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Robalo (Dicentrarchus labrax). Foto: Citron/Wiki Commons

Os robalos estão a nascer mais tarde e isso pode afectar o futuro da espécie

06.07.2021

Investigadores portugueses analisaram de que forma é que a temperatura do mar e as variações atmosféricas e oceânicas estão a afectar o ciclo de vida da espécie. E estão preocupados com a sobrevivência destes peixes.

A investigação foi coordenada por cientistas do Marine Research Lab do Centro de Ecologia Funcional (CEF), ligado à Universidade de Coimbra, e contou também com investigadores do CCMAR – Centro de Ciências Marinhas, da Universidade do Algarve.

A equipa concluiu que o aumento da temperatura da água do mar faz com que os robalos (Dicentrarchus labrax) nasçam cada vez mais tarde. O problema é que essa mudança pode prejudicar a sobrevivência destes peixes nas primeiras fases de vida, alertam os investigadores.

Desde logo, porque esta alteração nos nascimentos “pode ser prejudicial devido à possível quebra da sincronia entre as larvas recém eclodidas e a sua fonte preferencial de alimento, o zooplâncton”, avança Filipe Martinho, um dos autores do artigo publicado na revista científica Marine Environmental Research, citado num comunicado da Universidade de Coimbra.

Mas porque é que sucede esse atraso? Habitualmente, na costa portuguesa, os robalos costumam desovar entre Janeiro e Março, “quando as águas tendem a ser mais frias”. “Neste período o abaixamento repentino da temperatura da água acaba por actuar como um estímulo para a desova do robalo”, explicou a equipa coordenadora do estudo, liderada por Miguel Pinto, contactada pela Wilder.

Foto: Roberto Pillon

No entanto, quando a água do mar é mais quente no Inverno, os peixes acabam por direccionar as reservas energéticas para o seu crescimento e atrasam a maturação dos ovos e a sua fertilização, o que leva a que as larvas de robalo nasçam mais tarde. “Estes efeitos podem ser ainda mais severos em populações muito exploradas pela pesca, que têm menos resiliência às alterações do meio”, avisam estes investigadores.

Tal como acontece na superfície terrestre, também no oceano as diferentes espécies adaptaram os seus ciclos de vida aos das presas, de forma a que haja alimento suficiente quando nascem as crias. No caso dos robalos, estas alimentam-se de minúsculos organismos marinhos conhecidos como zooplâncton.

“Existe um fenómeno bem documentado na literatura relativo à ligação entre a reprodução dos peixes e o pico anual de abundância de zooplâncton, geralmente no início da Primavera”, notam. Se as larvas de robalo saírem dos ovos mais tarde, podem “falhar este pico” e enfrentar um período com pouco alimento disponível, “o que irá pôr em causa a sua sobrevivência”. 

Ainda assim, esta possível discrepância é uma relação que terá de ser mais estudada e por isso deve ser vista “com as devidas reservas.”

A migração dos robalos

É no mar que os robalos adultos desovam, mas as larvas que nascem passados poucos dias migram imediatamente para sítios mais seguros e abrigados, como lagoas costeiras e estuários. A migração para esses locais, conhecidos como “zonas de viveiro”, dura ainda cerca de um a dois meses.

Assim, ao chegarem ao destino já enquanto pequenos juvenis, os robalos “vão crescer rapidamente devido a factores como alta disponibilidade de alimento – os estuários são, biologicamente falando, dos locais mais produtivos do planeta – e protecção contra predadores”. 

Passados dois a três anos de crescimento nestas zonas de viveiro, estes peixes iniciam nova migração em direcção ao oceano antes de atingirem a maturidade sexual. Se tudo correr bem será aí que se vão reproduzir, antes de fecharem o seu ciclo de vida.

Robalo (Dicentrarchus labrax). Foto: Citron/Wiki Commons

No entanto, se os nascimentos das larvas acontecerem mais tarde devido à subida da temperatura das águas, podem “coincidir com os fenómenos de afloramento costeiro típicos da Primavera e Verão”, impedindo-as desta forma “de chegar aos estuários”, aponta Filipe Martinho.

O afloramento costeiro – conhecido também por ‘Upwelling’ – traduz-se num movimento de massas de água do fundo do oceano para a superfície. Está muito relacionado com o vento norte, que “ao forçar a deslocação das massas de água superficiais do oceano para longe da costa, leva a que as massas de águas da profundidade, ricas em nutrientes, se desloquem para a superfície”, descreve a equipa. Normalmente, este fenómeno começa a ganhar força com o início da Primavera e Verão.

Ora, como as larvas de robalo que migram do oceano para a costa portuguesa “ainda não têm autonomia natatória completa”, ficam mais dependentes das correntes marinhas. Se o afloramento costeiro já estiver muito intenso na altura da migração, acaba por “empurrá-las constantemente para o alto mar, dificultando a sua chegada a locais costeiros e induzindo elevadas taxas de mortalidade.” 

O que tem a Oscilação do Atlântico Norte a ver com isto?

A Oscilação do Atlântico Norte (conhecida por NAO, na sigla inglesa) é um fenómeno atmosférico que influencia os padrões climáticos no Atlântico Norte, incluindo a Europa Ocidental e a América do Norte. O valor desta oscilação é calculado pela diferença nos valores de pressão atmosférica entre Reykjavík (Islândia) e São Miguel (Açores).

Ora, o nascimento mais tardio dos robalos pode agravar-se em anos de Oscilação do Atlântico Norte negativos, uma vez que são “períodos de produtividade oceânica muito reduzida”, alerta Filipe Martinho. Nesses anos, “o atrasar da eclosão poderá contribuir para uma elevada mortalidade dos juvenis [de robalo], com efeitos negativos nos stocks pesqueiros a longo prazo.”

Isto porque “em anos de valores mais negativos, são de esperar piores condições oceânicas com águas mais frias e anos mais chuvosos no sul da Europa”, acrescenta a equipa. Em contrapartida, nos anos em que o NAO tem um valor positivo, “espera-se um clima mais moderado/suave, com temperaturas de água mais quentes e clima menos ventoso no sul da Europa”.

A importância dos otólitos

No âmbito da investigação, os cientistas compararam as datas de nascimento e o crescimento de robalos na costa portuguesa ao longo de sete anos, entre 2011 e 2017.

Por ser difícil o acesso às amostras de que precisavam no meio marinho, os investigadores optaram por analisar os otólitos dos robalos. Estes órgãos compostos por carbonato de cálcio, que existem no interior do ouvido interno de todos os peixes ósseos, “desempenham uma função importante na audição, orientação e equilíbrio”, explica Filipe Martinho.

Por outro lado, são uma ferramenta importante para os cientistas, uma vez que “é depositada uma nova camada de material em função dos ritmos circadianos, sazonais e anuais, formando um anel distinto, e que permite a reconstrução da história de vida dos peixes com elevada resolução”. Assim, é possível contar estas marcas como se fossem os anéis do tronco de uma árvore.

Mas o que conseguiram os investigadores avaliar? “A deposição de um novo anel a cada dia permitiu determinar com precisão a sua data de nascimento, a sua idade, bem como a taxa de crescimento diária, obtida através da distância medida entre cada anel.”

Os resultados podem ajudar a prever que consequências é que as alterações climáticas vão ter para o robalo, mas também a gerir melhor os stocks da espécie no que respeita às políticas de pesca, consideram os investigadores da Universidade de Coimbra.

Estes alertam que “o robalo é uma espécie muito apreciada pelos consumidores, o que tem contribuído para o seu declínio generalizado em estado selvagem na Europa”, mas notam que em Portugal a situação da espécie é desconhecida. “Mais do que nunca é necessário desenvolver medidas de gestão e proteção direcionadas a esta espécie.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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