Os alimentos que comemos e os cosméticos que usamos têm impactos negativos sobre a biodiversidade de outras regiões do mundo, mas até que ponto? Uma equipa internacional de investigadores conseguiu agora calcular esses efeitos.
A equipa liderada por Henrique Pereira, investigador do CIBIO-InBIO, ligado à Universidade do Porto, decidiu analisar as mudanças no uso de solo e das trocas comerciais entre 2000 e 2011, por todo o mundo, estimando os impactos sobre a biodiversidade e os serviços de ecossistema. Os resultados foram publicados na última segunda-feira, na revista Nature Ecology & Evolution.
Para analisar os impactos na biodiversidade, os cientistas concentraram-se na riqueza de espécies de aves. Quanto aos impactos nos serviços de ecossistema, optaram por investigar o sequestro de carbono, “um serviço de ecossistema chave para mitigar as alterações climáticas”.
Conclusão? Durante os 11 anos analisados, o uso do solo até se tornou mais eficiente, mas esse ganho não chegou para compensar os efeitos do crescimento da população mundial e as mudanças dos padrões de consumo.
É verdade que tanto na Europa Ocidental como na América do Norte, o impacto da agricultura e da indústria florestal (produção de madeira e combustíveis) diminuiu entre 2000 e 2011, admitem os investigadores. Isso terá sido em parte devido à crise financeira de 2007 e 2008, pelo que essa melhoria poderá ser temporária.
Em contrapartida, aperceberam-se de que os produtos consumidos nessas regiões estão a ter cada vez mais efeitos negativos sobre a natureza em pontos distantes do planeta. “Os padrões de consumo de um cidadão médio na América do Norte, Europa Ocidental, Europa de Leste e Médio Oriente estão a conduzir a impactos na biodiversidade de outros lugares”, alertam. “O mesmo acontece com o sequestro de carbono, com excepção da Europa de Leste.”
América Central e do Sul, África e Ásia têm sido as regiões com maiores perdas de biodiversidade, “com uma parte importante da responsabilidade atribuída ao comércio internacional.” Por exemplo, em 2011, cerca de um terço (33%) dos impactos na biodiversidade na América Central e do Sul e mais de um quarto (26%) desses impactos em África foram causados pelo consumo noutras regiões do mundo.
Os investigadores estimaram também que as actividades agrícola e florestal, entre 2000 e 2011, deverão ser responsáveis pela extinção de 121 espécies de aves no mundo. Em comparação, tendo em conta qualquer acção humana, desde o início do século XVI perderam-se 140 espécies de aves.
Houve ainda um aumento de 6% na perda de carbono sequestrado, para menos 3,4 giga-toneladas por ano, ao longo dos 11 anos analisados.
Gado, industria florestal e óleo de palma
Mas quais são os produtos com maior impacto? Por exemplo, a criação de gado, ligada ao aumento mundial no consumo de carne, foi identificada como a causa principal da extinção de espécies de aves. Já as actividades florestais causaram as maiores perdas no sequestro de carbono.
No entanto, a produção de óleos de sementes demonstrou ser a actividade que mais contribuiu para o crescimento dos impactos nas aves e a segunda que mais contribuiu para o aumento das perdas no sequestro de carbono.
Em causa está por exemplo o óleo de palma, usado hoje em dia em muitos alimentos, produtos cosméticos e também nos biocombustíveis. A produção agrícola deste produto é a principal causa da desflorestação nos trópicos.
A equipa espera que as conclusões do estudo ajudem a evitar a extinção de mais espécies e novos impactos sobre os serviços de ecossistema. “Para lidarem com a crise da biodiversidade, os governos deviam (…) reconhecer a sua responsabilidade remota e promover uma mudança no desenvolvimento económico para actividades com baixo impacto na biodiversidade”, avisam os autores do artigo.