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Takahe. Foto: Albert Aanensen

Histórias de verdadeiras fénix

23.03.2017

Se a Austrália reina nos renascimentos de mamíferos, a sua vizinha Nova Zelândia é ímpar nos renascimentos de aves. Nesta crónica vamos encontrar verdadeiras fénix, aves que se reergueram das cinzas em histórias fascinantes.

 

Continuando pela Oceânia, chegam-nos duas histórias de aves bem diferentes. Comecemos pela Fregetta maoriana, uma pequena ave marinha com 18 cm de comprimento e 35 gramas de peso.

Gregory Mathews foi o responsável pela primeira descrição da espécie. Ornitólogo amador australiano, fez a sua fortuna investindo em acções de empresas mineiras. Emigrou para Inglaterra em 1900 e escreveu vários volumes sobre as espécies de aves da Austrália, incluindo aves da Nova Zelândia.

Na sua descrição, baptizou-a de Pealeornis maorianus, nome que foi posteriormente considerado sinónimo de Oceanites maorianus por Walter Oliver, um naturalista e ornitólogo neozelandês. O nome acabou por ser mais tarde alterado para o actual Fregetta maoriana, após estudos genéticos realizados em 2011 colocarem a espécie mais próxima do género Fregetta.

A descrição de Mathews foi feita a partir de um espécime no Museu de História Natural em Tring, antigo museu privado, hoje sob o controlo do Museu de História Natural de Londres. A espécie descrita foi declarada como extinta desde meados do século XIX, dado não existirem quaisquer avistamentos.

Mas o início do século XXI trouxe novidades importantes sobre a pequena ave. Em 2003, um grupo de apaixonados pela observação de aves, nos quais se incluía Sav Saville, operador de uma empresa de birdwatching, e Brent Stephenson, um fotógrafo de vida selvagem, afirmaram ter avistado a espécie junto às ilhas Mercury, no Nordeste da Nova Zelândia.

 

Fregetta maoriana. Foto: Philip Griffin

 

Numa primeira instância, a Sociedade de Ornitologia da Nova Zelândia mostrou-se céptica, pois as fotos apresentadas não permitiam ter a certeza de se tratar da espécie descrita por Mathews. Mas novos avistamentos em 2005 e 2006, acompanhados por fotos que não deixavam quaisquer dúvidas, convenceram as autoridades e transformaram esta ave marinha numa verdadeira fénix, renascida mais de 150 anos após o seu desaparecimento.

A população actual da Fregetta maoriana é desconhecida. Provavelmente é inferior a 100 indivíduos, o que a coloca como Criticamente em Perigo na lista da UICN. A sua alimentação é composta principalmente de crustáceos que captura mergulhando no mar. A reprodução ocorre em pequenas ilhas circundantes à Nova Zelândia e os primeiros ninhos foram descobertos em 2013, seguindo aves marcadas com radar.

 

Uma cria de Fregetta maoriana. Foto: Alan Tennyson

 

O declínio da espécie, que levou à convicção de que estaria extinta, deveu-se provavelmente à introdução de ratos e gatos nas mais diversas ilhas da Oceânia. A ilha Little Barrier, onde os ninhos foram recentemente encontrados, encontra-se livre de espécies introduzidas como as referidas, o que, caso se mantenha, deverá permitir a F. maoriana recuperar progressivamente.

Dos acrobáticos voos de uma ave marinha, descemos ao chão para conhecer uma outra que é incapaz de voar, o Takahe. A incrível história desta curiosa ave mostra que não fazem falta grandes voos para se ser uma fénix. Basta muita resiliência e espírito de sacrifício.

Descrita em 1883 por Adolf Meyer, que entre outras ocupações, foi um ornitólogo alemão, os últimos avistamentos de Porphyrio hochstetteri ocorreram em 1898. Foi redescoberta 40 anos mais tarde por um médico neozelandês cujo hobby era passear nas florestas e que acreditava piamente que a pequena ave estaria ainda viva.

 

Takahe. Foto: Sabine Bernert

 

Geoffrey Orbell definia as zonas onde se dedicava a procurar o Takahe e foi recompensado com a sua perseverança e crença em 1948, quando o encontrou próximo do lago Te Anau. Foi assim que, provavelmente pela primeira vez na História, um médico ressuscitou uma ave.

O desaparecimento por quase meio século do Takahe está associado à acção humana. Mas esta ave já lida com a luta pela sobrevivência há muito mais tempo, e a sua história de declínio não se limita a causas antropogénicas.

O final do último período glaciar levou a alterações do habitat preferencial do Takahe, as regiões pantanosas e de pradaria alpinas da Nova Zelândia. Estas mudanças causaram o primeiro grande declínio na população da espécie, que desde então tem vivido uma luta constante pela sua continuidade.

A mão humana entra pela primeira vez na história heróica do Takahe por volta dos séculos X a XII, aquando da chegada dos polinésios à Nova Zelândia. Além de terem trazido consigo cães e ratos, estes primeiros colonizadores caçavam também o Takahe como parte integrante da sua dieta.

 

Foto: Wiki Commons

 

Por fim, com chegada dos europeus no século XIX, o Takahe foi levado quase à extinção.

Desta vez, além de caçado, esta ave foi posta à prova com outros desafios. À introdução de arminhos, que se juntaram aos cães e ratos, bem como a introdução de veados, que trouxeram competição pelo alimento, juntou-se a transformação das regiões pantanosas que ainda existiam em regiões agrícolas, forçando a ave a deslocar-se para as pradarias alpinas a maiores altitudes.

O Takahe é o maior da sua família (Rallidae), com 50 cm de altura e um peso médio de 2,7 kg nos machos e 2,3 kg nas fêmeas. Alimenta-se das partes tenras da vegetação rasteira e pode comer alguns insectos. Geralmente vive até aos 14 ou 15 anos, embora em cativeiro tenha já ultrapassado os 20 anos.

 

Foto: Wiki Commons

É monógamo, mas a grande curiosidade da reprodução da espécie encontra-se no auxílio que muitas vezes as crias do ano anterior dão na postura seguinte. Frequentemente ficam com os progenitores até aos 18 meses de idade, participando activamente na criação dos novos rebentos.

A reprodução desta espécie é lenta: levam 2 a 3 anos a atingir a maturidade sexual. Põem entre 1 e 3 ovos, e apesar de terem uma boa taxa de sucesso reprodutivo, existem já diversos projectos de auxílio à reprodução.

Em 2013 foram contados 263 exemplares na Nova Zelândia. Lentamente a espécie está a recuperar. Mas só o tempo o dirá…

 

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Sobre o autor:

Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.

Desde Fevereiro este investigador escreve para a Wilder sobre as Espécies Lázaro. Pode ler e reler aqui a sua série de crónicas “Extintas por engano”.

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