Um grupo internacional de investigadores publicou uma carta a alertar para o impacto negativo dos populares montinhos de pedras. A Wilder falou com Ricardo Rocha, autor principal, que explica quais são as razões.
A construção de montinhos de pedras parece estar a popularizar-se em todo o mundo. Associada ao turismo de aventura, dá bonitas fotografias para serem partilhadas em redes sociais, notam os 14 cientistas que assinam uma carta ao director, publicada na revista científica Human-Wildlife Interactions.
Na verdade, descrevem, “pedras empilhadas podem ser hoje encontradas em inúmeras áreas naturais protegidas, como o Parque Nacional de Teide, em Tenerife [Canárias], onde muitas vezes são confundidas com sinais de trilhos”, nos Estados Unidos e em muitos outros locais. Em Portugal, têm sido detectadas por exemplo no arquipélago da Madeira e na Serra da Estrela.
Mas algo que parece inofensivo pode prejudicar várias espécies que dependem dessas rochas como abrigo, explicou à Wilder o autor principal da carta, Ricardo Rocha, investigador ligado às universidades do Porto e de Lisboa. “O grande objectivo da carta foi sensibilizar tanto as autoridades, como o público em geral, para o facto destes montinhos de pedras, que parecem inocentes, poderem ter impactos na biodiversidade.”
“Embora nenhum estudo tenha incidido até agora no impacto na biodiversidade, existem vários estudos que mostram que as pedras, na sua posição natural, são de uma enorme importância para várias espécies de fauna e flora, muitas delas ameaçadas”, sublinha.
Um exemplo é a osga-das-Selvagens (Tarentola bischoffi), um pequeno réptil endémico das Ilhas Selvagens, no arquipélago da Madeira. Num estudo aí realizado, os cientistas descobriram que “a maioria das pedras com dimensões superiores a um palmo” abrigam pelo menos um réptil desta espécie, considerada como Vulnerável à extinção pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.
Já a Ponta de São Lourenço, o local mais a leste da Ilha da Madeira e área natural protegida, é dada como exemplo na carta agora publicada. Esta península com 18 quilómetros quadrados é um destino muito popular para caminhadas. “Infelizmente nos últimos anos, muitos visitantes começaram a empilhar pedras ao longo do percurso, muitas vezes saindo dos trilhos demarcados”, lamenta Ricardo Rocha.
Resultado? Descobriram-se mais de 200 montes destes, cada um com cinco a dez pedras e dispersos por cerca de um hectare – uma área semelhante à que seria ocupada por um campo de futebol – desde logo com “danos consideráveis na vegetação.”
Naquela zona de ambiente árido, nota o investigador, conhecem-se várias espécies com áreas de distribuição muitíssimo pequenas e que vivem associadas às pedras, para as quais os vistosos montinhos “podem ter um impacto significativo”. É o caso do caracol de São Lourenço Amphorella tornatellina minor, que habita uma área com menos de um quilómetro quadrado, e de outras espécies que apenas ali se podem encontrar.
“Felizmente o Serviço do Parque Natural da Madeira desmontou a grande maioria destas estruturas e fixou um painel informativo a alertar os visitantes para a importância de respeitar e preservar os valores naturais locais.”
Por todo o mundo
A ameaça estende-se a muitas outras áreas naturais, em especial zonas com muitas espécies endémicas, ou seja, “espécies com áreas de distribuição restritas e que em todo o mundo apenas podem ser encontradas em locais específicos.”
Em Portugal, por exemplo, esta prática já virou também moda na Serra da Estrela, em especial perto de áreas mais turísticas, onde esses montinhos podem ser confundidos com as mariolas, que servem para sinalizar os trilhos aos montanhistas. Assim, além de prejudicarem a biodiversidade podem enganar também visitantes.
Noutros países, há pontos muito populares de áreas protegidas onde os montinhos de pedras são encontrados, como o Parque Nacional de Thingvellir na Islândia ou o Parque National Muránska Planina, na Eslováquia. Ou ainda na Jordânia, na área protegida de Wadi Rum.
Ainda assim, Ricardo Rocha acredita que para já não é necessário aprovar legislação específica, mas apenas alertar as autoridades e cada vez mais pessoas para o impacto negativo – e muitas vezes desconhecido – que podem causar em várias espécies que já estavam ameaçadas por outras razões.
E promete continuar atento: “O impacto isolado de um número pequeno destas estruturas é certamente limitado, mas à medida que a prática se vai tornando mais popular, há que pensar nos efeitos indesejados.”