Ainda que no calendário faltem alguns dias para a chegada da primavera, os sinais da estação já são visíveis.
O chilrear dos pássaros, o desabrochar de flores de quase todas as cores, o aparecimento dos polinizadores, os aromas e as temperaturas amenas ao longo do dia são características da primavera. As paisagens enchem-se de cores, alegria e vida, transportando-nos para aquela que é para mim a estação mais alegre e contemplativa.
E é por isso que em todas as minhas caminhadas, em todas as minhas explorações, procuro o que há de novo na natureza. Esta semana os campos estão ainda mais floridos e em destaque estão umas pequenas flores azuladas – as cilas (Scilla monophyllos).
E para que não tenham dúvidas sobre o significado de alguns termos usados, podem ver a sua explicação no final do texto, num pequeno glossário preparado para vocês.
A cila
A cila é uma pequena planta bolbosa da família das Asparagaceae, que inclui outras espécies bolbosas bem conhecidas e que também se encontram em flor nesta época do ano, como é o caso dos muscaris e dos jacintos.
A cila é uma planta vivaz, com cerca de 10 a 15 centímetros de altura, e com um bolbo mais ou menos globoso, de 8 a 25 milímetros de diâmetro, com uma túnica externa amarelada.
Vulgarmente, também é conhecida como cila-de-uma-folha. E como o nome sugere, a cila tem apenas uma folha, linear a lanceolada, com cerca de 10 a 25 cm de comprimento e 2 a 2,5 cm de largura. É também canaliculada, ou seja, na base, a folha forma um canal estreito.
É por causa desta característica particular de só ter uma folha que tem a designação científica Scilla monophyllos. O nome do género Scilla é a palavra latina para este tipo de plantas bolbosas e monophyllos deriva do grego monos- e -phyllon, que significa “só uma folha”.
Contudo, e embora esta seja a forma mais frequente, nem sempre a folha surge solitária, havendo exemplares em que surgem duas folhas.
A floração ocorre entre fevereiro e maio. Da base da folha surge uma única haste floral, com cerca de 30 cm, que sustenta na sua extremidade uma inflorescência.
As flores são pequenas, actinomorfas e hermafroditas e surgem dispostas em cachos, em grupos de 4 a 12. São também campanuladas, eretas com tépalas azul-violeta brilhantes. Cada flor é protegida por uma bráctea esbranquiçada ou levemente azulada, menor que o pedicelo. As anteras apresentam uma cor azul violácea e o pólen amarelo. O fruto é uma cápsula globosa, com poucas sementes, escuras.
Espécie nativa
A cila é uma espécie nativa da região mediterrânica. Nasce espontaneamente em Portugal, sul de Espanha e em Marrocos. Sendo uma espécie com uma distribuição bastante restrita, trata-se de uma planta endémica da Península Ibérica e do Norte de África.
Em Portugal encontra-se um pouco por todo o país, em zonas arenosas ou rochosas, charnecas, pinhais, clareiras de matos xerófilos e no subcoberto de bosques de carvalho e sobreiro.
É uma planta de sombra, que se desenvolve muito bem no subcoberto de outras espécies arbóreas. É muito resistente e tolerante à sombra e prefere solos ácidos, argilosos ou arenosos. Não se desenvolve bem em locais secos, com pouca disponibilidade de humidade atmosférica e do solo.
Sendo uma planta bolbosa, a cila pode viver muitos anos, no entanto passa grande parte do ano debaixo de terra. A parte aérea desta planta é renovada anualmente e é entre janeiro e junho que podemos observar a sua folha e as flores. Passada esta fase, e depois de libertadas as sementes, a cila volta a desaparecer, ficando escondida no solo até que se volte a repetir este ciclo.
Pela beleza das suas flores, é uma espécie muito apreciada como planta ornamental, sendo muito utilizada em jardinagem.
Outras Scilla nativas em Portugal
O género Scilla tem outras espécies nativas representativas em Portugal Continental, algumas das quais são muito parecidas com a Scilla monophyllos.
O jacinto-do-algarve (Scilla odorata), por exemplo, é uma espécie endémica da Península Ibérica. Como o seu nome indica tem uma distribuição muito restrita em Portugal, podendo encontrar-se apenas na região do Algarve, sendo a sua área de ocupação e extensão de ocorrência bastante reduzidas.
Esta é uma espécie protegida pelo Anexo IV da Directiva Habitats, que engloba “Espécies animais e vegetais de interesse comunitário que exigem uma proteção rigorosa”. Consta também da lista das espécies Quase Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, segundo a lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental.
Esta planta possui uma única folha, entre linear a largamente lanceolada, e uma haste floral com 5 a 30 cm. Floresce entre fevereiro e março e as suas flores são campanulada e azuladas e surgem dispostas em cachos de 4 a 12 flores.
Por sua vez, a cila-do-peru (Scilla peruviana), também conhecida por cila-portuguesa, é uma espécie nativa do sul de Portugal. É aí que podemos vê-la em maior abundância, mas conseguimos também encontrá-la mais a norte, sobretudo na região Centro.
As folhas desta planta são lineares, compridas, e surgem da base em conjuntos de 5 a 15. A haste floral tem cerca de 15 a 40 cm de altura e forma uma inflorescência densa em forma de corimbo, multifloral, com 40 a 100 flores azuis-violeta escuras, que florescem entre março e maio.
Já nas zonas montanhosas do norte e centro de Portugal ocorre principalmente uma outra planta do mesmo género: a Scilla ramburei, que pode surgir de modo pontual mais a sul. Esta planta tem preferência por locais húmidos e está muitas vezes associada a comunidades de vegetação higrófila.
Esta espécie possui um escapo com cerca de 10 a 60 cm de altura, flores campanuladas, azul-violáceas, dispostas em cachos com 25 a 45 flores. A floração ocorre entre abril e junho. As folhas surgem da base, são finas, cinza-esverdeadas, lineares a lanceoladas e agrupadas em conjuntos de 3.
Quanto à cila-de-primavera (Scilla verna) – ou spring squill como é conhecida nas ilhas britânicas – é uma das outras espécies nativas em Portugal. Podemos encontrá-la nalgumas regiões do Norte e Centro.
Trata-se de uma planta pequena, com folhas longas e finas, que surgem da sua base agrupadas em conjuntos de 2 a 7. A floração ocorre entre abril e maio. A haste floral atinge geralmente de 5 a 15 cm de altura e as flores, azul-violeta, surgem em cachos de 2 a 12 flores.
Outra espécie de cila que também surge de forma espontânea em Portugal Continental, mas tem uma origem um pouco controversa, é chamada de mosqueira (Scilla hyacinthoides). Alguns autores sugerem que terá sido introduzida na Península Ibérica, tendo-se naturalizado.
Esta espécie floresce de fevereiro a maio e forma uma roseta de folhas de onde surge ao centro uma haste floral piramidal, com 50 a 80 cm de altura. As flores são estreladas, roxo-azuladas, e surgem agrupadas em conjuntos de cerca de 100 flores.
Por fim, diferente de todas as outras é a cila-de-outono (Scilla autumnalis): é a única espécie do género que floresce, tal como o nome indica, no outono – entre os meses de setembro e outubro. Tem uma distribuição alargada, podendo encontrar-se um pouco por todo o país.
A haste floral da cila-de-outono mede entre 10 a 15 cm de altura, e surge geralmente antes das folhas. Quanto às flores, surgem em cachos de 3 a 15 flores, de cor azul ou violeta, com uma nervura central ligeiramente mais escura. As folhas são basais, lineares e em número variável.
Este género é sem dúvidas muito comum em Portugal e as espécies muito parecidas, no entanto existem algumas características que facilitam a sua distinção.
Scillas há muitas, mas todas são únicas. Aproveitem o sol e explorem a natureza, procurem estas pequenas flores e tentem descobrir de que espécie se trata.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Bolbosa – planta que produz um bolbo
Túnica – membrana que reveste o bolbo
Lanceolada – forma da folha é semelhante a uma lança
Actinomorfa – flor com simetria radial, ou seja, a flor pode ser dividida em várias partes iguais
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames)
Tépala – peça floral não diferenciada em pétala ou sépala
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada
Pedicelo – “pé” que sustenta a flor
Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita
Corimbo – inflorescência em que as flores se elevam mais ao menos ao mesmo plano, ainda que os seus “pés” possam ter tamanhos diferentes
Vegetação higrófila – vegetação adaptada a ambientes húmidos
Escapo – Haste floral
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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