), o codeço (Adenocarpus lainzii), a urze-branca (Erica arborea), a urze-vermelha (Erica aragonensis), entre outras.
A giesta-amarela requer grandes quantidades de luz, sendo portanto classificada como uma espécie heliófila. Quanto mais exposta ao sol, mais abundante é a sua floração.
A nível edáfico, embora não seja muito exigente quanto ao tipo de substrato, tem preferência por solos ácidos, frescos, com alguma profundidade, arenosos e bem drenados. É tolerante a solos pobres e a períodos curtos de seca.
Espécie colonizadora
Para além da elevada diversidade biológica, com especial destaque para a componente florística, associada à giesta-amarela e aos giestais, esta desempenha importantes funções ecológicas.
É uma espécie colonizadora, uma vez que prolifera facilmente em terrenos agrícolas abandonados ou em áreas sujeitas a grandes perturbações, como os incêndios. Esta facilidade de se desenvolver em áreas perturbadas contribui para um rápido recobrimento das áreas ardidas, minimizando a erosão e o efeito das temperaturas extremas no solo e nas outras espécies.
Por outro lado, os giestais muito densos, que cobrem grandes áreas, podem dificultar o estabelecimento de novas espécies, perpetuando assim o giestal no tempo até que uma nova perturbação ocorra. Em certas situações, pode ser até necessário intervir, de forma a diminuir a densidade destas plantas para promover o aumento da biodiversidade e diminuir o risco de incêndios.
A giesta-amarela, como acontece com muitas espécies desta família de plantas, forma pequenos nódulos nas raízes, nos quais se alojam bactérias fixadoras de azoto atmosférico, processo de extrema importância para a fertilidade dos solos.
Maias em Maio
A giesta-amarela é utilizada com planta medicinal e ornamental, na produção de mel, na fertilização de solos, depois de cortada e enterrada, e serve de alimento e de cama para o gado. Os ramos podem ser usados para fazer cestos, escovas e vassouras.
Esta planta tem propriedades cardiotónicas, catárticas, diuréticas, eméticas e vasoconstritoras. Registos etnobotânicos referem que a infusão das flores de giesta-amarela em leite foi empregue, no passado, para o tratamento de doenças da pele, por exemplo.
Embora possua inúmeras propriedades medicinais, esta planta também contém alcalóides tóxicos que podem causar graves problemas, por esse motivo, a sua utilização está fora de uso na medicina popular.
Pelo aspeto rústico, com ramos finos, flexíveis, verdes e longos e floração amarela intensa por um longo período, a giesta-amarela é uma excelente solução ornamental em jardins e outros espaços verdes, ou até em vasos, isolada ou em pequenos núcleos, combinada ou não, com outras espécies.
Nas zonas rurais, sobretudo no Interior Norte e Centro de Portugal, é costume, no dia 1 de Maio, colocar um ramo de giesta nas portas ou janelas das casas, “contra o mau-olhado” ou “para que haja fartura”, para trazer prosperidade e saúde a quem aí vive.
Esta é uma das tradições que trago da minha infância e que ainda hoje, a viver mais próxima da cidade, procuro manter. No dia 30 de abril, vou colher um raminho de maias para colocar à porta, para que traga boas energias cá para casa.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Vagem – fruto seco, geralmente deiscente e polispérmico, em que as sementes estão inseridas na sutura carpelar.
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.
Polispérmico – fruto com muitas sementes.
Composta – folha cujo limbo (parte mais larga da folha) é dividido em vários folíolos.
Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide.
Estípula – estrutura semelhante a uma pequena folha, que se encontra na base do pecíolo, geralmente aos pares, uma de cada lado.
Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.
Estriado – provido de estrias, ou seja, sulcos finos e superficiais, mais ou menos longos e paralelos entre si.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Estipulada – que tem estípulas.
Peciolada – provida de pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule).
Unifoliada – folha composta com um só folíolo.
Trifoliada – folha composta com três folíolos.
Elíptica – folíolo que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.
Corola – conjunto das pétalas (peças florais geralmente coloridas).
Simetria bilateral – quando os órgãos possuem dois planos de simetria apenas.
Cálice – conjunto das sépalas (peças florais geralmente verdes).
Bilabiado – cálice sinsépalo com segmentos dispostos em duas partes – os lábios – opostas.
Romboide – fruto com a forma aproximada de um losango.
Indumento – revestimento de pêlos.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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