Pilritos-de-peito-preto. Foto: Sara Moreira

Hélder vai todos os meses contar as aves da Óbidos. Desta vez fomos com ele

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Pilritos, flamingos, seixoeiras e muitas outras aves encontram alimento e abrigo na Lagoa de Óbidos. A Wilder acompanhou um dia de contagens de aves na maior lagoa costeira do país, no âmbito do projeto BioLagoa de Óbidos.

Através da lente do telescópio, é possível observar detalhadamente um pilrito-de-peito-preto, também conhecido como pilrito-comum, (Calidris alpina), que procura alimento no substrato da Lagoa de Óbidos. Está perto da margem, onde a baixa profundidade da água lhe permite capturar invertebrados aquáticos.

Pilrito-de-peito-preto. Foto: Hélder Cardoso

A olho nu, é difícil precisar as ações do indivíduo, pois está rodeado por uma centena de aves da mesma espécie. Alguns pilritos-de-peito-preto levantam voo, impulsionando o resto do grupo. Rapidamente, o bando inteiro paira sobre a lagoa. 

Indiferentes à movimentação, as outras 26 espécies de aves aquáticas que se encontram nesta zona continuam as suas atividades. Algumas procuram alimento, outras dormem com o bico debaixo da asa. Existem espécimes que se encontram sozinhos, por exemplo, a seixoeira, e outros integram um grupo pequeno, como é o caso do flamingo-comum (12 indivíduos). Quanto aos grupos de maiores dimensões, o bando de pilritos-de-peito-preto (101 indivíduos) é seguido pelos guinchos-comuns, Chroicocephalus ridibundus, (60 indivíduos) e pelos colhereiros, Platalea leucorodia, (39 indivíduos).

É 16 de Janeiro e estamos a acompanhar Hélder Cardoso, ornitólogo e guia especialista em observação de avifauna, na monitorização mensal das aves desta Lagoa.

Colhereiro. Foto: Hélder Cardoso

A monitorização destas espécies é feita pelo BioLagoa de Óbidos, um projeto que estuda a biodiversidade da Lagoa de Óbidos e contribui para a sua conservação.

A metodologia consiste numa contagem mensal, efetuada em seis pontos estratégicos: Aberta, Lapinha, Braço do Bom Sucesso, Poça do Vau, Foz do Rio Real e Braço da Barrosa. Desde o início do projeto, em janeiro de 2022, já foram contabilizados 22 887 indivíduos e identificadas 63 espécies diferentes. 

O BioLagoa de Óbidos nasceu da colaboração entre a Associação PATO, uma organização não governamental de ambiente que luta pela preservação e recuperação ecológica do Paul de Tornada, e Hélder Cardoso. Este projeto conta com o apoio do Município de Óbidos, do Município de Caldas da Rainha e da empresa Águas do Tejo Atlântico, responsável pelo projeto de despoluição da bacia hidrográfica da lagoa.

Além da vertente científica, o BioLagoa de Óbidos tem uma componente de educação ambiental, dinamizando regularmente atividades dirigidas ao público em geral e à comunidade escolar. Além disso, o site do projeto contém informações sobre várias espécies de aves, nomeadamente no que diz respeito ao seu estatuto de conservação em Portugal, ao período de ocorrência e à frequência na Lagoa de Óbidos. Dados imprescindíveis para quem quer visitar o local para observação de aves e para quem procura aprofundar os seus conhecimentos sobre o tema.

Observatório. Foto: Sara Moreira

A Lagoa de Óbidos faz fronteira com os concelhos de Óbidos e de Caldas da Rainha e é o sistema lagunar mais extenso da costa portuguesa. Com uma área total aproximada de 6,9 km2, apresenta uma profundidade variável entre 0,5 e 5 metros. A lagoa é composta por dois braços, o Braço do Bom Sucesso (a oeste) e o Braço da Barrosa (a leste), e por duas poças, a Poça do Vau (a oeste) e a Poça das Ferrarias (a sul). A sua comunicação com o mar ocorre na praia da Foz do Arelho, através de um canal vulgarmente denominado de “Aberta”, que assegura as trocas de água e de sedimentos. A lagoa recebe também água doce proveniente de cursos de água, sendo o Rio Real, o Rio Arnoia e o Rio da Cal os seus principais afluentes. 

Trata-se de um habitat de elevada importância, pois dele dependem várias espécies, algumas ameaçadas. Em relação à avifauna, são exemplos o colhereiro e o caimão (Porphyrio porphyrio), aves residentes que têm o estatuto de conservação vulnerável, a garça-vermelha (Ardea purpurea), uma espécie estival ameaçada, e o combatente (Calidris pugnax), um migrador de passagem em perigo. Esta última espécie insere-se no grupo das aves limícolas, que são características das zonas húmidas e têm patas e bicos adaptados para viver e procurar alimento em terrenos lamacentos e arenosos. 

Na torre de observação da Foz do Rio Real

A torre de observação da Foz do Rio Real, construída em madeira, fornece uma visão ampla da lagoa e das áreas adjacentes. Esta é uma das melhores zonas da Lagoa de Óbidos para observar aves aquáticas.

Existem outros observatórios mas, segundo o Relatório 2022/2023 do BioLagoa de Óbidos, este foi o ponto de contagem onde se registou uma maior diversidade de espécies e um maior número de indivíduos, seguido do Braço da Barrosa. As espécies mais registadas neste posto foram a gaivota-de-cabeça-preta (Ichthyaetus melanocephalus), o guincho-comum e o galeirão-comum (Fulica atra).

Flamingos. Foto: Sara Moreira

Após contabilizar 15 maçaricos-reais, a espécie representada no logotipo do BioLagoa de Óbidos, Hélder Cardoso insere os dados na aplicação eBird. Desenvolvida pelo Cornell Lab of Ornithology, esta plataforma permite aos utilizadores registarem, armazenarem e partilharem as suas observações de aves. As informações são adicionadas a uma base de dados global, de livre acesso, contribuindo para estudos e investigações sobre aves em todo o mundo. 

De modo semelhante, os resultados do estudo do BioLagoa de Óbidos são disponibilizados online, no próprio site. O relatório referente aos anos de 2022 e 2023 indica todas as espécies observadas e o número de indivíduos registados ao longo dos meses por ponto de contagem.  “Como é um projeto recente, ainda não é legítimo retirar conclusões relativas à evolução populacional das espécies”, explica Hélder. “No entanto, com o avançar do tempo, será possível distinguir a variabilidade natural de mudanças estruturais, permitindo, se necessário, a criação das medidas de conservação apropriadas”.

À medida que o relógio avança, aparecem cada vez mais transeuntes. Um jovem que faz uma corrida, outro que anda de bicicleta, uma senhora que caminha e um casal que passeia os quatro cães. A Foz do Rio Real é uma zona de fácil acesso, onde é permitido estacionar. Pode-se optar por usufruir do parque de merendas, observar a paisagem ou realizar um dos percursos terrestres. Existem indicações para os percursos PR4-Ecovia da Lagoa e PR6-Trilho dos Patos Reais. 

Este cenário é semelhante noutras áreas da Lagoa de Óbidos pois, nos últimos anos, têm sido tomadas medidas para promover o turismo de natureza, respeitando a biodiversidade. Por exemplo, a criação do CILO-Centro de Interpretação Da Lagoa de Óbidos, inaugurado em 2022. Para além de indicar aos visitantes os melhores locais a explorar, o Centro disponibiliza informações sobre o património histórico, cultural e natural da lagoa, sensibilizando o público para a importância da sua preservação.

Placar com informação sobre a Lagoa de Óbidos. Foto: Sara Moreira

A Lagoa de Óbidos ainda não é considerada uma Área de Paisagem Protegida de Âmbito Regional. O dossier técnico, elaborado pela Associação PATO, foi concluído em 2006, mas o processo nunca avançou. Existe, no entanto, uma outra candidatura, já submetida, que aguarda a aprovação oficial. 

Em 2022, com o apoio das Câmaras de Óbidos e das Caldas da Rainha, a Associação PATO preparou o dossier de candidatura para a classificação da Lagoa de Óbidos a Zona Húmida de Importância Internacional. Estas zonas, também designadas por Sítios Ramsar, são de grande importância para a conservação de aves aquáticas e de peixes, pois suportam várias espécies em fases críticas do seu ciclo de vida. Esta classificação não concede ao local um estatuto de proteção, mas atribuiu reconhecimento internacional.

A contagem de aves continua na Praia da Lapinha, onde solo arenoso está repleto de conchas de ameijoa e berbigão. Os bivalves, abundantes na lagoa, servem de alimento para outras espécies e são importantes filtradores da água. Além disso, têm um impacto significativo na economia local, pois o Casal da Lapinha é tradicionalmente uma aldeia de pescadores e mariscadores. 

A profundidade da água está bastante baixa e, longe da margem, surge um banco de areia. Sobre o mesmo está um corvo-marinho-comum (Phalacrocorax carbo). Esta espécie alimenta-se principalmente de peixes, mergulhando para os capturar. A ave encontra-se imóvel, com as asas abertas, aguardando que as penas sequem para seguir para o próximo voo.

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