Em Julho passado, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) apontou o dedo às redes usadas em aquaculturas, causa de morte para muitas aves.
E no entanto, apesar da denúncia feita e de já se conhecerem soluções possíveis para evitar o que se passa actualmente, “a situação mantém-se um pouco por todo o país, com episódios recentes na zona da ria de Aveiro pelo núcleo local da Quercus”, critica esta quinta-feira a SPEA, num comunicado enviado à Wilder.
O problema já tinha sido dado a conhecer publicamente meses antes por um técnico português, José Jambas, que em Fevereiro de 2020 alertou para a morte de várias aves – incluindo uma águia-de-bonelli, espécie ameaçada – nas redes de uma unidade de aquacultura na Figueira da Foz.
Passados alguns meses, face às reivindicações da SPEA, uma fonte oficial do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) justificou a inacção perante estes problemas – incluindo o facto de não se fazer monitorização das aquaculturas – com a “finitude” de meios humanos e materiais.
Mas neste momento, segundo a associação portuguesa, “o ICNF continua a não agir”. Face ao que está a acontecer, sete organizações ligadas à conservação de natureza “exigem agora que os Ministérios do Ambiente e do Mar, sob cuja tutela se encontram as autoridades responsáveis pela fiscalização e regulamentação do sector, abandonem a inércia e implementem soluções, para que a salvaguarda das aquaculturas não seja uma ameaça às aves selvagens”.
Em causa estão, além da SPEA, também a associação Milvoz, ANP-WWF Portugal, Sciaena, GEOTA, APECE – Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios e OMA – Observatório do Mar dos Açores.
“Falta claramente vontade política”
“Existem soluções técnicas, existe abertura por parte do sector, mas falta claramente vontade política, tanto no Ministério do Ambiente como no Ministério do Mar, para impedir que as aves continuem a morrer”, sublinha Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA.
O problema das aves que morrem nas aquaculturas está relacionado com as redes que são colocadas sobre os tanques pelas responsáveis destas unidades, “para proteger o seu sustento”. Dessa forma, impedem que aves como os corvos-marinhos, águias e garças-reais comam os peixes que ali estão a ser criados.
A lei portuguesa obriga a que essas redes tenham de ter uma licença do ICNF para serem instaladas, cabendo a esta entidade fiscalizadora assegurar que não são afectadas espécies protegidas. “No entanto, um grande número de aquaculturas em Portugal tem instaladas redes onde ficam presas todos os anos inúmeras aves, incluindo espécies protegidas como a águia-sapeira e o pernilongo”, alerta a SPEA.
A organização não governamental de ambiente afirma que “é evidente que as autoridades responsáveis pela monitorização e fiscalização das aquaculturas, nomeadamente o ICNF e a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) não estão a cumprir o seu dever”.
“Existem fundos europeus para mitigar o impacto ambiental das aquaculturas, que estão muitas vezes localizadas em áreas protegidas; é urgente mobilizar esses fundos”, acrescenta Joana Andrade. “Só assim estaremos a promover uma aquacultura mais sustentável.”
Há redes mais adequadas
As redes que provocam a morte das aves são fabricadas com um fio de nylon fino e transparente, que as aves muitas vezes não vêem. Ao voarem na direcção de um tanque, chocam contra esses fios e “ficam com cortes profundos no corpo e nas asas, chegando a morrer afogadas”.
Noutros casos, “ficam enrodilhadas nesta armadilha e passam horas a tentar soltar-se, acabando por sucumbir à exaustão, fome e desidratação”, pelo que “a intervenção rápida e adequada dos aquacultores pode fazer a diferença.”
Na verdade, segundo a SPEA, a própria Associação Portuguesa de Aquacultores tem-se mostrado empenhada em encontrar soluções para esta questão, “com alguns aquacultores inclusive a pedirem conselhos à SPEA sobre como evitar que morram aves nas suas explorações”. Em contrapartida, “o entrave tem vindo sempre das autoridades que deveriam proteger a Natureza”, acusa.
A associação fez parte de um grupo de trabalho, em conjunto com a Associação MilVoz, Associação Portuguesa de Aquacultores, Oriolus, ICNF e DGRM, no qual se delineou uma lista de rocedimentos que os aquacultores deveriam seguir sempre que encontrassem aves nas suas redes. “Estes procedimentos poderiam salvar aves, mas não chegaram a ser divulgados pelo ICNF nem pela DGRM, que assim voltaram a não dar resposta à sociedade civil.”
Por outro lado, “existem soluções alternativas que podem reduzir esta mortalidade“, pelo que “a falha das autoridades é ainda mais incompreensível”. É por exemplo o caso das redes pretas – mais visíveis para as aves – ou que tenham uma malha mais apertada, que evitam que aquelas fiquem presas. Podem juntar-se também fitas coloridas ou réplicas de predadores, adianta a associação, que defende que “estas e outras soluções deveriam ser testadas, monitorizando de perto a sua eficácia”.
“As autoridades portuguesas têm de agir, e agir já. Pelo imperativo moral de impedir a morte destas aves, pela obrigação legal de proteger espécies ameaçadas, e pelo dever de salvaguardar o futuro deste sector económico”, reitera Joana Andrade.
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