Foto: Vladimir Bryukhov/Biodiversity4All

O que procurar na Primavera: a bétula

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Na Primavera, as bétulas “brindam-nos com as suas flores que, embora pouco vistosas, criam um ambiente natural de rara beleza”, conta-nos Carine Azevedo sobre estas árvores elegantes.

As bétulas são das árvores mais bonitas da floresta portuguesa.

Independentemente da estação do ano, estas árvores destacam-se pela sua folhagem que se transforma ao longo das estações, bem como pela casca prateada muito decorativa e inconfundível, que facilita a sua identificação.

Foto: Valentin Kosterin/Biodiversity4All

Na primavera, estas árvores elegantes brindam-nos com as suas flores que, embora pouco vistosas, criam um ambiente natural de rara beleza.

Escrever sobre estas espécies é difícil, já que existe alguma controvérsia na sua identificação, uma vez que possuem características morfológicas muito semelhantes. Segundo alguns especialistas, em Portugal apenas ocorrem espontaneamente:

– a bétula-pendula (Betula pendula)

– a bétula-portuguesa (Betula pubescens subsp. celtiberica)

– a bétula-branca (Betula pubescens subsp. pubescens)

Outros salientam que são pertencentes a diferentes espécies. Há também quem diga que em Portugal ocorre apenas uma espécie nativa.

Além disso, todas partilham alguns nomes comuns, podendo ser conhecidas como bétula, bidoeiro, vidoeiro, bédulo, vidoeiro-branco, entre outros.

Se forem especialistas e quiserem participar na discussão, deixem o vosso comentário, e ajudem a esclarecer cada um destes pontos de vista.

A Bétula

As bétulas pertencem à família Betulaceae, que inclui cerca de 170 espécies lenhosas, distribuídas por seis géneros botânicos.

Em Portugal, esta família está representada por três géneros botânicos: Alnus, Corylus e Betula, que incluem algumas espécies nativas bem conhecidas como o amieiro (Alnus glutinosa) e a aveleira (Corylus avellana).

Na Madeira e nos Açores, não há registo de espécies nativas desta família.

A bétula (Betula pubescens subsp. pubescens) é uma árvore de médio porte, que pode alcançar os 10 a 15 metros de altura, raramente vai até aos 20 metros.

Possui um tronco reto, não muito largo, curto e pouco ramificado, com copa piramidal nos indivíduos mais jovens, que se torna arredondada nos exemplares adultos. Os ramos dispõem-se na horizontal e os raminhos são pendentes.

Os ramos jovens são muito peludos e podem ou não possuir glândulas resinosas amareladas.

A casca é lisa, cinza-esbranquiçada, opaca e finamente marcada com lenticelas horizontais escuras nos exemplares adultos.

A bétula é uma espécie de folha caduca. As folhas são verdes, simples, glabras e viscosas. São romboides ou rombóide-ovadas, com margem irregularmente dentada ou mais raramente, duplamente serrada, agudas no ápice e com um pecíolo bem desenvolvido.

Foto: François-Xavier Taxil/Biodiversity4All

A página-superior das folhas apresenta um tom verde médio e a página-inferior é esparsamente pubescente sobre as nervuras, o que lhes confere um tom verde esbranquiçado. No outono, antes de caírem, assumem tons dourados.

A floração ocorre na primavera, entre abril e maio, e as flores formam-se antes das folhas.

Tal como acontece com outras espécies da família Betulaceae, a bétula é uma espécie mónoica – as flores são unissexuais, e na mesma árvore ocorrem flores masculinas e femininas.

As flores são diminutas e surgem agrupadas em inflorescências. As flores masculinas são amarelo-alaranjadas e as inflorescências são compridas e ocorrem pendentes na extremidade dos raminhos. As femininas são esverdeadas ao início, tornando-se mais tarde acastanhadas, e ocorrem nas axilas das folhas.

A maturação dos frutos ocorre entre julho e setembro. O fruto é na verdade uma infrutescência cilíndrica e pendente, formado por vários aquénios.

O aquénio é um fruto minúsculo, seco, indeiscente e monospérmico. Cada aquénio é provido de duas asas laterais iguais, muito largas e pardas, que facilitam a sua disseminação pelo vento a longas distâncias.

Origem e condições ambientais

A Betula pubescens subsp. pubescens é uma espécie nativa de quase toda a Europa e também ocorre nas regiões do centro e sul da Ásia.

Em Portugal Continental ocorre espontaneamente quase exclusivamente nas terras altas do Norte e Centro, como na Serra do Gerês, Montesinho e Estrela, preferencialmente próximo dos cursos de água.

Esta espécie tem preferência por uma exposição solar plena, solos profundos, frescos e ricos em matéria orgânica, podendo no entanto tolerar solos pobres  e ácidos. Requer humidade atmosférica alta durante a maior parte do ano.

A bétula é bastante rústica, adapta-se bem à altitude, é resistente ao frio intenso, a ventos fortes e às geadas, mas não tolera a exposição marítima.

Foto: Tatiana Strus/Biodiversity4All

É uma árvore de crescimento relativamente rápido, considerada uma espécie pioneira e conhecida como “árvore generosa”, uma vez que, além de melhorar as condições do solo, garante a sombra necessária para que outras espécies mais exigentes se consigam estabelecer, como por exemplo os carvalhos.

Por possuir tão valiosas propriedades, foi amplamente cultivada pelos serviços florestais nas montanhas portuguesas. Os bosques dominados por estas árvores são conhecidos como vidoais.

Ecologicamente importante

A bétula é também muito apreciada pela fauna selvagem. Esta árvore fornece alimento e habitat a mais de 300 espécies de insetos, incluindo traças, pulgões, joaninhas, entre outras.

Estas árvores também são muito procuradas por inúmeros passeriformes, nomeadamente o chapim-real (Parus major), o chapim azul (Parus caeruleus), o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus) e o rabirruivo (Phoenicurus ochruros), e por algumas aves de rapina, como a águia-de-asa-redonda (Buteo buteo) e o açor (Accipiter gentilis), que as usam para se alimentarem, nidificar e descansar.

Chapim-azul. Foto: Ann/Pixabay
Águia-de-asa-redonda. Foto: Loz B. Tettenborn/WikiCommons

Alguns mamíferos, nomeadamente cervídeos, como o corço (Capreolus capreolus) e o veado (Cervus elaphus) e certos roedores, como o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), a lebre-comum (Lepus europaeus), o rato-d´água (Arvicola sapidus), o rato-do-campo (Microtus sp.), entre outros, alimentam-se das folhas jovens destas árvores.

A folhagem abundante produzida por estas árvores constitui também uma importante fonte de biomassa para os cursos de água, fornecendo nutrientes a inúmeros seres vivos, nomeadamente zooplâncton e macroinvertebrados aquáticos (larvas de insetos) que vivem nesses meios e que constituem elementos chave em cadeias tróficas, que culminam com a truta (Salmo trutta) e a toupeira-de-água ​(Galemys pyrenaicus).

Lebre (Lepus europaea). Foto: Visaswises/Wiki Commons

Árvore nativa de beleza incomparável

A beleza natural da bétula também pode ser apreciada em meio urbano, em jardins e outros espaços verdes, tanto públicos como particulares, de forma isolada ou em pequenos núcleos.

É uma planta ornamental, impressionante em qualquer época do ano, quer pelas suas folhas que mudam de verde-brilhante, na primavera e no verão, para tons dourados no outono, quer pela casca do tronco, quase branco, que transformam esta árvore nativa num espetáculo natural único, além de proporcionar uma sombra densa e luminosa durante o verão.

Além de ornamental, esta espécie fornece muitos outros produtos úteis:

A sua madeira é clara, branco-rosada ou amarelada, homogénea, dura, resistente e de grão fino. É utilizada em tornearia e marcenaria, no fabrico de pipas e caixas, embora seja pouco aproveitada em Portugal.

A seiva desta árvore, obtida por incisão do tronco antes que brotem as folhas, possui propriedades diuréticas, antirreumáticas, anti-inflamatórias, antissépticas e adstringentes, sendo muito comum a sua aplicação na medicina popular no tratamento de inflamações do sistema urinário, por exemplo.

A nível externo, a seiva pode ser usada sob a forma de pomada, no tratamento de acne, psoríase e outros eczemas.

As folhas jovens e frescas são ricas em flavonoides, vitamina C e sais minerais, e são empregues no tratamento de edemas, gota e obesidade.

Foto: Vladimir Bryukhov/Biodiversity4All

Nalguns países do norte da Europa, as folhas jovens e frescas da bétula são usadas, cruas ou cozinhadas, em saladas. A seiva, após processo de fermentação alcoólica, é transformada numa bebida de sabor agradável, gaseificada, semelhante à cerveja – “birch beer” (“cerveja de bidoeiro”).

Na antiguidade, a parte interna, fina e quase transparente da casca da bétula, e que chamavam librum, era utilizada no fabrico do “pergaminho de bétula” que servia para escrever. Esta designação em latim daria mais tarde origem à palavra livro.

Mitologia e simbolismo

A origem etimológica da denominação científica desta espécie é incerta.

Para alguns autores, o nome do género Betula deriva do latim betulla ou betŭla, que deriva do celta betu, e que diz respeito ao nome dado pelos celtas a estas plantas. Já para outros, a origem do termo genérico pode derivar de beto, o nome gálico dado à seiva que é extraída destas árvores.

Segundo outros autores, esta denominação poderá proceder do termo batuo, que significa “castigar”, pois os seus ramos eram amplamente usados por mestres, magistrados e professores para açoitar os mais rebeldes. É por este motivo que a bétula é vista como “árvore da sabedoria”.

Foto: Tatiana Strus/Biodiversity4All

Em inglês, por exemplo, a bétula é conhecida como birch, que significa bater ou açoitar.

O restritivo específico pubescens deriva do latim pubesis e significa “coberto de pelos, peludo, pubescente, fofo.”

Na mitologia celta, a bétula estava ligada ao solstício de inverno, como símbolo de renovação, purificação e esperança. Os ramos desta árvore eram usados ​​para expulsar os maus-espíritos do ano velho, e os jardineiros faziam vassouras com os seus ramos para “purificar” os seus jardins. 

Os Romanos atribuíam-lhe o dom do amor e da fertilidade. Para outros povos, as bétulas muito antigas eram consideradas moradas de duendes.

As bétulas convidam-nos a contemplar a sua beleza majestosa, em harmonia com a natureza, num passeio pelas altas montanhas do nosso país ou pelos jardins das nossas cidades.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Glândula – estrutura capaz de produzir uma secreção.

Lenticela ou Lentícula – saliência, circular, oval ou alongada, no tecido suberoso do caule que permite trocas gasosas entre o interior e o exterior da planta e que se formam geralmente associadas a estomas.

Glabra – sem pelos.

Romboide ou romboidal – folha com a forma aproximada de um losango.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.

Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos (carpelos) ou masculinos (estames).

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Infrutescência – reunião de frutos provenientes de flores dispostas em inflorescências.

Aquénio – fruto seco, indeiscente e monospérmico.

Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.

Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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