Daniel Veríssimo, um economista maravilhado pela natureza, fala-nos sobre a bela tartaruga terrestre, que no passado existia por toda a Península Ibérica, e sobre as possibilidades do seu regresso ao território nacional.
Existem várias espécies de tartaruga terrestre, desde as zonas solarengas do Sul da Europa ao Norte de África, do Médio Oriente à Ásia Central. Podemos encontrá-las nas montanhas do Atlas no Magreb, ao longo das costas do Mediterrâneo e nos desertos do Levante, e ainda desde as montanhas do Cáucaso e as planícies do Volga até aos campos italianos, gregos e espanhóis e às colinas das Balcãs.
Na Península Ibérica existem duas espécies: a tartaruga-mediterrânea ou tartaruga-do-Mediterrâneo (Testudo hermanni) na zona da Catalunha, e a tartaruga-moura (Testudo graeca) na zona entre Almería e Múrcia, com outra população isolada em Doñana. Nas ilhas Baleares podem ser encontradas ambas as espécies.
A tartaruga-do-Mediterrâneo pode medir entre os 14 e os 20 centímetros e pesar entre 400 e 800 gramas. Já a tartaruga-moura é um pouco mais pequena, medindo entre 13 e 18 centímetros e com um peso que varia entre 300 e 800 gramas.
Ambas as espécies partilham bastantes características: chegam à idade adulta entre os 8 e os 10 anos, as fêmeas tendem a ser maiores que os machos e colocam os ovos no início da primavera, entre Maio e Junho, que eclodem com as primeiras chuvas de Outono. Também a alimentação e habitat são idênticos, pois as duas preferem um habitat semiaberto, com clareiras e zonas fechadas de matos e floresta, e a dieta inclui maioritariamente ervas, mas também pequenos insetos e répteis.
No passado, a tartaruga-do-Mediterrâneo existia por toda a Península Ibérica. Em Portugal, aliás, existem vários registos fósseis com alguns milhares de anos em Peniche, Sesimbra, Bombarral, Tomar e no Algarve.
O consumo humano e uso do fogo em tempos antigos levaram à extinção regional em várias partes da Península, como por exemplo na zona do Bombarral e também na Serra de Atapuerca (norte de Espanha) e nas áreas de Torres Novas e Setúbal.
O ser humano tem vindo a moldar ecossistemas há várias dezenas de milhares de anos e as tartarugas foram das primeiras espécies a ser afetadas. Hoje, fragmentação, simplificação e destruição de habitat são ameaças crescentes, assim como os negócios ligados aos animais de estimação e de igual forma as alterações climáticas, que tornam fenómenos como secas, cheias e fogos cada vez mais frequentes.
Talvez a tartaruga-mediterrânea seja mais adaptada ao clima presente da Península, mas com o tempo, talvez a tartaruga-moura, habituada a um clima mais árido, seja a mais indicada; talvez possam até viver lado a lado. Ambas precisam de um habitat de mosaicos, entre zonas abertas e zonas fechadas com floresta e arbustos.
Precisam de um ecossistema em harmonia para prosperar, com um habitat moldado por boas densidades de herbívoros como veados, cavalos e vacas em regime semisselvagem ou selvagem, importantes para que se mantenha um mosaico de habitats, e com predadores para controlar populações de javali e raposas que são uma ameaça para os jovens tartarugas.
Por outro lado, estas tartarugas têm o potencial de reforçar e complementar as funções desempenhadas pela perdiz e pelo coelho. Além do mais, podem ser uma boa presa para a águia-real ou para o britango, por exemplo.
Com o abandono da atividade agrícola, em grandes partes do país devido ao êxodo rural e à fraca produtividade das terras, há cada vez mais zonas a serem libertadas que podem ser aproveitadas para a conservação e restauro da natureza.
Em Espanha, há centros de reprodução de tartarugas e programas de reintrodução em várias zonas. Para a tartaruga terrestre voltar a Portugal, são precisos programas de solta de animais, pois com a crescente fragmentação de habitat é quase impossível que chegue sozinha.
Desde logo, para que esse regresso seja uma realidade, é necessário avançar com um programa de reintrodução, identificar áreas protegidas, encontrar animais para libertar e soltar as tartarugas em novas áreas. Esta expansão para novas áreas pode ainda ajudar a tartaruga terreste a adaptar-se aos efeitos das alterações climáticas.
Em Portugal existem várias zonas com potencial para a tartaruga terrestre: as serras do Algarve, o Vale do Guadiana, os montados do Alentejo, a Costa Vicentina, os pinhais de Melides e do Meco, a Arrábida e Estuário do Sado, as serras de Aire e Candeeiros e de São Mamede, o Tejo e o Douro Internacional, a Serra da Malcata e o Planalto do Côa até Trás-os-Montes.
Por ser um animal emblemático e relativamente fácil de observar, pode ser um terreno fértil para se desenvolver um verdadeiro destino de natureza em zonas rurais, adubo para o desenvolvimento económico local. Algo que atraia pessoas para descobrirem uma nova área.
Existem várias zonas na Península Ibérica com potencial. No passado, foi extinta por ser a primeira “comida em lata”, mas hoje temos a capacidade e o espaço para recuperar as populações de tartaruga terreste da Península Ibérica, para o benefício de pessoas e natureza. É uma escolha.
Passear pelo campo mediterrâneo na primavera, rico em cores e aromas, e encontrar entre rosmaninho e azinheiras belas tartarugas num passo lento. Ver, no mesmo passeio matinal, a rapidez do coelho, o voo desajeitado da perdiz e o calmo andar da tartaruga. São algumas experiências que poderemos ter, caso a tartaruga volte a Portugal e a novas zonas da Península Ibérica.
Gerir declínios ou promover abundâncias? Aceitar um estado certo degradado ou arriscar na incerteza do restauro? Aceitar a decadência ou sonhar a recuperação? São algumas perguntas que o possível regresso da tartaruga terreste a Portugal coloca.
Ecossistemas são como uma torre de pauzinhos: à medida que vamos tirando peças a torre vai ficando mais instável, mas se colocarmos peças no sítio certo devolvemos estabilidade à estrutura.
A tartaruga terrestre pode regressar a Portugal, resta perguntar quando.
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