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Ferulago brachyloba. Foto: Miguel Porto

Descoberta para Portugal nova espécie de planta que faz lembrar pequeno guarda-chuva de flores amarelas

14.05.2024

“Escondida” no meio de um mar de flores amarelas, a Ferulago brachyloba quase passou despercebida durante uma sessão de campo no Alto Alentejo. Mas Miguel Porto e Sara Lobo Dias voltaram atrás, olharam melhor e descobriram uma nova espécie de planta para Portugal. Esta espécie rara de férula só existe em Portugal e Espanha.

Esta descoberta, publicada a 7 de Maio na revista Acta Botanica Malacitana, é uma bela história de Primavera contada por Miguel Porto (investigador do BIOPOLIS-CIBIO, Estação Biológica de Mértola e Sociedade Portuguesa de Botânica) e por Sara Lobo Dias (investigadora da Escola Superior Agrária de Santarém, do cE3c da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e da Sociedade Portuguesa de Botânica).

Ferulago brachyloba. Foto: Miguel Porto

Com entre 48 a 55 espécies conhecidas, o género Ferulago está distribuído pela Europa, Norte de África e Ásia Ocidental. Agora, ficamos a saber que em Portugal não ocorre apenas a Ferulago capillaris – planta confinada ao Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta e Alto Alentejo – mas também a Ferulago brachyloba.

Esta nova planta, que ainda não tem nome comum, é parecida a um funcho pequeno e pode chegar a um metro de altura. “As flores são amarelas de um amarelo invulgar, muito luminoso! Completamente diferente do amarelo dos malmequeres, por exemplo”, explicam os dois botânicos à Wilder.

“Tal como é característico na família das umbelíferas, as flores estão agrupadas no que se chama uma inflorescência do tipo umbela, na qual as flores ou conjuntos delas se encontram no topo de raios que partem todos de um ponto comum, como um guarda-chuva!”

Miguel e Sara descrevem também as folhas desta espécie. “As folhas são divididas dicotomicamente em filamentos finos, mas não tão finos como na canafrecha ou funcho!”

“Uma das características que distingue a espécie não deixa de ser original e trata-se dos seus caules da inflorescência serem um pouco ziguezagueantes, ao contrário de outras espécies do género e da família, que têm caules estritamente rectos.”

Ferulago brachyloba. Foto: Miguel Porto

A Ferulago brachyloba foi encontrada durante um trabalho de campo nas margens do rio Xarrama, que nasce a noroeste de Évora e é um afluente da margem direita do rio Sado. Miguel e Sara estavam a fazer a caracterização botânica daquela região.

“Era relativamente óbvio que as margens do rio Xarrama mereciam uma exploração detalhada, em particular nos troços que ainda não estavam submersos pelo regolfo dos múltiplos açudes, preservando assim o leito rochoso original”, explicam à Wilder. “Este tipo de ambientes, leitos de cheia rochosos de rios e depósitos associados, é conhecido por ter uma flora muito particular em diversos outros rios portugueses, com várias espécies raras e ameaçadas.”

O objectivo primeiro da exploração era confirmar a ocorrência actual de uma outra planta muito rara, da qual havia um registo histórico de 1960 para o rio Xarrama, uma espécie rara de alho, Allium schmitzii. “Mas claro que se esperavam outras surpresas, devido às particularidades destes ambientes.”

Os botânicos contam que o “alho foi encontrado muito facilmente. Logo do topo da ladeira, ao descer a primeira vez, via-se claramente o leito de cheia do rio com uma profusão impressionante de Allium schmitzii em flor – seguramente a maior população de Portugal, uma coisa extraordinária!”

Já o Ferulago demorou um pouco a ser detectado. “Era, de facto, uma planta muito pontual e com muito baixo número de indivíduos e depois, todas as encostas estavam cheias de uma outra umbelífera amarela em flor, que assim de longe acabava por ter o efeito de fazer o Ferulago passar despercebido, no meio de tanto amarelo ofuscante.”

Miguel e Sara notam que em Junho, quando a observação foi feita, é o auge de floração de várias umbelíferas amarelas. “Com tanta profusão destas flores, os olhos acabam por se ‘habituar’ e ser menos ‘responsivos’ a elas…”

Mas apesar disso ele não escapou. “O aspecto, mais ao perto, era bastante diferente das outras umbelíferas. Na verdade já tínhamos passado por ele… mas ficou uma sensação estranha e olhámos para trás.”

A espécie foi encontrada a 122 metros de altitude nos depósitos compactos elevados da margem do rio, nas clareiras do mato e entre as rochas, em substrato silicioso. As plantas foram encontradas num troço de 200 metros de comprimento nas margens do rio Xarrama (Alcáçovas) em três locais, com não mais de 20 indivíduos (a maioria adultos) em cada local.

Subsequente trabalho em herbários revelou outros dois espécimes recolhidos no final do século XIX no Vale do Tejo Internacional, na Beira Baixa, que tinham sido identificados como Ferulago granatensis e Ferulago galbanifera.

Segundo os dois investigadores, esta descoberta “vem incrementar o nosso património botânico”. “Neste caso, sendo uma espécie rara e que só existe em Portugal e Espanha, traz com ela uma responsabilidade acrescida de a protegermos. Vem também realçar uma vez mais a importância deste habitat insubstituível – leitos de cheia rochosos e depósitos das margens dos rios – que sofreu um ‘apagão’ há umas décadas (que continua até bem recentemente), urgindo assim preservar os últimos bocadinhos que ainda escaparam aos regolfos das barragens. Mas a principal mensagem é recordar-nos que ainda há património biológico por descobrir em Portugal, mesmo quando e onde achamos que já tudo está descoberto!”

E agora, o que se segue?

A Ferulago brachyloba é endémica do Centro e Sul da Península Ibérica e ocorre em populações isoladas e fragmentadas. O único registo recente desta espécie em Portugal, descrito no artigo, está isolado e a cerca de 130 quilómetros da população mais próxima, em Espanha.

Ferulago brachyloba. Foto: Miguel Porto

A espécie é preliminarmente avaliada como Em Perigo porque apenas se conhece que ocorra em três locais.

Na opinião de Miguel e Sara, “são sem dúvida necessários novos trabalhos de campo para aprofundar o conhecimento sobre esta espécie”. “Fica o apelo para quem se interesse!”

“Em primeiro lugar, seria muito importante confirmar se a planta ainda ocorre actualmente nos dois locais onde tinha sido colhida no séc. XIX, nos leitos de cheia do alto Tejo (perto de Vila Velha de Ródão e Malpica).”

Os investigadores receiam que a planta já não exista naquela região. “O mais provável é ter-se extinguido nesses locais, devido à construção de duas grandes barragens nessas regiões já no séc. XX, mas tem mesmo de se ir lá com esse objectivo específico e confirmar se o habitat ainda existe.”

“Com efeito, desde o séc. XIX que não havia mais nenhuma observação da espécie em Portugal, apesar de outros botânicos subsequentes terem prospectado as margens do alto Tejo. Estes habitats, leitos de cheia dos grandes rios (principalmente alto Tejo e alto Douro) sofreram um grande declínio há umas décadas atrás, com a profusão de barragens que foi construída, que submergiu as margens e leitos de cheia em grande extensão, causando a extinção de diversos núcleos populacionais de plantas que eram específicas dos leitos de cheia e a quase extinção desse habitat. Algumas espécies ainda sobrevivem nos pouquíssimos locais que ainda preservam o habitat, mas sofreram declínios populacionais importantes.”

Miguel e Sara defendem que “é importante completar a prospecção no rio Xarrama, para se ter bem caracterizada a população existente e assim ter dados rigorosos para bem planear medidas de conservação. Pode haver mais núcleos populacionais a montante ou a jusante, pese embora uma grande extensão deste rio ter também sofrido submersão devido aos açudes, e assim já não ter habitat para a espécie. E, claro, convém não esquecer que o mesmo local alberga também o que é provavelmente a maior população nacional de Allium schmitzii, uma espécie ameaçada de extinção em Portugal (Vulnerável, segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental)”.

De momento, apenas esta faixa de cerca de três quilómetros de troço do rio continua livre da influência de barragens e, por isso, é adequada a esta espécie.

No artigo científico, os autores sugerem que “seria importante implementar uma área de conservação que inclua uma zona tampão de cada lado do rio ao longo dos três quilómetros de habitat favorável para acautelar possível ameaças futuras”.

Recentemente, os investigadores Miguel Porto, Sara Lobo Dias e Paulo Alves descobriram em Trás-os-Montes os primeiros registos de Achillea pyrenaicaCuscuta europaea e Epilobium montanum para Portugal, num artigo publicado na revista Acta Botanica Malacitana.

Em Portugal estima-se que existam, pelo menos, 381 espécies numa categoria de ameaça, segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que avaliou 634 espécies. Assim, 84 estão Criticamente em Perigo, 128 Em Perigo e 169 Vulneráveis. Entre as plantas avaliadas, há duas espécies endémicas de Portugal continental dadas como Extintas e 17 espécies na categoria Regionalmente Extintas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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