Há mais de 20 anos que João Nunes da Silva começou a sentir-se fascinado pela sua ave preferida, o flamingo – especialmente quando fotografou um bando de centenas a voarem no Estuário do Tejo. Agora, que passa muitos dias a captar-lhes os movimentos em fotografia, anda à procura de saber mais sobre a sua origem.
Quando chega o tempo mais frio, ali por Outubro, o fotógrafo de 52 anos transfere uma boa parte dos dias de trabalho para a Ria de Aveiro, a fotografar flamingos. Umas vezes fica dentro do carro, para não os assustar; outras anda a pé, camuflado por uma pequena rede.
De Matosinhos, onde reside, chega ali num instante. “Costumo ir cedo, de manhã, mas a altura melhor e mais produtiva para os fotografar costuma ser ao final da tarde, até ao anoitecer”, descreveu à Wilder.
É um trabalho que “tem muito a ver com persistência, conhecimento e sorte” – é que estas aves não têm um pouso certo.
“Tanto pode estar um bando nas salinas de manhã, como à tarde já podem ter ido para uma das extremidades da Ria.”
Então como é que os encontra? Conhece-lhes os hábitos e os locais frequentes, aonde faz visitas periódicas; consulta a tabela das marés – “durante a maré vasa é mais fácil fotografá-los nas margens” –; fica atento às condições meteorológicas.
Foi assim que no último Inverno, ao saber que se previa o dia mais frio do ano, João fez o inverso de muitas pessoas. Os outros aconchegaram-se dentro de quatro paredes; ele agarrou no equipamento de trabalho e foi à procura de aves cor-de-rosa.
Em boa hora. “Como não havia ninguém a passear, os flamingos estavam bastante tranquilos e não se afastaram. Fotografei-os a cerca de 15 ou 20 metros, em pé nas salinas, ao final da tarde.”
Resultado? “Foi sem dúvida umas das ocasiões em que fiz as melhores fotografias na Ria de Aveiro.”
Confessa que nesse dia ficou surpreendido com a tranquilidade das aves, sem outros visitantes por ali a passear, mas a verdade é que os flamingos, desde há vários anos, parecem estar mais à vontade em Portugal.
“No passado, eram bastante raros, mas a partir do final da década de 80 a presença de grandes bandos de flamingos (alguns com centenas de indivíduos) passou a ser habitual nas principais zonas húmidas portuguesas”, nota.
Também em Aveiro, apercebeu-se de que há números crescentes destas aves – em especial no Inverno, quando chegam de outras paragens com uma plumagem bem mais cor-de-rosa do que os já estavam em Portugal, devido à alimentação que fazem.
E hoje em dia são vistos em áreas onde não era habitual. “Por exemplo, em plenas salinas à entrada da cidade. Antes, só frequentavam a ria, bancos de areia durante a maré vasa, assim como algumas margens da Ria. Era muito raro observá-los nas salinas.”
De olho nas anilhas
Foi ao reparar nas anilhas que surgiam nalgumas das suas fotografias de flamingos que João decidiu investigar um pouco o percurso destas aves.
Já é conhecido que muitos flamingos voam até outras paragens na altura da migração, mas nunca para muito longe. A Portugal, chegam habitualmente de outros locais da Bacia do Mediterrâneo: Espanha, Sul de França, Tunísia, Turquia…
Depois de pedir ajuda a ornitólogos portugueses, conseguiu um PDF com todos os códigos e anos das anilhas utilizadas em flamingos-comuns, nos países da Bacia do Mediterrâneo, de 1977 a 2014.
Desde então, comparou várias das suas fotografias com esses dados. “Depois de consultar algumas das anilhas que eu tenho em fotografias de flamingos feitas no passado (2013, 2016) e já este ano, é provável que alguns tenham vindo da Laguna Fuente de Piedra e Marismas del Odiel (Espanha) e Salins d’Aigues-Mortes (Camargue, França).”
Certo é que estes são locais onde se concentram muitos milhares de flamingos, muitos dos quais são anilhados pouco depois de nascer, em campanhas organizadas, como pode ler aqui.
O fotógrafo ressalva, todavia, que “para ter certezas a cem por cento sobre a proveniência destes flamingos [na Ria de Aveiro], dever-se-ia contactar a provável entidade responsável e fornecer o código da anilha, para confirmar a sua anilhagem.” Uma tarefa que, confessa, terá de ficar para mais tarde.
Nos seus planos está um novo livro sobre o flamingo-comum, tanto na ria de Aveiro como noutros locais onde ocorre, em Portugal e noutros países da Europa onde já os fotografou.
[divider type=”thin”]Agora é sua vez.
Se estiver interessado em observar flamingos, João Nunes da Silva sugere, além das principais zonas húmidas portuguesas, a ria de Aveiro, o estuário do Mondego, a lagoa de Óbidos, a zona do Parque das Nações (Lisboa), a Lagoa de Santo André, a Ria de Alvor, Vilamoura e a Lagoa dos Salgados.
Pode encontrar mais informações sobre esta espécie no site Aves de Portugal.
[divider type=”thin”]Saiba mais.
João Nunes da Silva, 52 anos, vive em Matosinhos e é fotógrafo profissional de natureza há 24 anos. Mais do que uma profissão é um estado de espírito, diz. Fotografa e escreve. Tem três livros publicados e fotografias e artigos publicados em revistas como a National Geographic Portugal e a BBC Wildlife Magazine e em jornais como o PÚBLICO e o Expresso. Nos anos 80 foi um dos fundadores da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.
Quer aprender a fotografar a natureza num bosque de Outono? Conheça aqui as sugestões que João Nunes da Silva fez à Wilder.
Saiba mais sobre o trabalho deste fotógrafo de natureza neste artigo que publicámos na Wilder.