Esta árvore nativa de incrível beleza, que pode crescer até aos 30 metros, veste-se agora de cores especiais e presenteia-nos com os seus curiosos frutos. Carine Azevedo desafia-nos a partirmos à sua descoberta.
O outono é sinónimo de transformação. As folhas de algumas árvores, antes de caírem sobre o solo, mudam de cor, passando do verde para uma paleta de amarelos e castanhos, a que se juntam tons de vermelho, laranja e roxo.
Simultaneamente, é nesta estação que algumas espécies nos brindam com os seus frutos, como acontece com os áceres, os liquidambares, os amieiros, os plátanos, os carvalhos e tantos outros, todos eles com formas bem peculiares.
O bordo (Acer pseudoplatanus) é exemplo de uma árvore de incrível beleza em qualquer época do ano, mas que no outono se “veste” de cores especiais e nos presenteia com os seus curiosos frutos, que se mantêm na árvore mesmo depois da queda total das folhas. Vamos conhecer melhor esta espécie nativa.
Sapindaceae
A família Sapindaceae, à qual pertence o bordo, contém cerca de 143 géneros botânicos e perto de 2000 espécies, principalmente árvores e arbustos e, mais raramente, herbáceas.
Alguns das espécies mais comuns e conhecidas desta família são: o guaraná (Paullinia cupana), o castanheiro-da-índia (Aesculus hippocastanum), a árvore-da-chuva-dourada (Koelreuteria paniculata), o bordo-negundo (Acer negundo) e o ácer-do-Japão (Acer palmatum), entre outras.
O género Acer é um dos mais importantes géneros desta família, estando representado por aproximadamente 150 espécies. Os membros deste género ocorrem maioritariamente nas regiões temperadas do Hemisfério Norte, sendo a Ásia o continente com maior representatividade. Na Europa, América do Norte e no norte de África, também ocorrem algumas espécies deste grupo.
Em Portugal, a família Sapindaceae está exclusivamente representada pelo género Acer, existindo apenas duas espécies nativas: a zelha (Acer monspessulanum) e o bordo (Acer pseudoplatanus). No entanto, são inúmeras as espécies exóticas desta família que ocorrem em território nacional, muitas delas comuns em jardins e outros espaços verdes, como é o caso do castanheiro-da-índia, do ácer-do-Japão, da árvore-da-chuva-dourada, entre outras.
Existem outras espécies, como o bordo-comum (Acer campestre), o bordo-de-granada (Acer opalus) e o bordo-negundo (Acer negundo), que facilmente se naturalizaram e têm algumas populações assilvestradas nas nossas florestas.
O bordo
O bordo é também vulgarmente conhecido como padreiro, zelha, falso-plátano e plátano-bastardo. Os dois últimos nomes devem-se à semelhança das suas folhas e da sua casca com as do género Platanus. A denominação científica Acer pseudoplatanus deve-se igualmente à proximidade morfológica.
O nome do género Acer é o nome latino para o ácer (bordo) e também significa afiado, pontiagudo, pungente, tanto pela forma pontiaguda das folhas quanto pelo uso da sua madeira para fazer lanças. Segundo algumas fontes, os romanos usavam a madeira do bordo para o fabrico dessas armas.
O restritivo específico pseudoplatanus deriva do prefixo grego pseudo = pseudo, falacioso, enganador e do género Platanus, ou seja, falso-plátano, devido à semelhança das suas folhas e da sua casca.
É uma árvore de grande porte, que pode atingir até 30 metros de altura. Possui uma copa ampla, densa e ligeiramente irregular. Tem tronco reto, revestido por uma casca lisa e acinzentada, que se torna mais escura, escamosa e fendida, que se desprende em placas na idade adulta, lembrando a casca do plátano.
É uma espécie caducifólia, de folhas simples, opostas e palmadas, dividida em três a cinco lóbulos agudos e desiguais, sendo que o tamanho e o recorte das folhas variam com a idade. As árvores mais jovens, por exemplo, possuem folhas maiores e profundamente lobadas, com pecíolos avermelhados. Já os exemplares mais velhos apresentam folhas mais pequenas, com lóbulos menos profundos, sendo os lóbulos basais mais pequenos que os restantes. O pecíolo é mais curto e de cor verde-amarelada ou rosada.
A página superior das folhas desta árvore é lustrosa, glabra e verde-escura, enquanto que a inferior é mais clara, glauca ou avermelhada, com pêlos ao longo das nervuras principais.
Quanto à floração do bordo, ocorre entre abril e maio. As flores são pequenas, hermafroditas ou unissexuais, de cor amarelo-esverdeado e de simetria radial. Têm pedúnculos longos e surgem em inflorescências densas de 60 a 100 flores, terminais e pendentes.
Por sua vez, os frutos aparecem no outono, e ocorrem geralmente aos pares, formando uma dupla sâmara ou dissâmara. A dissâmara é um fruto seco, glabro e alado, provido de asas membranosas, que são estreitas na base e amplas na extremidade, formando um ângulo de aproximadamente 90º entre si.
Os frutos do bordo são verdes a avermelhados quando jovens e tornam-se acastanhados quando maduros, mantendo-se na árvore durante muito tempo, mesmo depois da queda das folhas.
Uma espécie nativa
O Acer pseudoplatanus é a espécie do género Acer mais comum em toda a Europa. É uma espécie nativa da Europa Central, Bacia do Mediterrâneo, Cáucaso e Ásia Menor.
O bordo está presente em Portugal, sobretudo em áreas montanhosas, sendo mais comum a norte do Tejo. Embora seja uma espécie nativa, há também várias populações de origem não autóctone que facilmente se naturalizaram, tornando-se difícil atualmente distinguir as populações autóctones das naturalizadas.
Esta espécie também ocorre nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, onde foi introduzida no passado. Na Região Autónoma da Madeira, aliás, está classificada como espécie invasora.
Devido à sua plasticidade ecológica e capacidade de se adaptar a uma grande diversidade de habitats, o bordo também está listado como planta invasora em algumas regiões dos Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha e Noruega.
Esta é uma árvore rústica de sombra ou de meia sombra, que prefere as regiões montanhosas húmidas e exige boas precipitações, embora suporte bem o calor e a seca. É exigente a nível edáfico, sendo todavia indiferente ao pH, e é um bom indicador de solos férteis. O solo destas árvores deve ser fresco, profundo, bem drenado, fértil e rico em nutrientes.
É uma espécie resistente ao frio e às geadas tardias e também muito resistente ao vento, tolerando alguma exposição marítima. Aguenta bem a poluição atmosférica, sendo por isso muito usada em contexto urbano. E além disso, o bordo é uma espécie de crescimento rápido, que se estabelece rapidamente e pode viver entre 300 e 400 anos.
Ecologicamente trata-se de uma espécie muito importante, já que são vários os insetos que dependem desta árvore. Algumas espécies de lagartas de borboletas alimentam-se das suas folhas e as suas flores, muito melíferas, fornecem um precioso pólen a abelhas, borboletas e outros insectos, que também auxiliam na polinização do bordo.
Já a dispersão das sementes ocorre por ação do vento, pois as asas que envolvem as mesmas rodam com o vento durante a queda. Este mecanismo permite que as sementes sejam dispersas a longas distâncias.
Árvore ornamental de sombra
O bordo tem várias aplicações. É utilizado para fins ornamentais, geralmente isolado em parques e jardins, ou em alinhamentos em avenidas e alamedas. As folhas são vistosas, verdes na página superior, aveludadas e avermelhadas na parte inferior. No outono assumem tons de amarelo-dourado, laranja, vermelho ou castanho, criando um efeito visual único, antes de caírem. No verão, a sua copa ampla e a densa folhagem transformam-na numa excelente árvore de sombra.
Entre as espécies de áceres europeus, o bordo é aquele que tem a madeira mais valiosa, de grande qualidade e mais fácil de trabalhar, muito apreciada em tornearia, marcenaria e carpintaria.
A madeira é leve, compacta, homogénea, brilhante, de cor branca a amarelo-dourada e lustrosa. É usada para a produção de móveis, revestimentos de paredes, estruturas para telhados, parquetes e para a produção de vários utensílios de cozinha (ex. colheres) e instrumentos musicais, especialmente violinos, e para culatras de armas de fogo. Fornece também um bom combustível.
Atualmente o bordo não é usado para fins medicinais ou outros usos terapêuticos. No entanto, sabe-se que no passado as folhas, os frutos e a casca das raízes foram muito utilizados na medicina tradicional, sendo-lhes atribuídas propriedades adstringentes e cicatrizantes.
As folhas eram usadas como colírio para tratamento de inflamações oculares, para evitar o choro involuntário, para cobrir feridas e tratar outros problemas da pele. Também eram usadas pelas suas capacidades isolantes, para dispor o peixe nos locais de venda ou para conservar produtos hortícolas como batatas ou maçãs.
Aproveite um passeio outonal para ver esta espécie em transformação.
As folhas estão a mudar de cor e os frutos são bastante particulares e divertidos. Apanhe um que esteja no chão e lance-o ao ar, vai ver como rodopia no ar até chegar novamente ao solo.
Divirta-se e dê-nos a conhecer esse momento, partilhando as suas fotografias com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Naturalizada – espécie exótica que foi introduzida e que encontrou condições favoráveis para se expandir naturalmente na natureza, mantendo-se em equilíbrio com as espécies nativas durante muito tempo.
Caducifólia – planta cuja folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.
Palmada – folha com a forma de uma mão com os dedos abertos.
Lóbulo ou lobo – parte do limbo da folha com recorte pouco acentuado e em regra arredondada.
Limbo – parte larga de uma folha normal.
Lobada – folha simples que possui margens profundamente recortadas que a dividem em pequenos lobos, no entanto, menores que a metade do limbo.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Glabra – sem pêlos.
Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos ou masculinos.
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Sâmara – fruto seco, indeiscente e monospérmico, semelhante ao aquénio, mas com asa membranosa, alada.
Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.
Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.
Alada – apresenta uma estrutura específica – asa – que auxilia a dispersão pelo vento.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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