Sentado nas rochas de frente para o mar, com a caixa de aguarelas como companhia, Francisco Hernández veio de Espanha para pintar a Costa Vicentina. O ilustrador naturalista que se apaixonou por este lugar há 15 anos regressou com uma missão: mostrar a beleza selvagem desta região da Península Ibérica.
Francisco Hernández, 45 anos, vive numa localidade próxima de Sevilha, onde tem o seu estúdio. Visitou a Costa Vicentina pela primeira vez em 2000. Em Maio deste ano regressou e passou quatro dias a desenhar as falésias, o mar e os campos onde os ramos de oliveiras e figueiras se entrelaçam.
Wilder: Por que decidiu visitar a Costa Vicentina pela primeira vez, em 2000?
Francisco Hernández: Dedico-me à ilustração e à pintura naturalista profissionalmente e estou especialmente interessado em recolher, através do desenho e da pintura, instantes, impressões e sensações sobre espaços naturais que chamam especialmente a minha atenção.
W: Qual foi a sua primeira impressão da Costa Vicentina?
Francisco Hernández: Fiquei com uma imagem muito nítida das grandes falésias e das praias selvagens a Norte do Cabo de São Vicente. Lembrava-me da passagem de aves marinhas muito perto da costa, da presença de falcões peregrinos a caçar sobre as grandes falésias, de uma costa viva em todos os sentidos. Mas sabia que tudo isso era apenas a ponta do iceberg de toda a beleza que este espaço encerra. Sabia, acima de tudo, que um dia haveria de voltar. Não esperava era que demorasse tanto tempo, tendo em conta que vivo a apenas quatro horas de viagem, em Espanha.
W: E desta vez, passados 15 anos, quais os locais que escolheu para desenhar?
Francisco Hernández: Os recantos onde passei mais tempo a desenhar foram a Prainha das Poças (Sagres), Telheiro, Ponta Ruiva e Praia Boca do rio, perto de Forte de Almádena (no concelho de Vila do Bispo).
W: O que lhe chamou mais a atenção?
Francisco Hernández: Por ser Maio, a floração da vegetação mediterrânica que bordeia a costa estava em plena efervescência. Foi espectacular pela sua diversidade. Estava criado um mosaico de vida e cor que nunca tinha visto em mais nenhum lugar.
A vida vegetal em floração associada a estas falésias é de uma beleza singular. Achei especialmente bela uma espécie do género Armeria. E a mistura de cor e aromas a estevas, tomilhos… é impressionante. Assim como a forma atarracada da vegetação, por causa das limitações impostas pelas duras condições meteorológicas que se sentem quando não vivemos os dias aprazíveis de Verão..
Outro aspecto que me cativou foi a beleza das falésias rochosas, com tons arroxeados, alaranjados, verdes, brancos. Interessaram-me especialmente as formas e as cores do estrato calcário constituído por rochas muito porosas (as tufas calcárias) no topo de algumas falésias. Em alguns lugares pode observar-se como este tipo de rocha continua a sua formação em recantos de onde a água doce brota da parede rochosa, arrastando o carbonato de cálcio dissolvido que volta a depositar-se sobre a vida vegetal que cresce sobre as paredes húmidas, dando lugar, através da calcificação de caules e musgos, à sua morfologia característica. Há sítios da costa onde os enormes blocos deste estrato calcário se despenharam e jazem na costa, suportando os embates das ondas.
E as ondas do grande oceano Atlântico. Algo que só surpreende a quem está acostumado à ondulação de um mar mais modesto, como é o Mediterrâneo.
Numa belíssima zona rural, onde se cultivam cereais entre as oliveiras, vi uma coisa que nunca tinha visto antes. Tratava-se de um campo de cultivo, aparentemente abandonado, onde cresciam lado a lado figueiras, oliveiras e lentiscos, tão juntos que entrelaçavam os seus ramos.
W: Perante tanta inspiração, o que escolheu desenhar?
Francisco Hernández: Desenhei, sobretudo, na zona costeira as falésias rochosas. As rochas fascinam-me, assim como toda a vida que cresce e se desenvolve em seu redor. A flora, os insectos, as ondas. Terra adentro cativaram-me os ramos e troncos de velhas figueiras e a paisagem rural. Desta vez viajei sem o meu telescópio e por isso prestei menos atenção às aves e mais à paisagem e às micropaisagens. Ainda assim observei nas zonas do interior espécies como o cartaxo-comum (Saxicola torquata), chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe), toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala) e o melro (Turdus merula). Na costa observei o ostraceiro-europeu (Haematopus ostralegus), várias espécies de gaivotas (Larus sspp) e o peneireiro (Falco tinnunculus).
W: Que técnicas utilizou para desenhar?
Francisco Hernández: As técnicas que utilizei foram o lápis de grafite, a tinta-da-china e aguarela. Esta última é a técnica com a qual me sinto mais à vontade quando quero utilizar a cor no campo.
W: Que destino vai dar aos seus desenhos da Costa Vicentina?
Francisco Hernández: Gostaria de visitar mais vezes o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e ir completando a minha colecção de desenhos e aguarelas desta zona. Seria uma desculpa perfeita para passar mais tempo lá, a desfrutar e a descobrir outros belos recantos que ainda não conheço.
Além disso, seria fantástico publicar as minhas ilustrações em formato de caderno de campo para que outras pessoas conheçam a incrível beleza selvagem que existe nesta região da Península Ibérica. É impressionante. É possível que até pessoas que já tenham visitado esta zona desconheçam a intimidade da natureza que habita nos seus pequenos recantos, quase desapercebida, quase oculta.
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Saiba mais sobre Francisco Hernández através do seu site Avestrazos.
O ilustrador espanhol falou connosco sobre o papel que tem na sua vida desenhar a natureza e sobre a importância que pode ter para qualquer pessoa. Pode ler aqui.