Foto: Joan Egert

Estudo liderado por investigadores portugueses revela crise que pode afetar o futuro de muitas plantas

Início

A Europa está a ser alvo de uma “preocupante crise de dispersão de sementes”, concluiu uma equipa internacional de investigadores liderados pela Universidade de Coimbra, que publicou esta sexta-feira um artigo na revista científica Science.

Em causa está a situação frágil de muitos dos animais dispersores que transportam as sementes para novos lugares, porque se alimentam de frutos carnudos (bagas e outros) e as sementes aí contidas caem mais tarde noutras zonas, no meio dos excrementos. A equipa apercebeu-se de que um terço dessas 398 espécies dispersoras estão hoje ameaçadas de extinção ou os seus números estão a descer, o que as coloca em risco num futuro próximo.

O coelho-bravo, a toutinegra-das-figueiras, o tordo-ruivo, o picapau-malhado, a gralha-calva e o bisonte-europeu foram alguns desses dispersores de sementes identificados numa situação preocupante, mas também répteis e formigas.

Coelho-bravo. Foto: Johan Hansson / Wiki Commons
Tordo-ruivo. Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

Por outro lado, pelo menos 190 espécies de plantas selvagens da Europa têm os seus dispersores conhecidos ameaçados ou em declínio. Em causa estão por exemplo o carvalho-alvarinho e o loureiro, nativos de Portugal e de outros países europeus, ou o carvalho-pétreo.

Desde logo, a equipa apercebeu-se também de que esta crise está a acontecer um pouco por todo o continente europeu, mas falta ainda muita informação científica que ajude os investigadores a perceber melhor a dimensão do problema, incluindo o grau de ameaça e as tendências populacionais para a maioria das plantas na Europa, que estão por definir a nível da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza.

Folhas de carvalho-alvarinho, uma das espécies de carvalho nativas em Portugal. Foto: Joanna Boisse/Wiki Commons

Mais. “Apenas conhecemos os dispersores de 26 por cento das espécies de plantas que produzem frutos carnudos na Europa, pelo que é urgente conhecer melhor quais os animais que podem ajudar as plantas selvagens a escapar das rápidas alterações climáticas e da desertificação, principalmente no sul do continente”, alertou Sara Mendes, primeira autora do estudo e investigadora do CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, citada numa nota de imprensa sobre o estudo.  

“Se um animal dispersor das sementes de uma planta se extinguir pode não acontecer nada, porque essa planta terá outros dispersores”, comentou esta investigadora, contactada pela Wilder. “Mas é como termos uma casa. Se começarmos a tirar tijolos sem cuidado, esta vai acabar eventualmente por colapsar.”

Ao todo, a equipa reviu cerca de 2000 artigos publicados em diferentes línguas, entre 1660 e 2023, para identificarem quais são os animais dispersores de sementes na Europa e qual o seu estado de conservação.

Porque são estes animais importantes?

“As plantas não se movem e por isso dependem dos serviços dos animais que se alimentam dos seus frutos, para levar as suas sementes para novos locais onde possam crescer”, notou por seu turno Rúben Heleno, coautor do estudo e investigador do CFE, sublinhando que “proteger os animais selvagens que prestam este serviço beneficiará não só os próprios animais, como também as plantas e todo o ecossistema, do qual depende em última análise a economia e a nossa própria qualidade de vida.”

Além do papel que têm na recuperação de áreas afetadas por incêndios, por cheias ou que são atravessadas por estradas e povoados, hoje em dia, num cenário de alterações climáticas, esses animais auxiliam as plantas a mudarem-se para locais com melhores condições à medida que o clima se vai alterando nas suas áreas de distribuição, frisaram ainda os dois investigadores.

A gralha-calva, encontrada no Centro e Norte da Europa, é uma ave rara em Portugal. Foto: Brian Snelson

Entre as relações planta – animal dispersor que mais preocupam a equipa, devido ao estado ameaçado ou em declínio tanto das plantas como dos animais que dispersam as suas sementes, está por exemplo a relação entre a gralha-calva e os carvalhos-pétreo e alvarinho.

Veados, javalis, melros e toutinegras

Por outro lado, em linhas gerais, os investigadores identificaram o veado, o javali, a raposa e as ovelhas, mas também aves como o melro, a pega-rabuda e a toutinegra-de-barrete como os principais animais dispersores a nível europeu, por contribuírem com esse serviço para um maior número de espécies de plantas. No caso do veado, por exemplo, isso acontece para um total de 119 plantas diferentes, enquanto que o javali tem relação com 115 espécies e o melro com 105.

Já entre as plantas nativas cujas sementes são dispersas por mais espécies diferentes encontram-se por exemplo o sabugueiro, o mirtilo-bravo, a tramazeira e a cerejeira-brava, que estão também presentes em Portugal.

Toutinegra-de-barrete a comer o fruto de uma tramazeira. Foto: Joan Egert

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

Don't Miss