Desde miúda que me recordo das frágeis e delicadas violetas-bravas (Viola riviniana), que adorava colher e colocar na jarra. Estas pequenas flores, de beleza selvagem muito característica que sempre me encantou, começam agora, timidamente, a despertar e a sair do seu esconderijo debaixo da densa folhagem verde, desabrochando lentamente e matizando os campos de violeta.
Violaceae
A família da violeta-brava é a Violaceae, que compreende 25 géneros botânicos e pouco mais de 1000 espécies de plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas de pequeno porte e, menos frequentemente, lianas.
O género Viola, como mais de 660 espécies reconhecidas em todo o mundo, é o único que se encontra presente em Portugal, havendo registo de pelo menos 12 espécies nativas no território continental. Das espécies que ocorrem em Portugal, duas são endémicas da Península Ibérica: a violeta-amarela (Viola langeana) e a erva-da-trindade ou violeta-dos-campos (Viola kitaibeliana).
Muitas das espécies de Viola que ocorrem naturalmente no território nacional constam da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, por se encontrarem em risco. De acordo com os critérios de risco de extinção em Portugal Continental da IUCN – International Union for Conservation of Nature, a violeta-amarela (Viola langeana) encontra-se classificada como “pouco preocupante”. Já a Viola arborescens e a Viola parvula estão classificadas como “vulnerável”. A violeta-hirta (Viola hirta) encontra-se “em perigo” e a Viola bubanii “criticamente em perigo”.
No Arquipélago dos Açores há registo de uma espécie nativa e no Arquipélago da Madeira ocorrem quatro espécies, duas das quais endémicas da região.
Violeta-brava
A violeta-brava, também conhecida vulgarmente como bonelas, é uma planta perene, herbácea, que pode atingir entre 25 a 40 cm de altura. É formada por um caule bem desenvolvido e por uma roseta de folhas basais.
As folhas são simples, geralmente cordadas – em forma de coração -, verdes e pubescentes, acompanhadas de pecíolo longo e estípulas largamente lanceoladas e curtamente fimbriadas.
A floração da violeta-brava é bastante prolongada. As flores começam a despontar no inverno, a partir do mês de fevereiro, florescendo efusivamente até ao final de junho.
As flores surgem sobre um pedúnculo longo – caule florífero, que se forma na axila das folhas e que é mais ou menos ascendente e de tamanho variável, maior que o pecíolo das folhas.
De cor azul-violeta, as flores são inodoras e possuem uma corola dialipétala, zigomórfica, com cerca de 20 mm de diâmetro. A corola é formada por cinco pétalas compridas, as laterais a pender para os lados e as superiores ligeiramente inclinadas para trás. O esporão, prolongamento que se encontra na base de pétalas, é geralmente branco ou mais ou menos violáceo, em forma de tubo ou às vezes apiculado.
O cálice é composto por cinco sépalas livres, agudas, com apêndices acrescentes na frutificação.
Devido à sua falta de cheiro, os ingleses chamam-lhe “dog-violet”, em oposição à violeta perfumada “sweet violet”. A denominação “cão” ou “cavalo” é um prefixo inglês comum para distinguir uma espécie inferior do seu “parente” superior.
O fruto é uma cápsula quase trigonal, deiscente, seco, polispérmico, castanho-esverdeado e glabro. No seu interior encontram-se inúmeras sementes pequenas, com 1 a 2 mm de diâmetro, castanho-claras.
Espécie nativa
Esta planta perene tem uma ampla distribuição nativa, podendo ocorrer um pouco por toda a Europa, norte de África e Macaronésia.
Em Portugal ocorre um pouco por todo o território continental, sendo mais comum nas regiões do Norte e Centro do que nas regiões do Sul, e no Arquipélago da Madeira, onde pode florescer praticamente ao longo de todo o ano.
A violeta-brava pode ser observada em locais húmidos e algo sombrios, no subcoberto de bosques húmidos ou ripícolas, lameiros e prados húmidos, bem como na margem de cursos de água.
Do ponto de vista edáfico, esta planta tem preferência por solos ricos em húmus, ácidos a ligeiramente básicos e bem drenados. Desenvolve-se tanto em solos arenosos como calcários, no entanto, pode ter mais dificuldades de desenvolvimento nos calcários se o pH for muito elevado.
Ecologicamente importante
É uma planta bastante resistente às geadas, mas requer alguma proteção ao vento.
A presença desta planta selvagem, em várias regiões do mundo é indicadora de floresta antiga.
A violeta-brava, assim como outras espécies do género Viola, é conhecida por atrair a vida selvagem e possui um papel muito importante para a biodiversidade envolvente.
Esta planta é polinizada por abelhas e lepidópteros (traças e borboletas). O esporão cheio de néctar atrai e alimenta os insectos polinizadores.
É o alimento crucial na fase larvar de muitas espécies de borboletas e traças: a “high brown fritillary” (Fabriciana adippe), a “silver-washed fritillary” (Argynnis paphia), a “pearl-bordered fritillary” (Boloria euphrosyne), a “small pearl-bordered fritillary” (Boloria selene), a “dark green fritillary” (Argynnis aglaja) e a “clouded buff” (Diacrisia sannio).
Além disso, é também planta hospedeira da “corsican fritillary” (Argynnis elisa) e da borboleta-cardinal (Argynnis pandora) que aí depositam os seus ovos e onde as suas lagartas se mantêm até atingirem a fase adulta.
A disseminação das sementes ocorre naturalmente, através de um mecanismo “explosivo” que ajuda a abrir as cápsulas e a lançar as sementes a curtas distâncias. No entanto, as formigas também podem ajudar neste processo de dispersão.
Bela flor silvestre
Esta bela planta silvestre, assim como outras espécies do género, é bastante interessante como planta ornamental, quer pela delicadeza das suas flores bem como pela sua facilidade de propagação, que permite uma rápida cobertura da superfície do solo.
A violeta-brava pode ser plantada como cobertura vegetal, formando belos tapetes verdes salpicados de violeta quando em plena floração, ou em canteiros junto com outras pequenas plantas. Pode também ser mantida em vasos e floreiras para decorar varandas e terraços.
Além desta vertente ornamental, a violeta-brava também faz parte da alimentação humana. As folhas jovens e os botões florais são comestíveis, crus ou cozinhados.
As folhas podem ser salteadas ou cozidas no vapor, ou misturadas nas sopas, contribuindo para o seu engrossamento. A infusão feita a partir das folhas resulta numa bebida refrescante.
As flores são uma bela guarnição e são comummente utilizadas para acompanhar e decorar saladas doces ou salgadas, massas e pastas, recheios de aves ou de peixes, bolos e panquecas. As flores de violeta-brava também são lindas quando cristalizadas ou congeladas em cubos de gelo.
A violeta-brava também tem importantes propriedades medicinais. Na medicina tradicional é conhecida pelos seus efeitos de reduzir a febre. As suas raízes possuem efeito emético, as folhas um efeito laxante suave e as flores têm propriedades béquicas e expectorantes. As infusões e xaropes à base das flores desta planta possuem propriedades anti-inflamatórias e depurativas e são consideradas um dos melhores remédios para bronquite, pleurisia, tosse e catarro.
No campo da fitoterapia a violeta-brava é utilizada pelas suas propriedades emolientes e expectorantes, sendo útil no tratamento de doenças do trato respiratório e mais raramente, como laxante em pediatria.
No sector cosmético a essência de violeta é utilizada para a elaboração de perfumes, cremes e tinturas.
Riviniana
A origem científica do nome desta espécie deve-se em particular às suas flores. O nome genérico Viola deriva do latim Viola, e do grego ion, que significa violeta, a cor dominante das suas flores. Viola é o nome dado a todas as violetas e a outras plantas, geralmente perfumadas, no entanto é de notar que a conhecida violeta-africana (Saintpaulia ssp.) não pertence a este género.
Já os bem conhecidos amores-perfeitos (Viola tricolor) e as violetas-de-cheiro (Viola odorata) pertencem a este género botânico.
O restritivo específico riviniana foi atribuído em homenagem a Augustus Quirinus Rivinus, um botânico e médico alemão que se dedicou ao estudo da medicina e que classificou inúmeras plantas de acordo com a estrutura da flor.
Na obra que publicou “Introductio generalis in rem herbariam”, entre 1690 e 1699, Rivinus introduziu inúmeras inovações ao conceber um sistema artificial de classificação de plantas, baseado no número de pétalas das flores e da sua regularidade ou irregularidade, tendo sido pioneiro da nomenclatura binomial moderna e que serviu, mais tarde, de base para o trabalho de outros botânicos.
Se tem violetas-bravas a crescer de forma espontânea nos seus canteiros, pense duas vezes antes de as eliminar. Esta bela e delicada planta silvestre é medicinal, comestível, muito importante para inúmeras espécies de animais, e atrai borboletas para o seu jardim.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Roseta – conjunto de folhas muito próximas, dispostas radialmente e a uma altura semelhante, que se desenvolvem na base do caule da planta.
Cordada – folha de limbo arredondado com a forma de um coração.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Estípula – estrutura semelhante a uma pequena folha, que se encontra na base do pecíolo, geralmente aos pares, uma de cada lado.
Lanceolada – folha com forma de lança.
Fimbriada – com uma franja composta de segmentos filamentos, muito finos e mais ou menos paralelos.
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a flor.
Ascendente – ramo que se desenvolve na posição horizontal ou quase, mas que tende a verticalizar.
Dialipétala – flor cuja corola é constituída por pétalas inteiramente livres, não ligadas entre si.
Zigomórfica – flor cuja corola possui apenas um plano de simetria, ou seja com simetria bilateral.
Esporão – prolongamento oco, fechado no extremo inferior, que se encontra na base das pétalas ou das sépalas de algumas flores, e que pode ou não conter néctar.
Apiculado – provido de apículo, ponta curta e aguda, não rígida, na extremidade do esporão.
Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.
Acrescente – que continua a crescer depois do período em que devia atingir as dimensões normais.
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.
Polispérmico – fruto com muitas sementes.
Glabro – sem pêlos.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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