As estratégias das plantas: crescer devagar para viver muito

24.04.2025

Saiba como as plantas aprenderam a não ter pressa e a crescer devagar para chegar mais longe, neste novo artigo da série botânica dedicada às extraordinárias estratégias das plantas, em Portugal e no mundo.

Nem todas as plantas têm pressa. Algumas florescem e morrem no espaço de poucos meses, outras apostam numa estratégia muito diferente. Imagine uma árvore que cresce tão devagar que, durante décadas, quase não se nota diferença. Resiste ao vento, ao fogo, à seca. Algumas vivem tanto tempo que testemunham o mundo a mudar à sua volta — e continuam, silenciosamente, a crescer. 

Esta é mais uma das estratégias das plantas: crescer devagar para viver muito.

O tempo como aliado

No reino vegetal, crescer depressa pode ser vantajoso — mas nem sempre é a melhor opção. Algumas espécies, em vez de apostarem em flores vistosas ou sementes que voam com o vento, descobriram ao longo da evolução que a paciência compensa e investiram noutra táctica: a longevidade. Esse crescimento lento e contínuo permite-lhes desenvolver estruturas sólidas, tecidos resistentes e mecanismos de regeneração notáveis, capazes de atravessar décadas, séculos e até milénios. 

Ao crescerem lentamente, estas árvores não se esgotam em ciclos curtos, tornando-se presenças marcantes na paisagem, resistindo à passagem do tempo com uma serenidade quase infinita. Algumas árvores tornaram-se mais do que simples seres vivos, criando ecossistemas próprios e influenciando tudo o que cresce e vive ao seu redor. O tempo, longe de ser apenas uma medida, é o seu maior aliado na conquista do espaço. 

Como conseguem viver tanto tempo?

A longevidade das árvores não é um acaso. É o resultado de estratégias altamente eficazes. Em vez de apostarem tudo num crescimento rápido ou numa reprodução intensiva, algumas espécies optam por uma construção paciente: troncos espessos, madeira densa, raízes profundas e uma arquitetura pensada para resistir. Crescem pouco a cada ano, mas fortalecem-se a cada estação que passa.

Quando nos aproximamos de uma árvore antiga, o seu tronco imponente transmite uma sensação de solidez inabalável, como se fosse parte do próprio chão que pisamos. Cada fenda na casca, cada ramo, parece contar uma história. Há algo quase mágico na sua presença – sentimos que ela sabe muito mais do que nós, por ter observado em silêncio o que se passou à sua volta ao longo de séculos, coisas que só conhecemos através dos livros que lemos e das imagens que construímos na nossa imaginação.

Essas árvores desenvolveram mecanismos únicos de regeneração: conseguem isolar partes doentes ou danificadas, produzir novos tecidos e resistir a agentes patogénicos com defesas químicas sofisticadas. Muitas também desenvolveram adaptações extraordinárias para suportar condições extremas – secas prolongadas, frios intensos ou até incêndios frequentes.

Uma estratégia de paciência

Algumas vão ainda mais longe. O abeto conhecido como “Old Tjikko”, na Suécia – uma Picea abies – regenera-se a partir das suas raízes e está vivo há quase 10 mil anos.

Old Tjikko. Foto: Karl Brodowsky/WikiCommons

Já nos Estados Unidos, a colónia de choupos (Populus tremuloides) “Pando” recorre à clonagem para se perpetuar. É considerada uma das mais antigas formas de vida do mundo, com uma idade estimada superior a 80 mil anos.

Mas não precisamos de ir tão longe. Em Portugal, o sobreiro (Quercus suber) é mestre em resistência. A sua casca espessa — a cortiça — serve como defesa natural contra o fogo, as pragas e as doenças e permite-lhe regenerar-se ao longo dos séculos.

O carvalho-alvarinho (Quercus robur) é outro exemplo; cresce devagar, mas torna-se imponente com o tempo. O carvalho de Calvos, em Braga – com cerca de 700 anos, 29 metros de altura e cerca de 34 metros de diâmetro de copa – é um testemunho vivo dessa estratégia de resistência e paciência, e é considerado o mais antigo do país.

O castanheiro de Vales (Castanea sativa), em Vila Pouca de Aguiar, é outro “colosso vegetal” nacional. Com cerca de 21 metros de altura, 14 metros de perímetro de tronco e mais de mil anos, é um dos exemplares mais impressionantes da nossa flora. 

Oliveira de Mouchão, Abrantes. Foto: João Pinheiro/WikiCommons

Além disso, as oliveiras centenárias espalhadas pelo sul de Portugal, como a icónica Oliveira de Mouchão, em Abrantes – com mais de 3000 anos – são testemunhos de séculos de história e cultura. 

Guardiãs do tempo: árvores que desafiam o tempo

Algumas destas árvores desafiam até o próprio conceito de tempo. Vivem há milhares de anos e continuam a crescer lentamente, como se nada as pudesse deter. Alguns dos exemplos mais impressionantes são:

  • O Methuselah, um pinheiro-de-Bristlecone (Pinus longaeva), localizado nas Montanhas Brancas da Califórnia, é o organismo não clonal mais antigo do mundo, com cerca de 4.850 anos. Sobrevive num clima extremo, em altitudes elevadas e em solo pobre, onde poucas outras espécies conseguem viver.
  • A General Sherman, uma sequóia-gigante (Sequoiadendron giganteum), localizada no Sequoia National Park, na Califórnia, é o maior ser vivo individual terrestre do planeta. O seu volume ultrapassa os 1.480 m³ e estima-se que tenha mais de 2.200 anos de idade.
  • O baobá africano (Adansonia digitata) é outro exemplo fascinante. O seu tronco é um verdadeiro reservatório de água, podendo armazenar até 120 litros, o que lhe permite sobreviver a longos períodos de seca. Alguns exemplares vivem há mais de 1500 anos.
Baobá africano. Foto: Diego Delso/WikiCommons
  • O Tejo Milenar de Tortosa, em Espanha, é um dos teixos (Taxus baccata) mais antigos da Europa. Com mais de dois mil anos de idade, continua a produzir folhas novas todos os anos, uma prova viva da longevidade desta espécie. 
  • Na floresta amazónica, os castanheiros-do-brasil (Bertholletia excelsa) destacam-se pela sua longevidade, que pode ultrapassar os mil anos, mas também pelo importante papel na regeneração da floresta primária.

Estes gigantes discretos da natureza não são só recordistas de idade ou tamanho – são a memória viva da vida na Terra. 

Mesmo os gigantes têm limites

Na Serra de Sintra, onde algumas árvores antigas ainda se erguem com imponência, a passagem do tempo é quase visível nas formas retorcidas dos troncos, nas raízes expostas, nas cicatrizes que acumulam décadas de história. É impossível caminhar por certos trilhos sem sentir a presença silenciosa desses seres monumentais. 

Jardim de Monserrate, Serra de Sintra. Foto: Carine Azevedo

No entanto, em março de 2025, a tempestade Martinho varreu o país e deixou marcas profundas também aqui. Inúmeras árvores centenárias tombaram, outras perderam grandes ramos.

Ver um desses gigantes no chão é um choque: um ser que parecia eterno, agora deitado no solo como se tivesse sucumbido num gesto final de rendição. Como é possível que algo que levou séculos a formar-se desapareça num só instante?

Serra de Sintra. Foto: Carine Azevedo

Também em 2018, a passagem do furacão Leslie causou destruição significativa em Portugal, afetando locais emblemáticos como a Mata Nacional do Bussaco e o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, onde se perderam árvores centenárias de elevado valor patrimonial e científico.

A queda de uma árvore antiga não é apenas uma perda ecológica — é também uma perda simbólica.  São organismos que levaram séculos a formar-se e que desaparecem num instante – mais do que simples seres vivos com uma longa história, são fontes de memória ecológica, cultural e simbólica. A sua perda não afeta apenas o ambiente mas apaga também fragmentos da história local e a identidade cultural dos lugares.

Memória viva do planeta

E talvez por isso a sua presença nos pareça tão valiosa. Porque nos lembram que a natureza não é apenas feita de ciclos rápidos e explosões de vida. Às vezes, é feita de silêncio, lentidão e permanência. 

Cada anel de crescimento pode guardar a memória de uma seca antiga. Uma ferida no tronco pode contar a história de um raio caído há várias gerações. 

Serra de Sintra. Foto: Carine Azevedo

As árvores são arquivos vivos, bibliotecas silenciosas, onde o tempo se escreve na madeira. Cada árvore antiga é um testemunho da história e pode ser vista como símbolo de sabedoria, força e continuidade. Representa a paciência e a resiliência da natureza — pontes vivas entre o passado e o futuro.

Ver para lembrar

As árvores antigas estão por todo o lado — em jardins, praças, trilhos e caminhos que percorremos todos os dias sem reparar. São presenças discretas, mas carregadas de história. Talvez não falem, mas têm muito para contar.

Se aprendermos a olhar com mais atenção, com olhos de ver, podemos descobrir essas histórias guardadas nas sombras, nas folhas, nas formas que o tempo esculpiu com paciência.

Estas árvores estão cá há muito tempo, mas não ficarão para sempre. Saber reconhecê-las, valorizá-las e protegê-las é também uma forma de cuidar da memória do lugar — antes que desapareçam, levando consigo memórias que já ninguém poderá recuperar.


Se quiser aprender mais sobre plantas e a sua importância nos jardins e no ambiente, recomendo explorar alguns dos artigos da série “Abra espaço para a natureza”. No texto Como criar um jardim para borboletas? descubra espécies específicas que ajudam a atrair e a sustentar estes polinizadores essenciais. Já no artigo Como criar um jardim para a vida selvagem? encontra algumas práticas que incentivam a presença de fauna diversa no jardim. E se a curiosidade for por plantas carnívoras, o texto Como ter um jardim num apartamento: plantas carnívoras oferece uma abordagem prática para cultivar estas espécies mesmo em espaços reduzidos. Estas leituras complementares mostram como pequenas escolhas no planeamento de jardins podem ter impactos significativos na biodiversidade e na qualidade de vida, promovendo uma relação mais harmoniosa entre o ser humano e a natureza.

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