Perto de fazer três anos de vida, a revista “Perspetiva” – Fotografia, Arte, Natureza, reúne o melhor da fotografia de natureza em português. É gratuita, digital, bimensal e sai das mãos de um colectivo de oito fotógrafos. Luís Afonso foi quem a criou e revela os seus bastidores.
WILDER: Como surgiu a ideia para esta revista?
Luís Afonso: Criei a revista em Fevereiro de 2022. Surgiu como uma forma de fazer chegar a “minha fotografia” às pessoas de uma maneira mais estruturada e pensada. Estava um pouco saturado de apresentar o meu trabalho nas redes sociais, num meio onde prolifera tanto conteúdo com pouca qualidade e propósito, sem contexto, sem perceber quem o lê e sem qualquer controlo como as coisas são apreendidas e apresentadas.
O objetivo era mostrar o que ia fazendo, o que ia escrevendo e partilhar as atividades que se avizinhavam. Não a criei como uma forma de auto-promoção. Não pretendia ter mais visitas nos meus perfis de redes sociais (antes pelo contrário), no meu sítio web ou em qualquer outro lado. Não pretendia qualquer retorno financeiro. Não pretendia nada mais do que chegar a quem se interessa pelo que crio da forma como eu queria. Foi um exercício eminentemente pessoal.
Quem me conhece, sabe que estou sempre a magicar coisas e que não gosto de estar quieto. Ganharia novas competências (design gráfico) e obrigava-me a escrever e a partilhar as coisas com uma frequência definida (mensal, no início). Tudo de forma muito simples, mas com responsabilidade e respeito para com quem iria ler. Mas, acima de tudo, era um compromisso comigo próprio e eu gosto de honrar qualquer compromisso.
W: Quais os seus principais objetivos?
Luís Afonso: O objetivo presente é o de produzir a melhor revista portuguesa centrada na fotografia de natureza. A essa fotografia, junta-se uma abordagem mais artística e uma reflexão sobre o ato da criação e dos desafios que se levantam à produção deste tipo de fotografia. Passa também por dar a conhecer os principais nomes da disciplina (os consagrados e os menos conhecidos) e de ir apresentando o que um coletivo de oito fotógrafos vai fazendo no seu dia-a-dia.
W: Para quem é feita, qual o seu público-alvo?
Luís Afonso: Essa é, decididamente, uma boa pergunta e uma que nos estamos sempre a fazer. No início o público alvo eram as pessoas que me seguiam nas redes sociais e que se interessavam pela minha fotografia e pelo que escrevia. Neste momento, costumo dizer que o público alvo somos nós os oito, o coletivo editorial da revista. Isto é dito meio a brincar, meio a sério, pois é precisamente para pessoas como nós que escrevemos. Pessoas que pensam a fotografia, que não querem apenas ver “bonecos” engraçados. Pessoas que se interessam pelo processo de criação, pelas histórias por detrás das imagens e pessoas, claro, que pretendem evoluir na sua arte, quer tecnicamente, quer esteticamente.
O nosso público-alvo são todas as pessoas que gostam de fotografia de natureza mas também as que, fazendo outro tipo de fotografia, gostam de pensar o processo por detrás da criação de uma imagem. Sendo a revista 100% escrita em português, o nosso público-alvo é também 100% português.
W: Quando foi lançada a “Perspetiva”?
Luís Afonso: Foi lançada em fevereiro de 2022, mas em Março de 2023 sofreu uma remodelação profunda onde passaram a participar oito fotógrafos. A partir dessa data, a revista emancipou-se e deixou de ser a revista do Luís Afonso para passar a ser a “Perspetiva” deste coletivo.
W: É inteiramente digital; há previsão de uma edição impressa?
Luís Afonso: A revista foi pensada para ser gratuita e totalmente digital. Muitas vezes nos perguntam se está nos nossos planos fazer uma versão em papel, mas respondemos sempre que não. Embora exista um par de pessoas interessadas, estamos certos que iria vender muito pouco e sofrer dos mesmos males que as restantes publicações. Hoje em dia são raras as revistas portuguesas em papel que sobrevivem em Portugal. De fotografia, penso que já não existe nenhuma. Seria igualmente necessário um orçamento que não temos, apoios que dificilmente se arranjariam. Ninguém quer investir em revistas que chegam a “poucas” pessoas. Uma revista em papel, com a qualidade que queremos, implicaria um esforço que não estamos prontos para suportar neste momento.
W: Quem é a equipa responsável pela revista?
Luís Afonso: A revista é dirigida por mim e nela escrevem mais sete fotógrafos de natureza: Ângelo Jesus, Mário Cunha, Miguel Serra, Nuno Luís, Ricardo Salvo, Rúben Neves e Tiago Mateus. São fotógrafos de referência no nosso país, com provas dadas, premiados em concursos nacionais e internacionais e que, ao seu jeito, apresentam perspetivas diferentes na forma como olham para a natureza. Todos nós estamos a crescer como escritores, habituados que estamos a estar por detrás de uma câmara e não de um processador de texto. Mas esta experiência tem contribuído muito para pensarmos na forma como criamos a nossa fotografia, para a evolução da mesma e pela necessária partilha que é preciso fazer com quem abraça a mesma paixão. Dois de nós são responsáveis pela revisão dos textos (Rúben e Ricardo), o Tiago pela gestão das redes sociais e eu pelo design gráfico e pela atualização do site.
W: Como comenta o estado da fotografia de natureza em Portugal?
Luís Afonso: A fotografia de natureza em Portugal vai fazendo o seu caminho. Há cada vez mais fotógrafos com trabalho consistente, com projetos interessantes e com obra de muita qualidade. Há, igualmente, cada vez mais interessados pelo tema, pessoas atentas para o valor que os fotógrafos de natureza têm na comunicação e preservação da natureza. Os festivais de fotografia de natureza que existem em grande número (para um país tão pequeno) juntam toda essa comunidade e é interessante ver essa evolução ano após ano. Falta ainda uma maior coesão entre todos os intervenientes que possibilitem, por exemplo, a criação de uma associação dos fotógrafos de natureza como existe, por exemplo, em Espanha e de uma maior aposta pelas entidades governamentais na criação de um arquivo de imagens nacional para memória futura. Mas penso que a fotografia de natureza em Portugal está ao nível do país que temos, da demanda que dela fazem e os fotógrafos portugueses não ficam aquém dos seus congéneres europeus. Falta, talvez, uma maior promoção do seu trabalho lá fora, o que vai acontecendo aos poucos.
W: Qual tem sido o feedback dos leitores da “Perspetiva”?
Luís Afonso: Temos tidos muitos comentários a enaltecer a qualidade do projeto. Recebemos mensalmente vários comentários a agradecer a nossa generosidade em publicar conteúdo de tanta qualidade de forma gratuita. Como sempre, há muito espaço para melhoria, mas penso que o público reconhece o esforço e a paixão com que a revista é feita e atesta a sua qualidade. Como leitor de algumas revistas semelhantes a nível mundial, atesto com humildade que a “Perspetiva” não fica atrás de nenhuma.
W: Como é financiado este projecto?
Luís Afonso: A revista é financiada pelo coletivo editorial que escreve para a revista de forma gratuita. Os poucos custos que temos são suportados por todos. O tempo de todos, precioso nos dias que correm, é apenas recompensado pelos comentários de quem nos lê. Como não existe nenhuma revista de fotografia nacional (nem me parece que exista espaço para alguma) não tenho qualquer problema de consciência em partilhar este conteúdo de forma gratuita, pois não estarmos a ocupar o espaço de ninguém. O fato de não conseguir pagar a quem escreve já é outra história, mas é o que temos neste momento. Talvez um dia arranjemos apoios ou um modelo financeiro que o possibilite. Por enquanto, não.
Luís Afonso é um fotógrafo profissional que se dedica principalmente à paisagem e ao mundo natural. É também um apaixonado por orquídeas silvestres e fez o registo fotográfico das plantas conhecidas deste grupo que se encontram no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros – ao todo, retratou cerca de 40 orquídeas diferentes, incluindo híbridos e variações de cor.
Em 2022 venceu o primeiro lugar na categoria de Paisagem da edição internacional do Wiki Loves Earth, com uma fotografia da Praia do Abano, no Parque Natural de Sintra-Cascais.
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