Foto: Helena Geraldes

Fernando Carvalho colecionou mais de 5000 borboletas e escaravelhos. Estão agora no Museu de História Natural

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Este entomologista amador contou à Wilder como construiu uma coleção ao longo de várias décadas, doada em Dezembro ao museu da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa.

Fernando Carvalho, 78 anos, afirma sorridente qual é o seu maior legado: os 10 netos de diferentes idades, que talvez um dia venham a conhecer outro dos tesouros do avô, quando visitarem o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), em Lisboa. É onde estamos agora, numa visita às salas de entomologia que acolheram 5009 novos inquilinos – principalmente borboletas mas também bastantes escaravelhos e outros insetos – que Fernando Carvalho foi recolhendo e guardando desde 1960. Todos bem conservados e catalogados, foram doados ao museu.

Fernando Carvalho. Foto: Helena Geraldes

As novas caixas vieram agora juntar-se a outras coleções guardadas nas salas de entomologia do museu, como as de Bívar de Sousa, José Quartau e David Baldock, fornecendo informações novas a quem investigar a história recente dos insetos no território português: “São a evidência material de que uma espécie ou subespécie já existiu num determinado local, de onde por vezes desapareceu mais tarde devido por exemplo à urbanização”, indica Roberto Keller, curador das coleções de entomologia do MUHNAC. 

Algumas das caixas da coleção Fernando Carvalho, agora guardadas no MUHNAC. Foto: Helena Geraldes

Disposta em dezenas de caixas de tampa transparente, cada inseto com a sua pequena etiqueta, a coleção Fernando Carvalho foi crescendo ao longo de várias décadas nos tempos livres deste engenheiro civil, agora reformado. Nos primeiros tempos, ia em busca de insetos com redes entomológicas que construía em casa; mais tarde começou a mandar vir o material necessário do estrangeiro, uma vez que não havia em Portugal.

À Wilder, afirma convicto que não se arrependeu de ter seguido Engenharia Civil em vez de Biologia. Aliás, como vamos percebendo ao longo da conversa, foi mantendo a dedicação à sua coleção de insetos em paralelo com a profissão. Por exemplo, aproveitava a hora do almoço para “caçar” borboletas – como algumas Zygaena trifolii de asas negras e pequenas manchas vermelhas, que capturou num parque de estacionamento junto ao aeroporto de Lisboa, onde trabalhava na década de 1970. E que observamos agora numa caixa, aos cuidados do MUHNAC.

Outras borboletas que passaram para o museu lisboeta, as azulinhas-dos-calcários (Cupido iorquinii), foram coletadas nas serras da Arrábida e de São Luís, fruto de fins-de-semana e feriados de rede entomológica nas mãos. De Janas, na região de Sintra, vieram outras borboletas do mesmo grupo, mas de uma espécie diferente. “Foi de tal maneira a construção que entretanto desapareceram desta zona.”

Fernando Carvalho no MUHNAC, segurando uma das caixas da sua coleção. Foto: Helena Geraldes

Mais a norte, a poucos quilómetros de Lamego, junto a uma antiga casa de família em Cimbres, Fernando também recolheu muitos insetos – incluindo alguns dos escaravelhos coprófagos que trouxe para a coleção, assim chamados porque aproveitam os excrementos do gado e de outros animais para aí colocarem os ovos. “Nos anos 70 ainda por ali havia burros, cavalos, bois”, recorda. “Consegui uma boa coleção.”

Um tesouro, graças a um ficheiro Excel

Por outro lado, terão sido o gosto pela organização e planeamento que o levaram a catalogar todos os espécimes que guardou. “Tenho o registo em Excel de tudo o que soube classificar”, aponta. “Os que não consegui classificar, ficam para que os especialistas os identifiquem.” Do ficheiro informático doado ao museu constam o nome da família de cada inseto, espécie e subespécie – sempre que possível – mas também o local onde foi apanhado, a data, quem coletou, quem classificou, e ainda uma coluna com notas.

Borboletas coletadas na serra da Arrábida e em Janas, na zona de Sintra. Foto: Helena Geraldes

“Isso para nós é um tesouro”, reage Roberto Keller, que explica que saber onde, quando e por quem um inseto foi coletado faz a diferença entre coleções com valor científico – como é o caso da nova coleção Fernando Carvalho – e outras apenas didáticas, uma vez que a essas últimas faltam dados imprescindíveis para o trabalho dos investigadores. 

Fernando Carvalho e Roberto Keller. Foto: Helena Geraldes

Entre os 5009 insetos que vivem desde há pouco tempo no antigo edifício da Faculdade de Ciências, há também borboletas de outros países, embora Fernando nunca tenha vivido fora de Portugal. É que a coleção foi crescendo também graças às ofertas de familiares e amigos, incluindo entomólogos conhecidos como José Quartau e Bívar de Sousa. 

De Moçambique, por exemplo, um irmão que era médico na cidade da Beira enviava-lhe borboletas por correio, enquanto que outras provenientes de São Tomé e Príncipe foram compradas a um francês que ali vivia. Alguns espécimes ainda foram-lhe remetidos pelo britânico Peter Cribb (mais conhecido como Peter W. Cribb), da Amateur Entomologists’ Society, “que se metia numa caravana a percorrer a Europa toda, a apanhar borboletas”. “Enviei-lhe algumas que tinha encontrado e ele enviou-me imensas.”

Borboletas da coleção de Fernando Carvalho, incluindo espécimes enviados por Peter W. Cribb. Foto: Helena Geraldes

Dos insetos a António Carvalho Monteiro

Aliás, conta com entusiasmo, toda esta atividade em volta dos insetos começou cedo. Nem os pais nem os avós mostravam grande curiosidade sobre o mundo natural, ao contrário do pequeno Fernando, que com 6 ou 7 anos já andava atento aos insetos num jardim ao pé de casa, no Funchal, onde o pai estava colocado como juiz. 

Fernando Carvalho. Foto: Helena Geraldes

Cerca de uma década mais tarde, já em Lisboa, no Liceu Camões, o interesse manteve-se e ganhou um companheiro de aventuras, graças a um colega de liceu. Tanto ele como José Quartau – que mais tarde se tornou um cientista conhecido na área da entomologia, em especial no que respeita às cigarras – gostavam de ir para o Campo Grande em busca de bichos. Já na altura, aliás, mostrava vontade de iniciar uma coleção, pois “quando apareciam insetos mortos, colava-os num cartão.” 

O espécime mais antigo que guardou, por exemplo, foi um escaravelho que apanhou pelos 15 anos de idade, em 1960. Seguiram-se as primeiras borboletas diurnas, logo no ano seguinte, e as mariposas (também chamadas de borboletas noturnas) em 1962. Nessa altura, gostava de passar horas na biblioteca da Embaixada dos Estados Unidos, onde folheava os livros que ali encontrava com grandes estampas sobre insetos.

Fernando Carvalho (à esq.) aos 25 anos na serra das Meadas, em Lamego, acompanhado por um primo. Aí, descobriu “uma enorme população da borboleta Arethusana arethusa“. Ao fundo, vê-se a serra do Marão. Foto: DR

Mais tarde, foi através de várias sociedades dedicadas à à entomologia, como a Amateur Entomologists’ Society (desde 1963) e a Sociedade Portuguesa de Entomologia (desde 1999) – desta, ainda guarda a revista número um – ou ainda enquanto sócio do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal (desde 2004), que aprendeu cada vez mais sobre esse mundo. Também lhe valeram as assinaturas de revistas como a Graellsia e a The Entomologist’s Record. “Aprendi a arte de forma livresca”, recorda Fernando Carvalho. E apesar de já não colecionar insetos desde há vários anos, continua atento a várias publicações – como a Borboletim, publicada regularmente pela Rede de Estações de Borboletas Noturnas.

Um dos números da revista Graellsia – Revista de Entomólogos Ibéricos, guardado por Fernando Carvalho. Foto: Helena Geraldes

Além do interesse sobre os insetos, a curiosidade deste entomologista amador estendeu-se à vida e obra de António Carvalho Monteiro, um naturalista luso-brasileiro que viveu entre meados do século XIX e as primeiras décadas do século XX, e mandou erigir a Quinta da Regaleira, em Sintra. Alcunhado de “Monteiro dos Milhões”, Carvalho Monteiro era na altura dono de uma das maiores coleções de borboletas do mundo – que está hoje quase toda sem paradeiro conhecido. 

Este é um destino do qual a coleção de Fernando Carvalho parece agora bem protegida nas salas que guardam as coleções entomológicas do MUHNAC, onde fica disponível para quem tenha vontade de a conhecer.

Fernando Carvalho com parte da colecção que doou ao Museu. Foto: Helena Geraldes

E tem saudades das suas borboletas e escaravelhos? “Não sinto falta dos insetos e tenho a porta aberta aqui”, responde Fernando Carvalho, seguro quanto ao futuro deste legado museológico. Bastante menos valioso que os 10 netos, é verdade, mas um contributo que fica para o trabalho e descobertas de outros entomologistas – tanto profissionais como amadores.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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