Um pouco por toda a Terra, os rios estão a atingir níveis de degradação preocupantes, avisa uma investigação internacional liderada por uma cientista portuguesa, que sugere algumas soluções para este preocupante problema.
Esta equipa, que reuniu cerca de três dezenas de investigadores de todo o mundo, dedicou-se “a analisar o estado biológico dos rios da forma mais ampla possível” com base em dois indicadores: os macroinvertebrados bentónicos e os peixes, explica a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), num comunicado enviado à Wilder. Os resultados do estudo foram publicados esta semana na revista Global Change Biology.
Os cientistas analisaram em conjunto os resultados de programas de monitorização em 45 países, em todos os continentes, incluindo um grande número de áreas de países pertencentes ao designado Sul Global (‘Global South’), “que têm as maiores reservas de biodiversidade de águas doces do mundo, mas que têm sido menos estudadas ou cujos dados não são conhecidos”, indica Maria João Feio, autora principal do estudo e investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e da FCTUC. Entre os países analisados que pertencem ao Sul Global estão por exemplo a “China, Nepal, Nigéria, Brasil, África do Sul, Vietname ou Camboja.”
A equipa encontrou “preocupantes níveis de degradação nos ecossistemas ribeirinhos, com menos de metade dos troços estudados em boa qualidade biológica (42 a 50%, dependendo do elemento biológico – peixe ou invertebrados) e cerca de 30% severamente degradados”. “As piores condições foram encontradas em climas áridos e equatoriais”, destaca a investigadora portuguesa.
Os maus resultados encontrados refletem a “perda de biodiversidade das águas doces, bem como a alteração nos padrões de distribuição das espécies, nomeadamente com o crescente aumento de espécies invasoras”, afirma a mesma responsável. “Tudo isto altera o funcionamento dos ecossistemas ribeirinhos, levando à perda de serviços fornecidos por estes ecossistemas às populações, desde o fornecimento de água à regulação climática ou à prevenção de doenças.”
Em resposta, é essencial continuar a monitorizar os rios de todo o mundo, “desde aqueles onde nunca se fez nada a outros que viram os seus programas serem suspensos”, avisa Maria João Feio, que sublinha ainda a necessidade de se planearem medidas de recuperação. Em causa estão por exemplo o estabelecimento de áreas protegidas para rios ou a melhoria das florestas, que o estudo agora publicado classifica como “soluções eficientes”.
Revelados novos dados que não estavam acessíveis
A investigação agora publicada debruçou-se também sobre áreas consideradas ‘hotspots’ de biodiversidade, como é o caso da Amazónia, e de países como o Japão ou a Coreia do Sul, “que até agora não estavam acessíveis à comunidade internacional”, adianta a Universidade de Coimbra. Os cientistas analisaram ainda a influência do desenvolvimento humano e das alterações antropogénicas sobre a qualidade biológica dos rios, “o que é essencial para perceber que medidas devem ser implementadas a nível global”, defende Maria João Feio.
Entre os factores estudados, os que mais influenciam negativamente os rios são a “má qualidade físico-química da água – uma realidade especialmente em África, na Ásia e na América do Sul -, o facto de existirem menos áreas protegidas para rios e um maior nível de desenvolvimento humano, que se pode traduzir numa maior história de alterações no uso do solo por agricultura, indústria e urbanização.”
Em contrapartida, o aumento da área de floresta e a melhor qualidade da água são fatores que estão associados a uma “melhor qualidade biológica dos rios”.
Por outro lado, a equipa concluiu que as comunidades de peixes encontram-se em piores condições do que as dos invertebrados, como acontece na grande bacia de Murray-Darling, na Austrália, onde “56% dos locais estão severamente alterados, o que pode ser devido ao efeito das quatro mil barreiras à deslocação dos mesmos ao longo do rio, como as barragens ou açudes”, sublinha a mesma responsável.
Aliás, as barreiras “encontram-se amplamente espalhadas pelos rios do Mundo, dado que cerca de 63% dos grandes rios já não correm livremente”, explica a investigadora, que nota que “isto é particularmente relevante quando se sabe que está a ser planeado um grande número de novos aproveitamentos hidráulicos para a América do Sul e Ásia”.