A Wilder falou com a coordenadora do projeto GelAvista, Antonina dos Santos, do IPMA, que fez um balanço do que foi observado. E das surpresas que surgiram.
Se no último verão tiver andado pelas praias sem se deparar com medusas ou outros gelatinosos, não foi um caso único. Este ano foi marcado por uma diminuição do número de observações registadas pelo projeto de ciência cidadã GelAvista, lançado em 2016 para estudar e dar a conhecer os muitos organismos gelatinosos que se podem observar na costa portuguesa.
Entre as causas desta descida de registos não esteve a falta de entusiasmo dos observadores, diz Antonina dos Santos, mas sim uma diminuição da quantidade de gelatinosos junto à costa – o que estará ligado aos ciclos de vida destas espécies, sobre as quais os cientistas sabem ainda pouco. Muitas, por exemplo, atravessam duas fases – a de pólipo e a de medusa – e é só nessa última etapa que ficam mais visíveis, se acontece arrojarem na praia. “Desconhecemos ainda, por exemplo, se é todos os anos que os pólipos estrubilam e dão origem a medusas, e também tudo o que condiciona essas mudanças no meio natural onde vivem os gelatinosos”, explica a investigadora.
Mas apesar da descida geral de observações, houve espaço para surpresas, como acontece aliás todos os anos. Desta vez, um dos acontecimentos surpreendentes foi o avistamento de salpas em quantidades muito superiores ao que é costume, em especial em abril e maio. Estes animais do grupo dos tunicados assemelham-se às medusas por serem gelatinosos e translúcidos, mas são completamente inofensivos e não causam urticária.
Na origem do aumento das salpas, que não se costumam ver nas praias portuguesas pois são animais oceânicos que se mantêm longe da costa, poderá ter estado “um aumento do microplâncton” que lhes serve de alimento, composto por seres microscópicos – uma hipótese que ainda vai ser confirmada.
O facto de haver mais alimentos disponíveis poderá explicar também as grandes quantidades de ctenóferos que se viram nos meses de verão, diz Antonina dos Santos. Estes organismos fazem lembrar pequenos pedaços de gelatinosos e, tal como as salpas, são inofensivos e continuaram a ser observados nestas últimas semanas.
Veleiros, caravelas-portuguesas e medusas-do-tejo
Ainda assim, de acordo com os dados do projeto, as espécies mais observadas foram outras. Nas praias continentais, destacaram-se os veleiros, que apareceram “muito acima da média” e representaram mais de um quarto (27%) dos avistamentos. Quanto à caravela-portuguesa e à medusa-do-tejo continuaram entre as mais observadas, ambas com um peso de 19% nos registos recebidos até ao final de agosto.
“A caravela-portuguesa está a revelar-se bastante mais comum na costa continental portuguesa do que esperávamos no início do projeto”, afirma a coordenadora do GelAvista. Ainda assim, é possível que a espécie seja menos numerosa do que a medusa-do-tejo, mas que tenha mais observações registadas por ser mais “famosa” do que esta última.
Certo é que nos Açores e na Madeira, a caravela-portuguesa continuou este ano a ser a espécie com mais registos. Enquanto que no primeiro arquipélago representou 67% dos avistamentos, nas ilhas madeirenses arrecadou praticamente todos os registos, com 94% do total.
Desde o início do projeto, a nível nacional, este gelatinoso altamente urticante foi aliás o mais observado, representando um terço dos visiosamentos. Em contrapartida, a medusa-tambor, que no ano passado foi a mais registada, foi agora menos vista do que tem sido a média ao longo dos anos.
Desde 2016, o GelAvista já recebeu mais de 19.200 registos, vindos de mais de 3100 observadores, que viram um total de 54 taxa, entre diferentes espécies e outras classificações. Todos estes dados foram divulgados pela primeira vez durante o encontro anual do projeto, que se realizou online a 10 e 11 de outubro, e incluiu a apresentação de estudos científicos feitos por vários investigadores.
Novo guia procura financiamento
À Wilder, Antonina dos Santos indicou também que o projeto tem um novo “Guia prático de identificação de organismos gelatinosos”, que está à procura de financiamento para ser distribuído e ajudar assim a conquistar mais observadores. “Queremos poder entregar o guia às pessoas, seja através das câmaras municipais ou em eventos, por exemplo. Quanto mais informadas estiverem, mais interesse vão ter no projeto.”
Apesar de regiões como Lisboa e Setúbal, Peniche, Viana do Castelo e as ilhas de São Miguel e a Terceira estarem hoje razoavelmente cobertas por observadores que colaboram com o GelAvista, a coordenadora explica que é importante continuar a crescer, incluindo nos meses fora do Verão. “Necessitamos de observadores em todas as regiões”, apela.
Agora é a sua vez.
Se observar um gelatinoso, pode enviar uma mensagem para o email do projeto ([email protected]) ou através das redes sociais. Para que um avistamento seja validado é necessário saber o local, a data, a hora e quantos indivíduos aproximadamente foram observados, bem como adicionar uma fotografia que permita a correta identificação da espécie. Pode também utilizar as apps do GelAvista, no telemóvel. Saiba mais aqui.