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Bordalo. Foto: Universidade de Évora

Na ribeira do Vascão, entre o Alentejo e o Algarve, estes pequenos peixes ajudam-se uns aos outros

24.10.2023

Um grupo de investigadores da Universidade de Évora descobriu um comportamento de limpeza entre bordalos, agora descrito pela primeira vez para a Península Ibérica e para peixes de água doce, na natureza.

Os bordalos (Squalius alburnoides) são pequenos peixes que em todo o mundo se observam apenas em Portugal e Espanha, onde habitam algumas das principais bacias hidrográficas, incluindo a do Guadiana. Foi num afluente deste rio, a ribeira do Vascão, que cientistas ligados à Universidade de Évora filmaram um comportamento de limpeza entre peixes desta espécie ameaçada, que poderá ter importância para a sobrevivência futura dos bordalos.

As conclusões a que chegou este grupo de seis investigadores foram publicadas esta semana num artigo da revista científica Fish Biology, no qual explicam que o bordalo é uma espécie Vulnerável à extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Trata-se também de um peixe com curiosas formas de reprodução, assexuada.

Bordalo. Foto: Universidade de Évora

A descoberta deste comportamento de limpeza nos bordalos “aconteceu por acaso”, uma vez que o objectivo do trabalho era na verdade “observar comportamentos de interação entre espécies nativas e invasoras de peixes”, contou à Wilder um dos membros da equipa e co-autor do artigo científico agora publicado, Filipe Banha.

Durante a estação seca, de Junho a Setembro, o calor e a ausência de chuva fazem com que a água da ribeira do Vascão, que traça uma parte da fronteira entre o Alentejo e o Algarve, fique confinada a pequenas áreas. Conhecidas como pegos, nelas se refugiam os peixes e outros animais aquáticos. Foi no fundo desses pegos, em Julho de 2021, que se colocaram dois protótipos desenhados pelos investigadores a partir de equipamentos adaptados, para se fazerem filmagens autónomas durante uma semana. As máquinas só funcionavam quando detectavam movimentos debaixo de água.

Ao analisarem as gravações – quase 40 horas de filme num dos pegos e mais de 70 horas no outro – os investigadores aperceberam-se de bordalos que pediam a outros peixes da mesma espécie que os limpassem, “adoptando uma posição imóvel conhecida como ‘pose'”. Esta produzia uma resposta imediata de apoximação e limpeza da parte de outros bordalos.

‘Frame’ de um dos vídeos que filmaram o comportamento dos bordalos, onde se pode ver um peixe em posição de “pose”

“Este estudo expande a muito curta lista de peixes de água doce com hábitos colaborativos de limpeza dentro da mesma espécie”, sublinha a equipa, numa nota de imprensa da Universidade de Évora. Esse comportamento de colaboração é aliás “muito útil em última instância para a sobrevivência” dos bordalos, sublinha Filipe Banha, uma vez que ajuda a combater as doenças e parasitas e reduz também o stress e a competitividade entre estes peixes.

Futuro desafiante

A questão é que os bordalos enfrentam um futuro desafiante, devido às alterações climáticas e às secas cada vez mais prolongadas, combinadas com a poluição e o aumento de espécies invasoras.

Já este ano, o mesmo comportamento de limpeza nesta espécie foi novamente observado pela equipa, durante filmagens num outro local da ribeira do Vascão. “Chegámos a observar vários indivíduos a solicitarem a limpeza simultaneamente e outros indivíduos a limparem os primeiros, tudo isto num curto espaço de segundos”, descreve o investigador, também ligado ao MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Enquanto que estas ajudas na limpeza, dentro da mesma espécie, são conhecidas em peixes marinhos, em especial nos recifes de coral, e também noutros grupos de animais como os primatas, no que respeita a peixes de água doce este “é o primeiro trabalho a descrever este tipo de comportamento tendo como base observações feitas na natureza”, adianta também Filipe Banha. “Existe um ou outro trabalho com observações, mas feitas em cativeiros e para espécies não nativas do nosso país.”

Da equipa ligada a este estudo, além do MARE, fizeram também parte cientistas do CIBIO-Biopolis e do INESC-TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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