Na série “Abra espaço para a natureza”, Carine Azevedo responde às dúvidas que temos quando pensamos em tornar um espaço mais amigo do mundo natural.
Num mundo onde o espaço é um luxo e o contacto com a natureza é frequentemente limitado, os jardins verticais emergem como uma solução criativa e sustentável para trazer a beleza natural para o nosso quotidiano. Seja em apartamentos compactos ou varandas ensolaradas, os jardins verticais representam uma abordagem inovadora, permitindo trazer a natureza para espaços limitados.
O que é um jardim vertical?
Antes de aprofundar o tema, é fundamental compreender o conceito de jardim vertical. Estas estruturas permitem o cultivo de plantas em superfícies verticais, utilizando sistemas que proporcionam o suporte e os nutrientes necessários para o desenvolvimento equilibrado das plantas. Além do aspeto estético, os jardins verticais conferem benefícios ambientais importantes, incluindo a redução da temperatura ambiente, a purificação do ar e o estímulo à biodiversidade em ambientes urbanos.
A vegetação atua como uma barreira natural contra o calor, minimizando o efeito das ilhas de calor nas áreas urbanas. Além disso, age como um verdadeiro purificador de ar, absorvendo poluentes e libertando oxigénio, melhorando assim a qualidade do ar que respiramos. Este efeito não só beneficia a saúde respiratória, mas também promove um ambiente mais agradável e revitalizante.
Biodiversidade urbana e microecossistemas
Os jardins verticais promovem um ambiente propício para a biodiversidade urbana, atraindo aves, insetos polinizadores e outros pequenos animais. Estes jardins transformam-se em autênticos refúgios verdes no centro da agitação cidade, originando microecossistemas, ou seja, ambientes em pequena escala que reproduzem as características de ecossistemas mais amplos, coexistindo harmoniosamente com o tecido urbano.
Este conceito não só contribui para a beleza visual das cidades, mas também para a criação de ecossistemas urbanos equilibrados e resilientes, onde a natureza coexiste em harmonia com o meio construído. Ao abrirmos espaço para os jardins verticais, estamos a abrir portas para um ambiente urbano mais sustentável, saudável e esteticamente enriquecedor.
Escolha consciente das espécies
Ao criar um jardim vertical, a escolha das plantas é estratégica, devendo priorizar-se plantas adaptadas ao clima local e à exposição solar, mas também adaptadas a ambientes verticais.
Em Portugal, temos a sorte de contar com uma diversidade excecional de espécies que podem prosperar verticalmente em diferentes condições. Desde plantas pendentes que oferecem uma elegância visual única, até plantas suculentas, fetos e ervas aromáticas, todas adaptadas ao nosso clima e que oferecem uma paleta diversificada para criar um jardim vertical verdadeiramente único.
Espécies nativas
Por exemplo, uma parede exterior que esteja muito exposta ao sol pode ser preenchida com:
– Uva-de-cão (Sedum acre), que forma tapetes densos de folhas suculentas, adicionando textura e cor.
– Tomilho-bravo (Thymus mastichina), cujas folhas são bastante aromáticas, com um aroma cítrico e fresco.
– Campainhas (Campanula lusitanica), com as suas graciosas flores azul-lilás, adicionando uma paleta de cores vibrantes.
– Erva-pinheira (Sedum sediforme), com folhas carnudas e flores amarelas.
– Boca-de-lobo (Antirrhinum majus subsp. linkianum), conhecida pelas suas flores sofisticadas, de cor púrpura ou rosada.
– Cravina-brava (Dianthus lusitanus), de pequenas flores rosa.
– Relva-do-olímpo (Armeria maritima), de inflorescências globulares em tons de rosa, branco ou roxo.
– Rosmaninho (Lavandula stoechas), com as suas espigas florais distintas, que se destacam pela cor e aroma inconfundível.
– Alecrim (Salvia rosmarinus), de flores azul-lilás e folhas verde-escuras, finas e aromáticas.
Para uma parede mais sombria no mesmo local, a escolha passa por plantas adaptadas à sombra, como:
– Feto-pente (Blechnum spicant subsp. spicant), o avencão (Asplenium trichomanes), a avenca (Adiantum capillus-veneris), a feto-dos-carvalhos (Davallia canariensis) e o feto-real (Osmunda regalis), para adicionar uma sensação de frescura.
– Hera (Hedera helix), uma trepadeira de folhas brilhantes e persistentes.
– Violeta-brava (Viola riviniana) de flores azul-violeta.
– Bonina (Bellis perennis), de flores brancas e rosadas.
– Prímula (Primula vulgaris), que oferece uma variedade de cores vibrantes nas flores.
– Lírio-do-vale (Convallaria majalis) de flores pequenas e brancas.
– Aquilégia (Aquilegia vulgaris), de flores em forma de sino.
– Erva-de-são-roberto (Geranium robertianum) de flores pequenas, em tons de rosa ou roxo.
– Jarro-dos-campos (Arum italicum), de folhas grandes e vistosas, muitas vezes com padrões atrativos, é outra excelente escolha ao apelo estético de um jardim vertical à sombra.
Por outro lado, para espaços interiores podemos optar por combinar algumas espécies nativas aromáticas, com aplicações culinárias, como:
– Cebolinho (Allium schoenoprasum)
– Erva-cidreira (Melissa officinalis)
– Carvalhinha (Teucrium chamaedrys)
– Alecrim (Salvia rosmarinus)
– Camomila (Matricaria chamomilla)
– Flor-de-mel (Lobularia maritima subsp. maritima)
– Orégãos (Origanum vulgare)
– Poejo (Mentha pulegium)
– Funcho (Foeniculum vulgare)
– Marcetão (Santolina rosmarinifolia)
– Perpétua-das-areias (Helichrysum italicum subsp. picardi)
– Rosmaninho (Lavandula stoechas)
Espécies exóticas
Além das espécies nativas, são inúmeras as espécies exóticas que podem complementar os jardins verticais. Entre as escolhas adequadas, destacam-se:
– Cimbalária (Cymbalaria muralis), uma planta rasteira com folhas verdes e pequenas flores lilás.
– Clorfito (Chlorophytum comosum), de folhas variegadas de verde e branco.
– Relva-de-sombra (Ophiopogon japonicus), que produz pequenos frutos de tonalidade azul-escura, que oferecem um contraste encantador com a folhagem verde-escura.
– Liríope (Liriope spicata), que se destaca pelas suas delicadas espigas florais de cor lilás ou violeta, que se erguem acima das folhas estreitas e variegadas, adicionando um toque de cor ao conjunto.
– Begónias (Begonia spp.).
– Bromélias, como a Aechmea fasciata, as Neoregalia spp., as Guzmania spp. e as Tillandsia spp.
– Antúrios (Anthurium andraeanum).
– Jibóia (Epipremnum aureum).
– Asplénios (Asplenium nidus).
– Peperomias (Peperomia spp.).
– Vinha-virgem (Parthenocissus tricuspidata)
– Fuchsia spp.
Todas estas espécies são excelentes opções para complementar qualquer jardim vertical, embora seja necessário certificar-se sempre das necessidades de cada uma das espécies para garantir que se desenvolvem bem no seu jardim vertical e que atenda às suas preferências estéticas.
É essencial mencionar que algumas das plantas podem ser tóxicas para animais e crianças. Neste contexto, ao posicionar as plantas ao longo da parede, é recomendável adotar precauções adicionais para manter um ambiente seguro e saudável.
Uma sugestão prática envolve a disposição das plantas tóxicas em locais mais elevados, fora do alcance das crianças e animais de estimação. Esta medida simples contribui significativamente para prevenir possíveis incidentes.
No entanto, sempre que possível, a melhor opção passar por escolher espécies não tóxicas. Felizmente, existem diversas opções esteticamente atraentes que não representam riscos para a saúde, proporcionando um jardim vertical harmonioso e seguro para todos.
Já publiquei anteriormente um texto sobre plantas tóxicas e os cuidados que devemos ter com elas.
Como fazer um jardim vertical?
A conceção de um jardim vertical é uma fusão harmoniosa entre natureza e design, transformando paredes e estruturas verticais em oásis verdejantes. Além da escolha cuidada das espécies, ao delinear um jardim vertical, é essencial considerar outros aspetos para assegurar um equilíbrio entre estética, funcionalidade e sustentabilidade.
Construir um jardim vertical pode parecer desafiante, mas na verdade, é bastante simples. Aqui ficam algumas dicas e truques úteis:
– Localização crucial: A localização desempenha um papel crucial, devendo contemplar uma análise cuidadosa da luz solar, ventilação e condições ambientais para garantir o desenvolvimento saudável das plantas.
– Estrutura de suporte robusta: A estrutura de suporte do jardim vertical é fundamental para a estabilidade e durabilidade do projeto. Certifique-se de que é robusta o suficiente para suportar o peso total, levando em consideração não apenas as plantas, mas também o substrato e o sistema de rega.
Optar por materiais sustentáveis, como paletes de madeira reciclada ou estruturas metálicas, é uma escolha eco-friendly que contribui para a sustentabilidade do projeto. Também pode optar por comprar kits prontos em lojas especializadas.
– Escolha do substrato: O substrato ou solo utilizado deve ser leve, bem drenado e capaz de reter a humidade e fornecer os nutrientes necessários para as plantas.
Para plantas adaptadas ao clima local e exposição solar, uma mistura que inclua composto orgânico, perlite e vermiculite pode ser uma escolha acertada. Esta combinação garantirá a retenção adequada de água, e uma drenagem eficiente, evitando o encharcamento do solo.
Para plantas que prosperem em condições de sombra, uma mistura com maior teor de turfa e musgo de sphanum é mais adequada. A adição de casca de pinheito ou fibra de coco pode contribuir para uma textura mais leve e arejada.
No caso de integrar espécies exóticas é essencial garantir que o solo atenda às suas necessidades específicas.
– Sistema de rega eficiente: Um sistema de rega eficiente é vital para garantir que todas as plantas recebem a quantidade adequada de água. A implementação de um sistema gota-a-gota proporciona uma distribuição precisa e eficaz da água, evitando o desperdício. A adição de um automatismo, com temporizadores para horários específicos, reforça ainda mais a eficiência hídrica.
Funcional e decorativo
Além da funcionalidade, a componente estética é um elemento central. Ao distribuir as plantas, deve-se considerar os crescimentos, cores e texturas diversas de forma a criar uma experiência visual única. Em ambientes com pouca luz natural, a inclusão de iluminação complementar torna-se essencial para proporcionar condições ideais para o crescimento, além de conferir um efeito luminoso envolvente e singular.
Para complementar o jardim vertical, a integração de treliças e prateleiras oferece uma exposição dinâmica de plantas em diferentes alturas. Paredes de água e esculturas também podem ser consideradas para adicionar um toque único e cativante ao visual do jardim.
A manutenção regular é vital. Periodicamente, deve-se verificar o estado das plantas, remover as folhas mortas e realizar podas leves para promover o crescimento saudável. Além disso, deve adicionar-se fertilizantes conforme necessário para garantir que as plantas recebam nutrientes essenciais para o crescimento saudável.
Em última análise, a conceção de um jardim vertical não é apenas sobre cultivar plantas em paredes, mas sim criar um ecossistema vertical que eleva esteticamente o ambiente, promove a biodiversidade urbana e proporciona uma experiência única de imersão na natureza. É uma síntese engenhosa entre a ordem urbana e a beleza orgânica.
Na série “Abra espaço para a natureza” encontrará mais alguma informação que ajudará na escolha das espécies e nos cuidados a ter com as suas plantas. E se explorar a série “O que procurar: espécies botânicas”, irá encontrar um vasto leque de espécies nativas que se poderão adequar às diferentes condições do seu jardim.
Aproveite para partilhar as fotos do seu jardim nas redes sociais com #jardimtemático e no Instagram, comigo (@biodiversityinportuguese) e com a Wilder (@wilder_mag).
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no email [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.