Por estes dias, a maior ave nocturna europeia está em plena época de nidificação. A Wilder falou com Rui Lourenço, investigador e especialista nesta espécie, e conta-lhe o que se passa.
Os olhos grandes e laranjas, os tufos na cabeça semelhantes a asas e a grande dimensão, com um comprimento que pode chegar aos 75 centímetros, ajudam a identificar esta ave que tem um cantar impressionante, ouvido a vários quilómetros de distância.
Por estes dias, no início de Fevereiro, “haverá juvenis pequenos nalguns locais, noutros a fêmea está a incubar os ovos e noutros ainda só agora se está iniciar a postura”, descreve Rui Lourenço, ligado à Universidade de Évora e ao Grupo de Trabalho em Aves Nocturnas.
É costume os bufos-reais permanecerem na mesma zona ao longo do ano e formarem casais para a vida, explica o investigador, que faz uma ressalva – a não ser que um dos membros do par deixe de ter condições para defender o território, ocasião em que poderá ser substituído por um parceiro ou parceira mais forte.
É que a defesa do território – em especial da parte que é conhecida como área vital, que pode variar entre meio quilómetro quadrado e dois a três quilómetros quadrados – é um dos principais deveres destas aves. Especialmente a partir de Setembro e Outubro, quando começa a época de dispersão dos juvenis, em que os bufos-reais nascidos nesse ano ou no ano anterior buscam um território para se instalarem.
“Gera-se uma espécie de dança de cadeiras: esses indivíduos andam à procura de quando haverá um território livre e os casais da espécie têm a necessidade de passar a mensagem de que ‘estamos aqui e queremos reproduzir-nos agora’ – tanto para os vizinhos como para os juvenis.”
“Os dois, macho e fêmea, defendem o território”, descreve Rui Lourenço. “Têm uma série de poisos que delimitam a sua área vital. O macho tem o papel principal de defesa, mas se as coisas se complicarem e for necessária uma intervenção mais agressiva, a fêmea pode ser chamada.” É que entre os bufos-reais existe um dimorfismo sexual, explica, em que as fêmeas são maiores do que os machos.
Para marcar o território, macho e fêmea cantam em coro. Esse comportamento acontece ao longo do ano, mas é quando dispersam os juvenis, pouco antes da nidificação, que estes duetos se ouvem mais vezes. A chamada vocalização territorial, emitida a partir de vários poisos altos, consiste “num pio monótono, “u-U-uuu”, em que a terceira nota é arrastada”, descreve Rui Lourenço. “Ambos os sexos emitem esta vocalização, embora o pio da fêmea seja um tom mais agudo.”
O início da reprodução pode dar-se logo no primeiro ano de vida, mas em regra começa apenas ao segundo ou terceiro, e “vai depender muito de duas condições: terem um local de nidificação e disponibilidade de comida”. Em Portugal, ao contrário por exemplo do Norte da Europa, estas aves procuram especialmente “zonas não perturbadas”, adianta Rui Lourenço, que relaciona isso com a perseguição que a espécie sofreu até há poucas décadas.
À medida que os dias passam, o casal vai evoluindo para a fase de corte – o que acontece normalmente entre finais de Novembro e Dezembro, dependendo de haver alimento suficiente para a fêmea estar fisicamente bem preparada para a postura.
Os locais favoritos para o ninho são escarpas rochosas, por exemplo em vales de ribeiras, ou cristas rochosas em encostas de montanhas. Mas também acontece ocuparem ninhos abandonados por outras espécies. “É o caso dos ninhos de cegonha-preta e cegonha-branca, de águias de grande dimensão como a águia-de-bonelli e a águia-real ou, como já foi observado em Espanha, de ninhos de águia-imperial”, exemplifica o investigador da Universidade de Évora.
Os investigadores acreditam que a localização exacta do ninho será escolhida entre macho e fêmea, dentro do território que ocupam. “Já conhecem o território muito bem e os sítios onde a nidificação correu melhor e pior nos anos anteriores.” Ambos acabam a cantar juntos no local definido e acontece a cópula.
Mas ao contrário de muitas outras aves, neste caso o material para o ninho é inexistente, pois “geralmente só raspam o terreno para tentarem fazer uma plataforma mais estável, para os ovos não caírem.” A fêmea põe em média três ovos, “muito simples e brancos, mais ou menos do tamanho de ovos de galinha”, mas o número pode variar entre dois a quatro e pode chegar mesmo aos cinco ou seis.
Segue-se a incubação, que demora entre 32 a 36 dias dias. A responsabilidade cabe às fêmeas, que no primeiro mês após o nascimento ficam ainda junto das pequenas aves. Quanto ao pai, defende o território e traz o alimento.
“Os adultos trazem para o ninho presas rentáveis, em especial aquilo que apanham mais nesta altura do ano”, explica Rui Lourenço. Curiosamente, na Península Ibérica, é por esses dias – entre Fevereiro e Março – que há grande abundância de coelhos-bravos jovens, nascidos há pouco tempo.
Os estudos que têm sido feitos em Portugal sobre as presas de bufo-real identificam aliás o coelho-bravo como uma das presas preferidas destas grandes aves nocturnas, que também caçam lebres, perdizes, raposas, doninhas, ouriços-cacheiros, ratos e ratazanas, cobras, pombos, galinhas-d’água, gaivotas e outros animais, incluindo insectos e peixes.
Mas além dos alimentos, para tudo correr bem é também importante não haver perturbação humana junto aos ninhos, uma vez que “o bufo-real é uma espécie bastante sensível à perturbação durante a incubação e as primeiras semanas dos juvenis” – período que em Portugal normalmente se prolonga entre Dezembro e Março.
Ainda assim, apesar de ficarem cada vez mais fortes e autónomas, as pequenas aves vão depender dos progenitores durante bastante tempo, normalmente até fazem cinco meses.
Será no final desse período, com 150 a 160 dias de idade, que finalmente dispersam e partem em busca de novos territórios. E em breve, chegará o mês de Setembro e começarão as “danças de cadeiras” e uma nova época de nidificação.
Saiba mais.
Recorde esta bela história de um casal de bufos-reais fotografados por Pedro Miguel Pereira. Conheça também as sete aves de rapina nocturnas que pode observar em Portugal e os sons de algumas dessas espécies.