O projecto de investigação sobre os abutres-pretos do Parque Natural do Tejo Internacional, coordenado pelo Hawk Mountain Sanctuary, está a analisar amostras biológicas das crias em busca de metais pesados e produtos veterinários perigosos para estas aves.
Esta é uma das acções que estão a ser realizadas desde 2018 no âmbito deste projecto internacional, que está também a estudar os movimentos de dispersão dos juvenis da espécie através da marcação com emissores GPS.
Além do Hawk Mountain Sanctuary (EUA), colaboram a eléctrica Endesa, o Instituto de Conservação da Natureza e das Forestas (ICNF), através do Parque Natural do Tejo Internacional (PNIT), e o Departamento de Toxicologia de Universidade de Murcia.
É aos veterinários da universidade espanhola que cabe a colheita de amostras biológicas das crias, quando estas são retiradas temporariamente do ninho para colocarem também os emissores. O sangue dos pequenos abutres é depois analisado em busca de 17 produtos tóxicos, que incluem sete metais pesados e dez produtos veterinários antibióticos e anti-inflamatórios.
De acordo com Alfonso Godino, investigador associado do Hawk Mountain Sanctuary, em causa está “um dos mais ambiciosos estudos de toxicologia de abutre-preto em Portugal mas também na Europa”. O principal objectivo deste estudo na maior colónia portuguesa de abutre-preto é ser uma estação de vigilância toxicológica para a detecção desses produtos.
Até agora detectaram-se “níveis preocupantes” de chumbo e cádmio em 2018, “mas que depois não voltaram a aparecer”. Já outros tóxicos foram detectados em níveis baixos, mas mesmo essa detecção em crias mostra ser importante “uma maior monitorização, tanto em número de indivíduos como ao longo do tempo.”
Chumbo é o pior dos metais pesados
“Na actualidade uma grande quantidade de produtos tóxicos estão ser espalhados na natureza e alguns deles são bioacumulativos, ou seja, não são eliminados pelos organismos vivos e têm efeitos prejudiciais”, explicou à Wilder o mesmo responsável. Para as aves de rapina e outras, esta acumulação pode ser tão grave a ponto de significar a morte.
Dos metais pesados, todos com efeitos muito negativos para as aves, o chumbo é o pior. Nas aves de rapina o chumbo tem origem ambiental mas principalmente cinegética, pois muitas das presas abatidas durante a caça acabam por ser alimento para aves necrófagas como o abutre-preto. É assim que o chumbo das munições passa para o organismo destas aves.
“Pela ameaça que pode representar o chumbo da actividade cinegética nas aves aquáticas e em rapinas, nalgumas áreas tem sido proibida a utilização de munições com chumbo”, lembra o investigador. Mas o estudo está também a procurar outros metais pesados com efeitos nas aves, como o mercúrio e o cádmio.
Já os outros tóxicos que estão a ser analisados são produtos veterinários, em especial antibióticos e anti-inflamatórios utilizados na gestão do gado, que por acumulação nas carcaças desses animais podem passar ao organismo dos abutres. Desses produtos, Alfonso Godino destaca o diclofenaco, pelo “elevado impacto que o uso deste medicamento tem tido nas populações de abutres na Ásia. “No passado, os abutres eram das aves mas comuns do subcontinente indiano, mas hoje em dia [devido ao diclofenaco] terão desaparecido entre 90 a 96% dessas populações.”
Apesar dos efeitos muito graves para as aves necrófagas, que já levou à proibição do uso de diclofenaco em muitos países, paradoxalmente em Portugal, Espanha e Itália, que albergam mais de 90 % das populações de abutres da Europa, este produto não foi proibido”, lamenta o investigador.
“É muito importante monitorizar e detectar a tempo a possível presença do diclofenaco e de outros produtos veterinários nas populações de abutres, para detectarmos esses produtos a tempo e tomarmos medidas da forma mais rápida e eficaz possível”, sublinha.
O abutre-preto, que é a maior ave de rapina da Europa, tem uma envergadura de asas que chega aos três metros. Em Portugal, onde a espécie em 2005 foi classificada Criticamente em Perigo de extinção, estas aves só voltaram a reproduzir-se em 2010, depois de terem estado sem nidificar durante 40 anos.