Um grupo de biólogos ligados a programas de monitorização de grifos e abutres-pretos, em várias regiões de Espanha, perceberam que estes animais passavam muito pouco tempo em Portugal e decidiram investigar o porquê. Publicaram agora o estudo com as conclusões.
“Uma inspecção visual das localizações dos abutres revelou um contraste evidente no uso de cada país, com a fronteira hispano-portuguesa a aparecer como uma barreira quase impenetrável”, relata a equipa liderada por Eneko Arrondo, investigador na Estação Biológica de Doñana (Sevilha), num estudo na revista científica Biological Conservation, de 10 de Janeiro.
Quase toda a população europeia das duas espécies, 90 por cento, encontra-se na Península Ibérica. Os grifos (Gyps fulvus) têm um estatuto de conservação Pouco Preocupante. Estima-se que há 24.609 casais reprodutores de grifos em Espanha e entre 500 a 1000 em Portugal.
Já o abutre-preto (Aegypius monachus) está na categoria de Quase Ameaçado, com cerca de 1.845 casais reprodutores em Espanha e outros 11 em Portugal.
Os cientistas tiraram proveito dos resultados de programas espanhóis de monitorização destas duas espécies, por GPS, que vigiaram os movimentos de 60 grifos e 11 abutres-pretos, no Vale do Ebro (Norte de Espanha), Vale do Guadalquivir (Sul) e ainda no Parque Nacional de Cabañeros, no centro do país.
Resultado? “Descobrimos que os grifos e os abutres-pretos de Espanha raramente voam além da fronteira portuguesa, em especial quanto mais aumenta a distância a partir de Espanha”, detalharam. Além do mais, tudo indica que “os abutres espanhóis raramente se alimentam” no lado português.
Com base em modelos estatísticos, começaram então à procura de diferenças entre os dois territórios. “Compararam, por exemplo, a quantidade de gado de um lado e do outro da fronteira, tal como alterações no coberto vegetal”, explicou à Wilder Pedro Beja, do CIBIO/InBIO-Universidade do Porto e do Instituto Superior de Agronomia, que contribuiu para este estudo.
Concluíram que o único factor que explicava as diferenças “era o facto de não serem deixadas carcaças de animais de gado do lado português da fronteira”, resume o mesmo responsável. “Por exclusão de partes, chegou-se à conclusão de que este era o factor mais provável.”
A partir dos resultados obtidos, os autores do estudo alertaram para a necessidade de haver “uma integração mais forte de políticas sanitárias e ambientais ao nível europeu”. “Uma das conclusões foi que as autoridades portuguesas deveriam estudar o que se passa do lado espanhol e adaptar o sistema a Portugal, tendo em conta benefícios ambientais e também económicos”, frisou Pedro Beja.
Abutres dependentes do gado
Devido ao desaparecimento de grandes mamíferos e herbívoros selvagens da Península Ibérica, há muito tempo que os abutres passaram a depender em grande parte do gado que morria nos campos e que era ali abandonado, relata o investigador. Ao alimentarem-se, prestavam também um serviço sanitário e aos próprios agricultores.
Em 2001, devido à crise da encefalopatia espongiforme bovina (‘BSE’, na sigla em inglês) – conhecida como a “doença das vacas loucas” – a União Europeia proibiu o abandono de carcaças de animais de gado nos campos. Mas passados poucos anos, devido aos impactos na natureza, as regras europeias alteraram-se e passaram a permitir que cada país escolhesse como lidar com o gado morto.
“Em Espanha, houve negociações para encontrar um equilíbrio que fosse aceite pelas autoridades sanitárias”, recordou Pedro Beja. Mais recentemente, em 2011, criou-se uma “rede de áreas protegidas para a alimentação de espécies necrófagas de interesse europeu”. Estas são áreas do país onde os animais mortos podem ser abandonados no campo, com o objectivo oficial de “mitigar a falta de comida para espécies necrófagas e os custos ambientais associados”.
Pelo contrário, em Portugal isso não acontece. Essas carcaças continuam a ser recolhidas obrigatoriamente, para serem incineradas. Algumas são encaminhadas para campos de alimentação de abutres, que foram criados perto da fronteira. “Mas será que todos funcionam bem?”, questionou Pedro Beja.
O investigador acrescentou que há estudos que concluíram que estes locais podem ter “efeitos perversos”, uma vez que os grifos, quando acorrem em grande quantidade, tendem a diminuir o alimento disponível para outras espécies.
O estudo teria resultados diferentes, se tivessem sido analisados abutres marcados com emissores em território português? Pedro Beja não acredita, uma vez que em Portugal “as populações dos abutres estão todas na fronteira”. E por outro lado, “estes animais não são territoriais”. “Poderíamos ter abutres a passarem a fronteira tanto para Portugal como para Espanha, mas isso não acontece. Há zonas com grande actividade do lado espanhol e nenhuma do lado português”.
[divider type=”thin”]Saiba mais.
A associação ambientalista Quercus tem chamado também a atenção para a falta de alimento disponível para os abutres em Portugal, como aconteceu no dia em que se bateram recordes no campo de alimentação do Monte Barata.