Saiba como estão as crias de lince órfãs acolhidas em Silves

Início

Com cerca de dois meses de idade, as duas crias agora aos cuidados do Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI) já caçam sozinhas e estão “sempre na brincadeira”, contou à Wilder Rodrigo Serra, director do Centro e coordenador do Programa de Conservação Ex-Situ para a espécie.

É no silêncio e na calma do Vale de Fuzeiros, em Silves, que agora vivem duas crias de lince-ibérico cuja mãe, Peziza, morreu atropelada em Castela-La Mancha, Espanha, em Maio passado.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

Peziza foi encontrada atropelada numa estrada municipal em Montes de Toledo, em Castela La Mancha, a 17 de Maio. “Nesse mesmo dia, as autoridades regionais espanholas montaram um dispositivo especial para a localização da ninhada”, dado que havia provas de que esta fêmea tinha dado à luz nesta Primavera, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). 

“Foi possível localizar e capturar as duas crias de lince-ibérico, com cerca de 50 dias, nos dias 17 e 18 de Maio”.

Peziza atropelada. Foto: Junta de Castela – La Mancha

São dois machos com cerca de dois meses de idade. E chegaram a 1 de Junho ao CNRLI.

Rodrigo Serra, director do Centro, explicou que o plano para estes dois linces será continuar a ensiná-los a caçar e devolvê-los “ao meio natural, capazes e com elevadas hipóteses de sobrevivência”. 

Para já os dois irmãos estão no Complexo de Treino e Recuperação de Lince Ibérico (CTRLI), estrutura construída junto ao Centro de Reprodução. Estas três instalações com 90 metros quadrados e com acessos independentes permitem ao Centro trabalhar para dois objectivos com necessidades diferentes: a reprodução de linces e o treino e/ou recuperação de animais para a liberdade. Em breve terão também uma clínica equipada associada e independente do CNRLI, essencial para recuperar linces e o passo final nesta estratégia, considerou o responsável. 

As duas crias que vieram de Castela-La Mancha estão em quarentena desde que chegaram. “Existe o perigo de contágio com doenças infecciosas que tragam do campo e que ponham em risco o ‘tesouro’ genético que mantemos no CNRLI (ou em qualquer outro centro de cria do Programa Ex Situ na verdade)”, explicou o responsável.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

Neste momento apenas estas duas crias nas instalações de recuperação.

Além disso, não contactam com tratadores ou veterinários para evitar que se habituem a humanos.

Quando chegaram ao Centro, apesar de terem cerca de 50 dias, estas crias foram logo postas à prova. “Foi-lhes fornecido coelho vivo para saber em que ponto estavam no que diz respeito a treino de caça”, contou Rodrigo Serra.

“A verdade é que já caçam, e bem. Por isso, o nosso trabalho ficou mais simples. Temos de mantê-las separadas dos outros linces do CNRLI e sem contacto com humanos, temos de as manter alimentadas e prontas a caçar fornecendo presa viva. Depois da quarentena poderemos passá-las à parte de treino do CTRLI, em que aumentaremos gradualmente a dificuldade na caça. Poderemos também uni-las a um(a) lince adulto(a) depois da quarentena para poderem ter um maior treino social. Veremos se é necessário.”

Os dois irmãos estão “totalmente adaptados ao CTRLI e têm um comportamento normal, divertido, eficaz na caça e socialmente rico porque são duas e estão sempre na brincadeira”.

Desafios acrescidos

Estas duas crias nasceram na natureza em Montes de Toledo, Castela-La Mancha. O que traz desafios acrescidos à equipa do Centro.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

“À partida, o facto de serem linces que nasceram fora do Programa Ex Situ traz logo o problema da quarentena, da possibilidade de trazerem doenças do campo (sabemos que elas circulam) para a população de cativeiro (onde não as temos)”, explicou o director do CNRLI.

“O facto de serem órfãs é muito importante. Caso sejam animais que não saibam caçar, a dificuldade aumenta muito porque temos de as ensinar a fazê-lo ou depois da quarentena introduzi-las a uma lince que esteja disponível para as ensinar (como Biznaga fez com as duas filhas que abandonou mas depois adoptou). Se tiverem menos de um mês de vida a tarefa fica praticamente impossível – linces criados a biberão vão achar que são pessoas, dificilmente se recuperam para a reprodução, menos ainda para a reintrodução. E se a genética não é valiosa, ocuparão espaço, esse sim valioso, em cativeiro sem contribuir nada para a espécie. São desafios gigantescos – biossegurança, comportamento, viabilidade para a conservação da espécie e bem-estar – um lince que acha que é pessoa não está em boas condições de bem-estar, digam o que disserem. Sofre a vida toda.”

Neste momento, a expectativa da equipa do CNRLI para estes dois animais “é alta”. Isto tendo em conta que “estão bem de saúde, já caçam e não precisam de assistência de humanos”.

Momento da recuperação das crias no campo. Vídeo: Junta de Castela-La Mancha

Pela frente, ainda falta passar o resto da quarentena, mais cerca de 10 dias, e prosseguir o treino de caça. “Estamos otimistas mas ainda falta.”

Quanto à data de reintrodução, ainda não se sabe. “É preciso vencer algumas etapas até que essa questão se ponha. Ao limite, diria talvez Fevereiro / Março de 2024, quem sabe até antes. Será quando tiver de ser. Queremos é que voltem ao meio natural capazes e com elevadas hipóteses de sobrevivência.” 

O lince-ibérico (Lynx pardinus) é uma espécie Em Perigo de extinção. Mas graças aos esforços conservacionistas de Portugal e Espanha – tanto a nível da reprodução em cativeiro como na recuperação de habitats e reforço e ligação das populações selvagens – a espécie está a regressar aos seus territórios históricos.

A 19 de Maio passado soube-se que existem 1.668 linces-ibéricos no mundo, segundo os dados do mais recente censo à espécie.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss