Classificado como Em Perigo de extinção a nível mundial, o coelho-bravo registou uma diminuição de 17,6% entre 2009 e 2022, revela o primeiro censo ibérico a esta espécie.
De 2009 a 2022, as populações de coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) caíram 17,6% em todo o território de Portugal e ainda na Andaluzia, Castela – La Mancha e Extremadura espanhola, segundo o censo ibérico feito no âmbito do projeto LIFE Iberconejo, que termina este mês de Junho.
O coelho-bravo está Em Perigo de extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN); o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental atribuiu-lhe a categoria Vulnerável, uma vez que a sua população registou uma redução entre os 60 e os 79% nas últimas três gerações.
Na verdade, “é considerado uma das espécies de mamíferos com maior declínio populacional em Portugal na última década”, segundo o Livro Vermelho.
As alterações nos usos do solo, com o desaparecimento da paisagem tradicional em mosaico, e as doenças, são os fatores que têm sido associados ao declínio das populações do coelho-bravo.
Este primeiro censo ibérico à espécie revelou ainda “diferenças notáveis na situação do coelho em paisagens agrícolas ou de mato”, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). “As estatísticas cinegéticas mostram uma redução de 10,17% de coelhos capturados em zonas agrícolas no mesmo período, com uma tendência de aumento nos últimos anos, enquanto a espécie continua em queda livre em zonas de mato ou florestais, com um declínio de 57,75%.”
A sua densidade é alta principalmente em quatro grandes zonas espanholas associadas a meios agrícolas – as mesetas sul e norte, e os vales do Ebro e do Guadalquivir –, onde se concentra o conflito com a agricultura, enquanto existem outros grandes espaços ibéricos onde o coelho escasseia, nomeadamente em zonas com predomínio do montado mediterrânico, como a Serra Morena ou as serras da Extremadura, em Espanha ou grande parte de Portugal, onde deveria estar a cumprir o seu papel ecológico como espécie presa e onde a sua caça gera benefícios socioeconómicos.
Este censo contou com a participação de equipas das administrações públicas, cientistas e pessoas voluntárias do setor cinegético e de conservação da natureza. O objectivo era responder à pergunta: quantos coelhos existem na Península Ibérica, onde estão e como estão a mudar as suas populações.
“Dispor de dados atualizados e comparáveis em grande escala sobre a fauna selvagem, com um acompanhamento a longo prazo, é a base fundamental para uma adequada tomada de decisões”, comentou, em comunicado, o diretor do projeto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala. “Com o projeto LIFE Iberconejo, lançámos as bases para entender a situação atual desta espécie-chave das paisagens ibéricas, e assim tomar medidas para fomentar as suas populações onde este está a desaparecer e, ao mesmo tempo, prevenir os danos que provoca na agricultura.”
O coelho-bravo tem uma enorme relevância ecológica. É considerado um “engenheiro do ecossistema” pela sua capacidade de modelar o ambiente e por ser presa de mais de 40 espécies de mamíferos e aves no montado mediterrânico.
Para elaborar este mapa pioneiro de distribuição da espécie – com uma resolução de 2×2 quilómetros em toda a Península Ibérica, alcançando um nível de detalhe sem precedentes a nível nacional -, investigadores do Instituto de Investigación en Recursos Cinegéticos (IREC – CSIC, UCLM, JCCM), que colaboram no LIFE Iberconejo, desenvolveram um modelo matemático que integra diversas fontes de dados: sobre a situação populacional em grande escala – as estatísticas cinegéticas de animais caçados – dados em escala regional e local – contagens de coelhos ou indícios da sua presença no terreno, respetivamente – e informações sobre as características do habitat.
“Elaborar um censo dos coelhos à escala peninsular, que implicaria a contagem de cada um dos exemplares da Península Ibérica, é logicamente impossível. Mas utilizando um modelo matemático que integra diferentes fontes de dados podemos conhecer a distribuição e a abundância do coelho- bravo a uma escala sem precedentes, uma base sólida para a tomada de decisões informadas”, explicou o investigador do IREC Javier Fernández López, que liderou o desenvolvimento do modelo.
Este trabalho científico partiu de um acordo entre todos os agentes envolvidos na gestão da espécie, incluindo as autoridades nacionais de Espanha – Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação (MAPA) – e de Portugal – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta colaboração entre administrações e entidades científicas, de conservação da natureza, cinegéticas e agrícolas permitiu estandardizar as metodologias de monitorização do coelho-bravo e coordenar a recolha de dados no território, para permitir a análise da informação e a obtenção de resultados fiáveis e comparáveis à escala ibérica. Tudo isto é realizado de forma automatizada graças a uma plataforma digital desenvolvida no âmbito do projeto LIFE Iberconejo.
“Ainda que as estatísticas cinegéticas tenham limitações, permitem obter uma visão global sobre a situação da espécie, e as tendências que mostram correlacionam-se com as dos levantamentos de coelhos realizados no terreno”, explica o investigador do IREC, Javier Fernández López.
As administrações competentes vão manter este acompanhamento à escala ibérica das populações de coelho para além do fim do projeto.
“O que nos mostram estes resultados é que está em perigo o papel ecológico vital do coelho-bravo devido ao seu desaparecimento dos habitats mais naturais, e também a sua função social ligada a uma atividade cinegética sustentável”, comentou o diretor do projeto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala. “Por outro lado, vemos que existem muitos coelhos em zonas agrícolas menos favoráveis à biodiversidade, zonas onde provocam importantíssimos danos à agricultura e, apesar do enorme esforço das sociedades de caça, em algumas ocasiões estas não conseguem controlar as suas populações no grau desejado.”
O projeto LIFE Iberconejo é coordenado pela WWF Espanha, e tem como parceiros a Fundación CBD Hábitat, a WWF Portugal, a Universidad de Castilla-La Mancha (IREC-UCLM), o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto/CIBIO-BIOPOLIS, a Agencia Estatal Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC/IESA), a Fundación Universitaria San Pablo CEU, a Unión de Pequeños Agricultores y Ganaderos (UPA), a Real Federación Española de Caza (RFEC), a Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça (ANPC), os governos regionais da Andaluzia, Castilla-La Mancha e Extremadura e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).