Salamandra-lusitânica. Foto: Daniel Santos

Um ano à procura da dourada salamandra-lusitânica

Início

Durante um ano, o fotógrafo de natureza e biólogo Daniel Santos dedicou-se à salamandra-lusitânica. Quis fotografar como vive para mostrar a todos este fantástico anfíbio e chamar a atenção para a importância da sua conservação. Por estes dias, ainda no campo a recolher as últimas imagens que lhe faltam, falou à Wilder sobre o projecto “Salamandra Dourada”.

WILDER: Qual o objectivo do projecto “Salamandra Dourada”?

Daniel Santos: Este é um projeto de educação ambiental sobre a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) que tem como objetivo documentar os diferentes aspectos da biologia da espécie. Com o material resultante, a ideia é sensibilizar a população em geral para a importância da proteção da salamandra, aliando a arte à conservação da natureza, através da produção de um livro e de um documentário. Além disso, o projeto inclui também a monitorização nos locais mais importantes de ocorrência da espécie e ainda atividades de educação ambiental para a população e para escolas dos três municípios (Gondomar, Valongo e Paredes) que albergam o Parque das Serras do Porto. 

O projeto “Salamandra Dourada” é realizado e coordenado por mim, através do meu projeto Portugal Selvagem, e conta com o apoio da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto. 

Salamandra-lusitânica. Foto: Daniel Santos

W: Quando começou este projeto e em que região?

Daniel Santos: O projeto começou em Janeiro de 2024 e está a ser implementado na área do Parque das Serras do Porto.

W: Como fez para procurar (e encontrar) salamandras-lusitânicas? Foi difícil ou nem por isso?

Daniel Santos: Eu trabalho com a espécie há algum tempo e como vivo muito próximo do Parque das Serras do Porto, já conheço vários locais onde a espécie existe. Esse conhecimento foi adquirido ao longo de vários anos a explorar esta área, assim como a partir de outros colegas biólogos e entusiastas da natureza que partilharam comigo observações da espécie. Por isso, durante o projeto tem sido relativamente fácil encontrar salamandras.

Apesar de já conhecer vários locais de ocorrência da salamandra-lusitânica, durante o projeto descobri novas áreas onde a sua presença, aparentemente, não era conhecida. Nestes casos procurei ativamente salamandras nos habitats favoráveis para a sua ocorrência.

A salamandra-lusitânica é uma espécie com requisitos ecológicos muito particulares. Como não possui pulmões funcionais, respira apenas através da pele e, por isso, habita locais muito húmidos, como as margens de ribeiros de água corrente e límpida. Também pode ser encontrada em bosques caducifólios. Este tipo de habitats infelizmente não são muito comuns nesta zona, sendo o eucaliptal o tipo de “floresta” mais abundante, o que reduz a área provável de ocorrência da salamandra-lusitânica. 

W: Quantas salamandras-lusitânicas encontrou?

Daniel Santos: A salamandra-lusitânica, no panorama geral, não é uma espécie propriamente comum. Está classificada com o estatuto de conservação “Vulnerável”, pelo Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal, uma vez que apresenta um aparente declínio continuado da sua área de distribuição e do número de indivíduos, principalmente devido à degradação da qualidade e perda de habitat.

Salamandra-lusitânica. Foto: Daniel Santos

Atualmente existe uma forte fragmentação da área de distribuição da salamandra-lusitânica e há muitas populações que se encontram isoladas, o que significa que a destruição dos habitats onde essas populações existem pode resultar no seu desaparecimento, pois não têm para onde ir. No entanto, localmente (nos habitats que oferecem condições de excelência) pode ser bastante comum. Num único dia cheguei a contar cerca de 940 salamandras. No total, o número de registos da espécie ultrapassa os 8000, num período de apenas um ano, mas é importante referir que a maior parte destes registos corresponde a embriões e larvas e a maioria não chegará à fase de adulto.

W: O que mais o fascina nesta espécie?

Daniel Santos: A sua biologia e beleza. Esta é uma espécie bastante peculiar e super interessante. É um anfíbio com um corpo pequenino, mas com uma cauda muito comprida, que corresponde a cerca de 2/3 do seu comprimento total. No dorso tem duas listas que podem variar entre o dourado e o alaranjado vivo (quase vermelho) e que se estendem ao longo da cauda.

Depois exibe um comportamento único entre as restantes espécies de tritões e salamandras portuguesas. Quando ameaçada, a primeira opção é sempre a fuga. No entanto, se esta estratégia não funcionar, a salamandra-lusitânica liberta deliberadamente a cauda, tal como acontece com os lagartos, para distrair os seu predadores. Com o tempo a cauda volta a crescer, mas este é um processo demorado e tem alguns custos, tendo em conta que a cauda é importante para a locomoção e reprodução da salamandra-lusitânica. 

Durante a época de reprodução, em alguns locais, a salamandra-lusitânica utiliza minas antigas para se reproduzir e fazer a postura dos ovos. Foi nestas minas que experienciei um dos espetáculos mais bonitos da natureza de que me recordo: a base das paredes fica coberta com milhares de ovos que se desenvolvem ao longo de várias semanas até eclodirem.

Salamandra-lusitânica. Foto: Daniel Santos

W: Neste momento, em que ponto está o projeto?

Daniel Santos: O projeto está aproximar-se do fim. Neste momento estou a tentar fazer as últimas fotografias que estão em falta para o livro e a recolher as últimas imagens de vídeo para o documentário. 

W: Na sua opinião, qual é a percepção das pessoas em relação a esta salamandra? Será que a conhecem?

Daniel Santos: Na minha opinião, o público em geral tem mostrado um crescente interesse pela natureza e o seu conhecimento tem aumentado. No entanto, a salamandra-lusitânica não é uma espécie fácil de encontrar se não soubermos onde procurar o que, juntamente com o seu pequeno tamanho, faz com que passe facilmente despercebida. Os anfíbios, de uma forma geral e incluindo a salamandra-lusitânica, são injustamente alvo de preconceitos e mitos, o que leva as pessoas a não sentirem a mesma afinidade e curiosidade por estes animais, como acontece com aves ou mamíferos. Por estas razões, a salamandra-lusitânica não é muito conhecida, mas espero que este trabalho ajude a mostrar ao público o quão bonito, interessante e importante é este pequeno animal.

Sessão de sensibilização. Foto: Daniel Santos

W: O que foi mais difícil neste projecto? E o que gostou mais?

Daniel Santos: O mais difícil foi, sem sombras de dúvida, toda a logística necessária para fotografar e filmar a espécie. Como esta salamandra ocorre em ambientes muito húmidos, a água foi sempre uma preocupação o que, em conjunto com uma grande quantidade de material eletrónico e óptico – como câmaras, lentes, flashes, LED, etc -, dificultou muito a obtenção de imagens. Também ocorre em locais de difícil acesso e muitas vezes apertados, o que em alguns casos complica muito o uso de material fotográfico e de vídeo.

Este tipo de condições era algo que já estava à espera, porque a fotografia e o documentário de natureza são atividades que nos reservam frequentemente condições de trabalho desafiantes. Mas são essas experiências que tornam estes trabalhos mais gratificantes. O que eu gostei mais foi de acompanhar a espécie tão de perto e de ter tido a oportunidade de presenciar momentos únicos, que me marcaram e que não teria testemunhado se não tivesse passado tantas horas junto destes animais. Alguns desses momentos incluem o amplexo (cópula) de vários casais, eclosão de ovos, larvas a serem predadas por invertebrados, uma salamandra a caçar, entre muitos outros momentos.

W: Quando estão as salamandras-lusitânica mais activas? O que estão a fazer no Inverno?

Daniel Santos: A salamandra-lusitânica, à semelhança de quase todos os anfíbios, está ativa principalmente durante a noite. 

Nas Serras do Porto, está mais ativa entre Setembro e Novembro, que corresponde à época de reprodução. No entanto, noutras regiões do país esse período pode ser diferente.

Durante o Inverno, também está ativa, desde que não esteja muito frio e durante o Verão, apenas em noites muito húmidas. A Primavera é uma estação em que se nota uma maior atividade. Quando inativa permanece nos seus locais de refúgio.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss