Desde criança que Sandra Lourenço admira estas aranhas que vivem numa colina por detrás da casa da avó, perto de Setúbal. São “criaturas fantásticas” que moram em “tocas fechadas com tampa com dobradiça de seda e tudo!” Apenas sabe que são aranhas-de-alçapão. O investigador Pedro Sousa explica mais sobre estas espécies habilidosas.
“O meu pai incutiu-me a curiosidade pelas plantas e animais desde tenra idade, e esta pergunta vai pelos dois”, escreveu a leitora à Wilder.
“Estas aranhas são quase da família. Vivem numa colina por trás da casa da minha avó na Aldeia Grande, Setúbal (pertence ao Parque Natural da Serra da Arrábida), em tocas fechadas com tampa com dobradiça de seda e tudo (pobres humanos, pensam que inventaram as portas)!”
“Quando era miúda costumávamos retirar estas aranhas das tocas usando um feno, elas atacam o feno e vêm penduradas. Seguia-se então a luta até à morte, bastava juntar duas aranhas e elas lutavam até uma (ou ambas) morrerem. Não me orgulho nada desta última parte, quando comecei a crescer e ter mais noção das coisas deixei, claro, de o fazer, mas é um comportamento curioso de qualquer forma. Ainda as retiro da toca às vezes quando quero mostrar estas fantásticas criaturas a alguém, sendo que depois as deixo junto à abertura, elas voltam a entrar passados uns minutos.”
“Sempre chamámos estes bichos de “aranhuços”, mas nunca soube o seu nome. Descobri que são aranhas-de-alçapão, mas só isso. Estas fotos foram tiradas em 2011, mas ainda há umas semanas fui lá tirar uma da toca e dizer olá.”
Depois de observar as fotografias captadas pela leitora, Pedro Sousa, investigador do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), não tem dúvidas e confirma: “é, sem dúvida, uma aranha de alçapão”.
“Em Portugal, a maioria destas aranhas pertencem à família Nemesiidae. Conhecem-se sete espécies destas em Portugal, pertencentes a dois géneros diferentes: Nemesia e Iberesia. Para além destas espécies há ainda a espécie Ummidia algarve, que também constrói túneis com alçapão mas pertence a uma família diferente. Esta aranha tem um aspecto muito diferente”, explica o investigador.
De acordo com Pedro Sousa, “cinco das sete espécies de Nemesiidae podem existir na zona de Setúbal, segundo Decae e colegas (2007)”.
“Não consigo identificar de forma precisa a espécie da fotografia, embora me pareça mais provável que seja a Iberesia machadoi. Esta é também a maior e mais robusta das sete espécies (ainda que não tenhamos algo que possa funcionar como uma escala na fotografia da Sandra) e possui a zona da cabeça mais elevada em relação ao resto do cefalotórax.”
“Trata-se de uma fêmea ou de um animal subadulto. Do que se conhece, os machos desta espécie estão activos no Outono, tal como nas outras Nemesiidae (ainda que noutras espécies os machos possam começar a surgir no final do verão).”
Segundo Pedro Sousa, “é bom que haja interesse por estas aranhas fantásticas ainda que muito pouco conhecidas. Elas são muito territoriais e fazem demonstrações agressivas quando incomodadas dentro das suas tocas. Um comportamento que me parece razoável, dado que somos nós que estamos a perturbar a sua casa”.
“Eu não tenho experiência a pescar estas aranhas, mas já vi colegas a usar a técnica descrita pela leitora Sandra, com graus variáveis de sucesso :). Será melhor não as perturbar no Verão, pois parece ser nesta época seca que as fêmeas fazem a postura dos ovos dentro das tocas, que depois guardam zelosamente.”
“As Nemesiidade são, às vezes, localmente abundantes, pois podem formar colónias com tocas próximas entre si, em locais com terreno propício, normalmente com solo exposto, inclinado ou não. Mas é preciso muita experiência para reconhecer estas tocas, pois as tampas estão muito bem camufladas e passam completamente desapercebidas. E, na época de maior calor, os animais podem até selar a entrada com uma “rolha” de terra por baixo da “porta”, o que as protege do exterior mas pode levar alguém que até identifique o seu alçapão a pensar que afinal não mora ninguém nessa toca!”
“Espero que a Sandra possa continuar a desfrutar destas aranhas pois será um sinal de que a população da zona permanece saudável!”
Descubra aqui as aranhas que os leitores da Wilder têm encontrado, no âmbito do “Que Espécie é Esta?”.