Este ano, foi a partir de 8 de agosto que passámos a estar em dívida para com a Terra, segundo um estudo realizado todos os anos sobre o consumo mundial de recursos naturais e a capacidade do planeta em renová-los. Em Portugal, a pegada ecológica está 160% acima dos recursos naturais nacionais, alerta a associação ZERO.
As contas são feitas todos os anos pela Global Footprint Network (GFN), organização internacional sem fins lucrativos criada em 2003. O último ano em que conseguimos viver com o nosso orçamento natural anual foi em 1970. Em 2016, esgotámos os recursos naturais a 8 de agosto; a partir desse dia começámos a utilizar recursos que o planeta será incapaz de renovar até ao final do ano.
Os dados divulgados por esta organização mostram que a nossa dívida ecológica tem vindo a agravar-se de ano para ano. Em 2016, o esgotamento dos recursos acontece cinco dias mais cedo do que em 2015 (13 de agosto) e onze dias antes do que no ano anterior (19 de agosto).
Este ano, o chamado Earth Overshoot Day chega mais cedo do que nunca, refletindo o facto de o consumo humano de recursos naturais renováveis continuar a aumentar, segundo o comunicado da GFN. Enquanto que em 2000 a Humanidade começava a contrair a sua dívida ecológica em finais de setembro, a partir de 2005 o défice começou a registar-se um mês mais cedo. O aquecimento global, a desflorestação, a erosão do solo e a sobrepesca são alguns dos seus efeitos.
Na base destas contas está a totalidade de recursos que o planeta é capaz de regenerar num ano e a pegada ecológica global, ou seja, os recursos que o ser humano consome num ano. Dividindo-se a primeira pela segunda e multiplicando-se o valor obtido pelo nº de dias do ano, a GFN estima o Earth Overshoot Day.
De acordo com o comunicado da organização, a pegada ecológica global é hoje 1,6 vezes superior à biocapacidade da Terra, ou seja, o que atualmente a população mundial consome equivale a quase duas Terras – previsão para 2030, caso o ritmo de consumo não abrande. A Austrália e os Estados Unidos registam as pegadas ecológicas mais elevadas do mundo, devido às suas taxas crescentes de consumo de carne, salienta o estudo. Se a população mundial vivesse como a Austrália seriam precisos 5,4 planetas; no caso dos Estados Unidos, seriam necessários 4,8 planetas.
Portugal faz parte do grupo dos 35 países com maior défice ambiental em todo o mundo, segundo a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. Em comunicado, esta associação indica que “a nossa pegada per capita é de 3,9 hectares globais, mas a nossa biocapacidade é de 1,5 hectares globais. Ficam a faltar 2,4 hectares globais per capita, o que significa que a nossa pegada ecológica excede em 160% a nossa biocapacidade ”.
A ZERO acrescenta que, comparativamente com outros países, estamos em melhor posição do que a Espanha (190%), a Itália (330%), a Holanda (350%) ou a Bélgica (530%), mas pior do que ativos contribuintes em termos de biocapacidade como a Suécia ou a Finlândia – +4% e +10%, respetivamente.
O desequilíbrio da balança de recursos do planeta explica-se com os níveis crescentes de carbono emitido para a atmosfera, o crescimento populacional e a má gestão das florestas e oceanos. No entanto, a primeira é identificada como a maior ameaça, visto ser responsável por 60% da pegada ecológica global.
“À medida que o consumo global aumenta, emitimos mais dióxido de carbono para a atmosfera do que aquele que os oceanos e as florestas conseguem absorver. Pescamos e colhemos mais e mais rapidamente do que conseguimos reproduzir e fazer reflorescer”, alerta a WWF, em comunicado.
Mathis Wackernagel, co-fundador e CEO da GFN, afirma que o acordo climático de Paris – resultado da Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, reunida em dezembro de 2015 na capital francesa – é a declaração mais forte relativamente à necessidade de reduzir drasticamente a pegada de carbono. “Em última análise, colapso ou estabilidade é uma escolha. Nós recomendamos vigorosamente nações, cidades e indivíduos a tomar medidas rápidas, corajosas para tornar as metas Paris uma realidade possível”.
“Nada parece mudar para muitos de nós a partir deste dia, mas coletivamente estamos a reduzir a capacidade de resposta da Terra”, salienta David Maxwell Braun da National Geographic Society.
Na verdade, o cenário não é irreversível. De acordo com os estudos da GFN, se a comunidade internacional reduzir as emissões de dióxido de carbono em 30% antes de 2030, o Overshoot Day pode passar para setembro.
Porém, Wackernagel salienta que a alteração de estilos de vida não é tarefa fácil, deixando claro que apesar de ser possível graças à atual tecnologia – financeiramente vantajosa e com benefícios globais superiores aos custos -, o único recurso do qual ainda mais dependemos é da vontade política.
Segundo a ZERO, o Earth Overshoot Day mostra-nos o quão urgente é a mudança de rumo, de modo a produzirmos e consumirmos de forma diferente num mundo pautado por enormes assimetrias em termos de distribuição de rendimentos e acesso a recursos naturais.
A fim de reduzir o défice ambiental nacional, a ZERO propõe a aposta numa dieta mediterrânica, nos transportes públicos e numa economia circular (maximização da utilização e reutilização de materiais como prioridade das políticas públicas), salientando que só objetivos exequíveis poderão conduzir-nos a estilos de vida sustentáveis – “É fundamental democratizar a sustentabilidade: o que é sustentável deve ser incentivado; o que não é deve ser penalizado”.
Portanto, “evitar usar o cartão de crédito ambiental é um investimento no nosso bem-estar e qualidade de vida”, sublinha.
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Este artigo foi editado por Helena Geraldes