O aroma inconfundível das alfazemas já se faz sentir um pouco por todo o lado. E a mim faz-me retroceder à minha infância. Recordo a fragrância dos saquinhos de pano que colocava nas gavetas com flores e raminhos de alfazema, para perfumar e impedir a presença de parasitas indesejados.
Mas existe uma espécie de que gosto particularmente, a alfazema ou rosmaninho (Lavandula stoechas), também conhecido por lavanda, cabeçuda, rasmano e arçã. Não confundir este rosmaninho com outra espécie que partilha o mesmo nome comum e de que já falámos anteriormente.
A alfazema
A alfazema é um pequeno arbusto perene e aromático da família Lamiaceae, que engloba muitas outras espécies aromáticas bem conhecidas, como a hortelã, o alecrim, o orégão, a sálvia e o tomilho. As espécies que constituem esta família são maioritariamente arbustivas e herbáceas.
As espécies do género Lavandula possuem uma taxonomia complexa. Além desta particularidade, muitos dos taxa identificados com designações científicas diferentes têm o mesmo nome vulgar.
No que respeita à alfazema, trata-se de um arbusto semilenhoso que possui caules direitos, ascendentes ou prostrados, e que pode medir até cerca de 40 cm de altura. As suas folhas são pequenas, inteiras, quase lineares a lanceoladas, tomentosas e de cor verde-acinzentadas.
Por estes dias são já visíveis as primeiras flores desta espécie e a floração mantém-se até ao início do verão. As flores são pequenas, tubulares e labiadas, de cor púrpura-anegrada ou violeta-escura. Surgem entre brácteas quase da mesma cor e agrupadas em inflorescências compactas – espigas, com dois a quatro centímetros de comprimento. No topo dessa inflorescência surgem três longas brácteas petalóides com um a cinco centímetros de comprimento, de cor violeta a lilás.
O fruto da alfazema é do tipo núcula ou clusa – um tipo de fruto seco, esquizocarpo, semelhante a uma pequena noz, que se divide na maturação, formando quatro frutos parciais. Tem forma elipsóide, é liso e brilhante, não possui pelos e é de cor acastanhada após a maturação.
Atribui-se a origem do nome Lavandula aos Romanos, que pode derivar do latim Lavare que significa “lavar, purificar”, relacionado com o facto de que estas plantas servem para perfumar a água do banho, ou do termo livendulo que significa “lívida ou azulada”. O restritivo específico stoechas provém do termo grego stoichas que significa “alinhado” e que está associado ao arranjo ordenado das flores.
Planta nativa e ornamental
As espécies do género Lavandula estão presentes quase exclusivamente na bacia do Mediterrâneo Ocidental. A Lavandula stoechas é nativa do Sudoeste da Europa e do Norte de África. Em Portugal pode ver-se um pouco por todo o país, sendo mais predominante no Centro e Sul.
Surge em zonas de matos e matagais xerófilos, em clareiras e no subcoberto de azinhais, sobreirais, carvalhais e pinhais. Tem preferência por locais expostos e secos, substratos pobres, siliciosos e com pH ácido ou neutro. É tolerante a períodos de seca prolongada e intolerante às geadas.
Em Portugal podem encontrar-se duas subespécies: a Lavandula stoechas subsp. stoechas, espécie mais predominante no Centro e Sul, e que ocorre naturalmente também em Espanha, França, Grécia, Itália, Marrocos, Tunísia, Turquia, Argélia, Líbano.
A outra é a Lavandula stoechas subsp. luisieri, vulgarmente conhecida como rozeira, e que é uma espécie endémica da Península Ibérica, com uma área de distribuição muito restrita. Em Portugal é menos frequente, podendo encontrar-se mais na faixa litoral e no Centro e Sul.
A alfazema é uma espécie com elevado interesse ornamental, quer pela sua folhagem verde-acinzentada, muito decorativa ao longo de todo o ano, bem como pelas belas flores de cor violeta a lilás que surgem durante a primavera e o verão.
É muito utilizada em jardins públicos e privados, na composição de maciços, bordaduras, cercas-vivas, como arbustos isolados ou em grupos irregulares, em canteiros de plantas aromáticas, em vasos e em floreiras. Tem a particularidade de envelhecer precocemente se não for alvo de cuidados de manutenção regulares.
Planta aromática e medicinal
Além do interesse ornamental, esta espécie tem muitas outras aplicações. É valorizada como espécie melífera pela sua grande produção de néctar, e é usada como erva aromática e condimentar, em particular em carnes e azeitonas.
As flores e as folhas também são utilizadas para aromatizar licores, chás e vinagres, e podem ser adicionadas ao açúcar para lhe conferir um aroma doce requintado. As folhas, flores e raminhos são usados em infusões e para aromatizar saladas e pratos guisados, doces de fruta e gelatinas.
As flores, folhas e raminhos secos são utilizadas em pot-pourri, ou acondicionadas em sacos de pano para colocar nos cómodos e nos armários, para aromatizar a casa, e servem também como repelente de insetos. Os raminhos mais finos e secos podem ser queimados como incenso.
A alfazema também é usada em fitoterapia, sendo reconhecida como anticatarral e mucolítico e pelas suas propriedades antidepressivas, sedativas, calmantes, relaxantes, antissépticas (no tratamento de feridas), anti-inflamatórias, etc.
Na aromaterapia, o óleo essencial deste género (Lavandula sp.) é a base de muitos produtos e tratamentos, pelas suas qualidades tranquilizantes e por promover estados mais serenos.
Na medicina tradicional, este óleo essencial é usado sob a forma de infusões no combate a constipações, tosse, digestões difíceis, urticária, dores de cabeça, no tratamento do acne, nas picadas de insetos, queimaduras, problemas de coração e dores menstruais. Também é utilizado na preparação de xaropes em misturas com outras plantas e mel para aliviar outros problemas de saúde.
Do ponto de vista ecológico, é uma planta importante, contribuindo para o incremento da biodiversidade, servindo de alimento e abrigo a muitos animais da fauna silvestre. Além disso, esta planta tem uma alta tolerância a incêndios, sendo uma das primeiras a reaparecer em áreas devastadas pelo fogo.
Um aroma com história
Na história da Lavandula sp. há lendas que remontam ao Jardim do Éden e ao Antigo Egito. De acordo com inúmeros registos históricos, este género terá sido encontrado pela primeira vez em Naarda, uma cidade síria perto do rio Eufrates, e terá sido batizado como “nardus” – nardo.
A Bíblia e os textos apócrifos referem-se ao nardo (associando-o ao género Lavandula) no “lava-pés” feito por Maria Madalena a Jesus Cristo. Também existem inscrições de que Cleópatra utilizou óleo de nardo para seduzir Júlio César e Marco António.
A sua fama, devido às inúmeras aplicações e benefícios, espalhou-se rapidamente pela Europa, e foi a principal precursora do desenvolvimento e da expansão da perfumaria e da cosmética.
Hoje em dia o óleo essencial de alfazema é usado no fabrico de sabonetes, sabões e loções para banhos. Das folhas e das flores podem ser obtidos perfumes, pois a sua essência contém inúmeras substâncias que lhe conferem um aroma agradável e característico, floral e a terra.
Já todos sentimos estes aromas na água-de-colónia, no sabonete, no pot-pourri e até nos detergentes e nas flores do jardim, mas agora o desafio será procurar estas plantas na natureza e admirar a sua beleza natural. Sem as colher nem cortar, preservando-as.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Taxon (no plural taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex: Família, Género, Espécie, Subespécie).
Ascendente – caule que se desenvolve na posição horizontal ou quase, mas que tende a verticalizar.
Prostrado – caule estendido sobre o solo.
Linear – folha estreita e comprida (comprimento é 6 a 12 vezes mais do que a largura), com margens quase paralelas.
Lanceolada – folha com limbo que apresenta a forma de lança.
Limbo – parte larga de uma folha normal.
Tomentosa – folha coberta de pelos moles e muito finos que formam uma camada mais ou menos densa que a reveste.
Tubular – corola que possui um tubo muito alongado.
Labiada – corola irregular, dividida em duas partes, a imitar dois lábios.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Petalóide – semelhante a pétala pela cor e consistência.
Esquizocarpo – fruto seco que na maturação se divide em frutos parciais.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.
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