Navio Santa Maria Manuela, expedição ao monte Gorringe. Foto: Helena Geraldes/Wilder

Gorringe: Expedição parte de Lisboa para descobrir as espécies da maior montanha da Europa Ocidental

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A Expedição Oceano Azul Gorringe partiu a 7 de Setembro da marina do Parque das Nações, em Lisboa, rumo ao monte submarino Gorringe, a montanha mais alta da Europa Ocidental, com cerca de 5000 metros de altura. Até 28 de Setembro, cientistas e mergulhadores vão tomar o pulso à biodiversidade daquele monte submarino 230 quilómetros a sudoeste do Cabo de São Vicente e sugerir quais as melhores medidas para o conservar.

José Tourais, 70 anos, já esteve no monte submarino Gorringe “mais de 12 vezes”, a primeira das quais em 1998. De boné e pólo azuis-escuros, José Tourais, coordenador dos oito mergulhadores da Expedição Oceano Azul Gorringe, falava aos jornalistas antes de subir a bordo do navio Santa Maria Manuela, uma das três embarcações que vão participar nesta viagem científica.

José Tourais. Foto: Helena Geraldes/Wilder

Os mergulhadores estão divididos em duas equipas de quatro pessoas cada uma e vão mergulhar até aos 60 metros de profundidade. Além destes, segue também uma equipa de apoio para garantir a sua segurança.

“Vamos ver como tem evoluído a biodiversidade no monte Gorringe” que, até agora, tem estado “relativamente bem conservada”, diz José Tourais, da Nautilus Sub – Escola de Mergulho. Além disso, “pode ser que apareça alguma espécie ainda não registada para aquele local”.

Durante a expedição, uma equipa fará um mergulho de manhã e a outra à tarde; cada mergulho terá uma duração média de 30 a 35 minutos. Durante esse tempo, cada um dos mergulhadores tem uma lista de coisas para fazer, preparada anteriormente com os investigadores a bordo do navio. “Todos os dias, os biólogos reunem-se com os mergulhadores e atribuem as tarefas”, explica José Tourais. Há mergulhadores que só vão filmar, outros só fotografar cada espécie e outros medir ou recolher amostras.

Navio Santa Maria Manuela, expedição ao monte Gorringe. Foto: Helena Geraldes/Wilder

“Queremos saber mais sobre a maior montanha da Europa Ocidental”, diz, mais tarde, já a bordo do navio Santa Maria Manuela, Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul. Com cerca de 200 quilómetros de comprimento, 80 quilómetros de largura, o Gorringe é maior do que o Algarve.

É para isso que vão trabalhar os 26 cientistas de 14 entidades científicas, três das quais internacionais. “Temos problemas significativos de gestão do nosso oceano”, comenta Emanuel Gonçalves, coordenador da expedição científica. “Precisamos acelerar as medidas de protecção”, destaca, salientando que “Portugal tem todo o interesse em liderar a conservação marinha”. Mas “o desconhecimento ainda é enorme”.

Emanuel Gonçalves conta à Wilder que a sua expectativa em relação a esta expedição é “muito grande”. “Queremos juntar toda a informação e completar falhas a fim de conseguirmos produzir um relatório com sugestões de medidas de conservação e de gestão.”

“Esta zona é um ex-líbris do património natural de Portugal”. Ainda assim, sofre com a pressão da pesca ao espadarte e atum e das capturas acidentais de aves marinhas ou de tartarugas, por exemplo. Os investigadores vão avaliar também qual o impacto dos plásticos e das alterações climáticas na biodiversidade.

Um dos objectivos desta expedição – promovida pela Fundação Oceano Azul, Oceanário de Lisboa, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Marinha Portuguesa – é precisamente reunir informação científica que servirá de base à implementação de medidas de proteção deste hotspot de biodiversidade único, localizado na Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal Continental.

“Esta expedição é de uma importância crucial”, diz Maria da Graça Carvalho, ministra do Ambiente e da Energia. “Esta zona está protegida desde 2015”, lembra, referindo-se à sua integração da lista de Sítios da Rede Natura 2000, “mas não basta classificar, é preciso proteger e gerir”.

“Mas para isso precisamos de dados, de muito mais conhecimento.”

Navio Santa Maria Manuela, expedição ao monte Gorringe. Foto: Helena Geraldes/Wilder

Actualmente, Portugal está em incumprimento da legislação europeia segundo a qual os Estados membros devem definir modelos de gestão para todas as áreas protegidas. Em Portugal são mais de 60. Uma delas é a Zona Especial de Conservação Banco Gorringe, exclusivamente marinha e que tem 2.292.778,48 hectares (22.927,78 km2).

Outro dos objectivos é “acelerar o cumprimento da meta 30×30 por Portugal”, ou seja, proteger 30% do mar e 30% da terra até 2030. “Estamos mais adiantados na parte terrestre, ainda temos muito a fazer no mar”, admite Maria da Graça Carvalho que aproveita para sublinhar o “compromisso do Governo com a conservação da natureza em Portugal, tanto no meio terrestre como no meio marinho”.

Localizado a 200 quilómetros da Ponta de Sagres, a sudoeste de Portugal continental, a montanha subaquática Gorringe é considerada uma zona prioritária para a conservação na Europa, pela sua riqueza biológica. No Gorringe estão presentes diversos habitats, desde zonas mais perto da superfície cobertas de florestas de algas até ao mar profundo, onde existem jardins de corais de águas frias e campos de esponjas. Esta montanha é um íman de vida marinha no Atlântico, onde também se concentram grandes cardumes de peixes e tubarões e que está na rota migratória de baleias, golfinhos e tartarugas. Estudos anteriores recolheram evidências desta singularidade e elevado valor ecológico, mas também da sua vulnerabilidade, reportando cerca de 850 espécies, incluindo espécies ameaçadas.

Ester Serrão, investigadora no CCMAR-Centro de Ciências do Mar, da Universidade do Algarve, é a coordenadora dos investigadores que vão trabalhar a biodiversidade nesta expedição. Esteve no Gorringe em Agosto passado, no âmbito de uma outra expedição. Agora, está mais do que pronta para regressar.

Conta à Wilder que são inúmeras as tarefas que terão em mãos e que o trabalho não termina quando o Santa Maria Manuela atracar de novo em Lisboa a 28 de Setembro. “Depois há que continuar em laboratório a estudar todo o material e amostras recolhidas. É trabalho para demorar vários meses.”

Os picos do Gorringe têm “florestas marinhas ricas” que são zonas de abrigo e de alimentação para inúmeras espécies; “são estruturas tridimensionais muito ricas”. Serão estudadas algas gigantes, corais, esponjas, invertebrados mas também seres tão pequenos como as bactérias que vivem em corais, por exemplo.

Ao longo de três semanas, esta expedição científica – liderada por Emanuel Gonçalves, responsável científico e administrador da Fundação Oceano Azul, e Henrique Cabral, biólogo e investigador no Institut National de Recherche pour l’Agriculture, l’Alimentation et l’Environnement (INRAE) em França – recolherá amostras e imagens para a caracterização da biodiversidade e habitats marinhos da zona.

Ainda a bordo, os investigadores começam a estudar e a processar as amostras e imagens recolhidas pelos mergulhadores.

Além da cartografia e levantamento da biodiversidade, há vários estudos a ser realizados, explicou Ester Serrão. Há cientistas que vão estudar os efeitos das ondas de calor em determinadas algas e outros a reprodução de corais, por exemplo.

Estarão também a decorrer trabalhos nas áreas de bioacústica e cartografia dos fundos marinhos, com a colaboração do Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa.

Navio Santa Maria Manuela, expedição ao monte Gorringe. Foto: Helena Geraldes/Wilder

Com recurso a mergulho científico e a várias tecnologias como drones, sistemas de câmaras de vídeo com isco para atração da megafauna (BRUV – Baited Remote Underwater Video e vídeo landers) e um veículo operado remotamente (ROV – Remotely Operated Vehicle), será possível aceder a zonas que, até hoje, têm sido muito pouco estudadas e complementar as lacunas de conhecimento.

Com os dados e imagens recolhidos, será produzido um relatório científico que contribuirá para o diagnóstico do estado de saúde e valor ecológico desta montanha do país. Utilizando essa informação, será possível adotar as melhores medidas de gestão para proteger e valorizar o capital natural azul.

Além deste relatório científico, será produzido um documentário que mostre a todos os portugueses as riquezas deste património subaquático, da responsabilidade de Nuno Sá, ‘cameraman’ subaquático, que também faz parte da expedição.

A expedição conta com o envolvimento institucional do Fundo Ambiental, Autoridade Marítima Nacional, OCEANA, National Geographic Pristine Seas e WAITT Institute e terá também a parceria de instituições científicas como: Instituto Hidrográfico, CCMAR, Universidade do Algarve, CESAM – Universidade de Aveiro, CIBIO – Universidade do Porto, MARE – Politécnico de Leiria, Okeanos – Universidade dos Açores, SPEA, AIMM, Aquário Vasco da Gama, Moss Landing Marine Laboratories – San Jose State University, bem como do Marine Futures Lab – University of Western Australia e o Laboratory of Applied Bioacoustics – Univ Politécnica da Catalunya.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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