Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

Jael e Afonso reencontraram planta desaparecida do Baixo Mondego há mais de 50 anos

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Este mês, a pequena Elatine triandra foi encontrada nos arrozais do Vale de Foja, na Figueira da Foz. O último registo da espécie no Baixo Mondego teria sido feito em 1965.

A redescoberta foi feita a 13 de Março por Jael Palhas, investigador do Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet (CFE) e dos projectos Espécies Invasoras em Portugal e Charcas de Noé e por Afonso Petronilho, estudante do segundo ano de Biologia na Universidade de Coimbra e estagiário de Jael Palhas.

Afonso Petronilho com uma lupa a tentar encontrar flores de Elatine triandra sufiientemente abertas para permitir contar os estames e confirmar a identificação da espécie. Foto: Jael Palhas

Tudo aconteceu “durante a caracterização da vegetação espontânea dos arrozais na época do pousio,  no âmbito do trabalho de campo para o meu trabalho de Doutoramento em Ciencias Agrárias e Ambientais (Universidade de Évora) onde me estou a dedicar ao estudo da conciliação entre a agricultura e a conservação da biodiversidade”, explicou Jael Palhas à Wilder. “O meu estudo de caso é a conservação de plantas aquáticas raras e ameaçadas nos arrozais do Baixo mondego, em particular no Vale de Foja onde há registos históricos de muitas das espécies de plantas aquáticas Criticamente Em Perigo, muito raras ou mesmo desaparecidas em Portugal.”

Segundo Jael Palhas, “esta descoberta é particularmente relevante pois trata-se de uma espécie para a qual há muito poucos dados em Portugal, só havendo uma observação recente (2017) na região do Sado”.

Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

A Elatine triandra já era conhecida para a região do Baixo Mondego. “Há exemplares no Herbário de Coimbra colhidos nos arrozais de Foja em 1965 pelo botânico Júlio de Matos, mas não havia dados recentes”, acrescentou Jael Palhas. “Após ter sido alertado por Filipe Covelo, gestor de colecção no Herbário da Universidade de Coimbra da possível existência desta espécie nestes arrozais, temos estado sempre atentos à sua possível presença. E após duas semanas de trabalho de campo lá encontrámos a planta nos arrozais que têm maior área de lamas expostas sem vegetação.”

Jael e Afonso conseguiram encontrar “muitos indivíduos pequenos dispersos por vários hectares de arrozais. Em apenas dois locais foi observada maior densidade desta espécie e indivíduos mais desenvolvidos”. 

Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

A Elatine triandra é uma “planta muito pequenina, rastejante, com um a 10 centímetros de extensão, com  folhas opostas, por vezes de cor vermelha, e pequenas flores de três pétalas e três estames”, descreveu o investigador. “Existe uma espécie muito parecida, mas com seis estames, que também é rara em Portugal e que continua desaparecida na região, a Elatine hexandra, e uma com quatro pétalas e quatro estames que é a mais comum deste género em Portugal, a Elatine macropoda, mas ainda assim, pouco comum”.

A planta agora redescoberta no Baixo Mondego, uma das cinco espécies do género Elatine conhecidas em Portugal, vive num habitat muito específico que nem sempre está acessível nem é de fácil prospecção. Segundo Jael Palhas, ocorre apenas em “lamas temporariamente descobertas na margem de massas de água maiores (como paúis e barragens, por exemplo)”.

Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

Por isso, ainda há muito a saber sobre esta pequenina planta. “Esta é daquelas espécies que até pode ser mais comum do que se pensa, mas é tão pequena e inconspícua que facilmente passa despercebida a olhos menos treinados e difcilmente chama a atenção de quem não esteja especificamente à procura dela ou de outras plantas igualmente pequenas.”

Uma coisa que se sabe é que a Elatine triandra é vulnerável à competição com outras espécies. Neste caso, “exóticas invasoras que conseguem ocupar estes habitats temporariamente encharcados”, como gramíneas (Paspalum spp. ), cyperaceas (Cyperus spp, Schoenoplectus juncoides, Eleocharis flavescens) e compostas (Conyza spp, Aster squamatum)”.  Mais recentemente, “a grande preocupação é a chegada da Ludwigia peploides (ludevígia-rastejante) à região”.

Por isso, segundo este especialista, algumas das melhores coisas que se podem fazer pela conservação desta espécie é “prevenir, conter e erradicar ou controlar as espécies invasoras (por esta ordem de prioridades)”. Além disso, “estas espécies invasoras são também uma preocupação para os agricultores, visto que são infestantes que reduzem a produtividade dos arrozais”. 

Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

Outra ameaça vem do uso de herbicidas. “Pensa-se que muitas das espécies ameaçadas e desaparecidas devam, pelo menos em parte, o seu declínio ao uso de herbicidas no combate às infestantes dos arrozais.”

“Tenho verificado que encontramos muitos núcleos de espécies raras e ameaçadas nos arrozais durante a época de pousio, quando os terrenos se encontram encharcados e sem mobilização do solo ou uso de herbicidas. Algumas destas espécies desaparecem durante a época do arroz (Maio a Outubro) e voltam a reaparecer no ano seguinte, a partir de sementes, rizomas, etc.”

Jael Palhas e a sua equipa vai continuar a dedicar-se a esta espécie, à Elatine triandra. “Estamos a trabalhar no sentido de mapear a espécie este ano e continuaremos a monitorizá-la nos anos seguintes, tentando perceber melhor as suas dinâmicas e como assegurar a conservação desta e de mais de uma dezena de outras espécies de plantas raras e ameaçadas que ocorrem nos arrozais deste vale.”

Elatine triandra. Foto: Jael Palhas

Por enquanto, ainda não foi avaliado o risco de extinção desta planta em Portugal, uma vez que a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental “só avaliou um quinto das espécies de plantas vasculares de Portugal. Algumas das que não foram avaliadas são muito raras ou estão desaparecidas”. 

Resta, pois, continuar no terreno, à procura.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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